Se 350 mil empregados respiram Responsabilidade Social a isso pode-se chamar cidadania corporativa, prática na qual a global IBM é estudo de caso. Foi por isso que entrevistámos Conceição Zagalo, directora de Comunicações e Programas Externos da empresa em Portugal, que também deixa claro que a RS é uma forma directa de sustentar a economia
POR HELENA OLIVEIRA

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Conceição Zagalo, directora de Comunicações e Programas Externos da IBM Portugal
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De acordo com um estudo global recentemente divulgado pela IBM, as diferentes etapas da curva de aprendizagem da Responsabilidade Social das Empresas (RSE), à medida que vão sendo superadas – do mero cumprimento das obrigações legais, até ao nível óptimo de crescimento – permitem às empresas que posicionam as suas políticas de Responsabilidade Social como factor inerente às suas estratégias de negócio serem mais competitivas, atraírem e reterem os melhores talentos, a par do acesso a novas oportunidades de negócio.

Atingir este “estado óptimo” é ainda uma miragem para a esmagadora das organizações, mas não é de todo o impossível. A IBM é um excelente exemplo de como a RS ou a cidadania corporativa, como lhe prefere chamar, pode ser “respirada” naturalmente pelos 350 mil empregados que possui em todo o mundo.

Sendo uma empresa global cuja origem remonta a finais do século XIX (embora só em 1924 é que tenha sido “baptizada” como International Business Machines Corporation), a IBM goza não só de um enorme prestígio e retorno a condizer, como também de uma longa história de RS que, ao longo dos últimos 100 anos, tem vindo naturalmente a progredir. Daí Conceição Zagalo, responsável pela área em Portugal, afirmar que “hoje em dia, mais do que se ser socialmente responsável – embarcando na linha dos conceitos – importa ser-se um cidadão corporativo, que não se preocupa só consigo, mas com o bem-estar da sociedade no seu todo e das empresas que a integram”. E é esta noção de cidadania corporativa, globalmente partilhada por todos os empregados da gigantesca organização, que lhe permite gozar do estatuto de uma das empresas mais socialmente responsáveis do mundo, possuir centenas de programas, nas mais diversas áreas, espalhados pelos diferentes continentes onde actua, não se esquecendo nunca de uma das suas mais importantes características: envolver todos os stakeholders, internos e externos, no desenhar e implementar dos seus múltiplos projectos.

Foi este o motivo por que escolhemos Conceição Zagalo, directora de Comunicações e Programas Externos da IBM Portugal e há 34 anos na empresa, para nos dar a sua visão enquanto cidadã e enquanto “profissional socialmente responsável” e para nos falar sobre como é possível realizar uma estratégia integrada de cidadania corporativa.

Partindo da noção universalmente aceite de que as estruturas são cada vez mais assentes em pessoas e nas suas motivações com vista a, consequentemente, poderem levar por diante projectos que devem estar alinhados com as estratégias, a Responsabilidade Social (RS) é um conceito e uma prática que já não podem ser ignorados. Como afirma Conceição Zagalo, “cidadãos e empresas estão verdadeiramente conscientes de que têm que fazer algo nesse domínio, sob pena de perderem o barco da competitividade”. Para os que advogam que a RS não passa de um “modismo”, o que até certo ponto pode ser considerado uma verdade, também é verdade que “muitas vezes do modismo nascem as tendências e que, de uma forma ou outra, a partilha de opiniões, a presença em seminários, o simples facto de querer ser visto ou reconhecido, de ter boas práticas que possam ser partilhadas” ajuda à percepção e ao cimentar de uma consciência socialmente responsável.

Para Conceição Zagalo, o que mais importa nas organizações é a noção de cidadania corporativa – que passa obviamente por boas práticas de RS – mas com uma visão muito mais abrangente do ponto de vista empresarial. Se pensarmos na dimensão interna da RS que, num nível muito resumido pode ser rotulado como condições de boa empregabilidade, o almejado equilíbrio entre vida pessoal, familiar e profissional pode ser alcançado, o que é benéfico para todas as partes interessadas: um profissional satisfeito traduz-se em maiores índices de produtividade para a empresa.

Sobre a concepção de programas, práticas e políticas de cidadania corporativa
“Desenhamos os programas com base nas opiniões recolhidas quer interna quer externamente, e depois aplicamo-los em função das especificidades de cada país”
Pertencer a uma empresa global é, obviamente, uma enorme mais-valia para qualquer país na qual tenha representação. Conceição Zagalo está consciente dessa vantagem acrescida, mas também é da opinião que não é preciso ter muito dinheiro ou uma grande estrutura para colocar a empresa ao serviço dos cidadãos. Contudo, a forma como se pratica a RS na IBM obedece a certos critérios próprios da empresa que, amplamente suportados pelo seu core business – a tecnologia – permite uma enorme “democratização” no que respeita aos valores e às políticas que preconiza. “Temos uma enorme preocupação de pôr em prática, no dia-a-dia, políticas que sejam aplicáveis a todos os cidadãos em todo o mundo, de acordo com a sua cultura, nível de exigência, perspectiva e expectativas que, obviamente diferem de acordo com a sua localização geográfica”, afirma. Ou seja, embora a IBM possua o mesmo tipo de programas e práticas em todo o mundo, tem a plena consciência de que é necessário adequá-los à realidade de cada país onde opera.

“Cidadãos e empresas estão verdadeiramente conscientes de que têm que fazer algo no domínio da RS, sob pena de perderem o barco da competitividade” .
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E como são desenhadas as práticas e os programas da IBM? Tal como são, por exemplo, os seus valores: por sondagens de opinião aos stakeholders. O exemplo dos valores adoptados pela empresa espelha bem esta noção, que se expande por toda a organização. A IBM possui uma iniciativa denominada “IBM Jams” que, de uma forma geral, consiste num fórum global para identificar novas oportunidades, partilhado por colaboradores, clientes e parceiros. Por exemplo, em 2001, o “ValuesJam” reuniu, virtualmente e durante 72 horas, colaboradores de todo o mundo, com acesso a uma gigantesca base de dados mundial, na qual qualquer colaborador, da China, de Portugal ou de qualquer outro país, nomeava e discutia quais os valores que a empresa deveria adoptar. Com uma análise realizada por uma equipa de cientistas independente, chegou-se, através do maior número de votos, a três valores perfeitamente objectivados: “a inovação (fazer a diferença para nós e para o mundo), a confiança (em todos os relacionamentos) e a dedicação (ao nosso sucesso e ao sucesso das entidades com quem nos relacionamos)”, enumera Conceição Zagalo, acrescentando que, “se tivermos estes valores subjacentes ao que fazemos no dia-a-dia enquanto cidadãos e profissionais, tudo o resto vem por arrasto”. E é por os aplicarem ao mais alto nível que o CEO, Samuel J. Palmisano, não se “importa” de investir cerca de 100 mil milhões dólares para que estes sejam continuamente postos em prática.

O mesmo acontece com as práticas e programas de cidadania corporativa. “Todas as políticas, programas e práticas da IBM são desenhados através da sondagem de opinião de cidadãos de todo o mundo para que estes os possam servir”, sublinha. Independentemente do seu conteúdo ou propósito – sejam de índole interna, de benefícios, de condições de trabalho, de integração na comunidade, entre outros – devem representar um perfil médio que seja desenhado em função dos elementos comuns a todas as culturas, idades, a todas as condições de género, de opções sexuais, de raças, de características físicas (deficiência, por exemplo). “Portanto, desenhamos os programas com base nas opiniões recolhidas quer interna quer externamente, e depois aplicamo-los em função das especificidades de cada país”, continua. Ou seja, embora a génese seja a mesma, a sua aplicação prática no terreno depende muito das idiossincrasias de cada país.

“Acima de tudo tentamos levar à prática, as nossas politicas interna e externamente, preocupando-nos em enquadrá-las num perfil o mais lato possível para que sirva populações internas o mais diversificadas possível. As questões de diversidade e inclusão são um dos pontos fortes da IBM. “Esteja-se a falar de cultura, de educação, de ambiente, de integração no mercado de trabalho, de inclusão digital ou social, em suma, de áreas que espelham o perfil dos 350 mil empregados em todo o mundo, porque tudo isto é muito feito na óptica de que as práticas começam cá dentro”, assegura. “Nós somos um bocadinho do tecido social mundial e quando nos movemos lá fora gostamos de sentir que nos movemos numa comunidade que está integrada num conjunto empresarial que se preocupa com o bem-estar dos seus trabalhadores, que são os cidadãos que integram as comunidades envolventes”, sumariza a Directora de Programas Externos da IBM.

Em suma, para os IBMers, todo este processo é um ciclo virtuoso que é alimentado de dentro para fora, tendo a preocupação de colher opiniões de fora para dentro, envolvendo todos os stakeholders que são parte importante na opinião que constrói as políticas que, depois e automaticamente, entram na prática alimentando o tal ciclo virtuoso.

Sobre como gerir, implementar e colocar no terreno programas de RS
“A cidadania corporativa não pode ser ensinada, provocada ou ter um carácter obrigatório”
À pergunta “quem dirige a RS no interior da IBM Portugal?”, Conceição Zagalo responde sem hesitar: “eu diria que são as quase 1200 pessoas que aqui trabalham”. Contudo, e insistindo-se na questão de como é possível, no dia-a-dia, garantir que os programas de cultura, de ciência, de educação e todos os outros, são levados à prática, a responsável responde uma forma mais explícita. “Esta é uma área que, pela sua génese e pela forma como tem de correr – ela não pode ser ensinada, provocada ou forçada – tem de ser feita de uma forma muito natural, tão natural como a maneira como respiramos, estimulando o espírito de ‘solidariedade’ que cada um de nós encerra”.

“Se tivermos os valores que defendemos subjacentes ao que fazemos no dia-a-dia enquanto cidadãos e profissionais, tudo o resto vem por arrasto”

Contudo e apesar de que a coordenação de todos os programas tem de “ter alguma cabeça”, embora não respondendo a um “posto de trabalho inteiramente a ela dedicado”, a área é gerida pela própria Conceição Zagalo, responsável também pela gestão da comunicação interna e externa, da comunicação executiva e dos programas complementares, a par da denominada “corporate community relations” ou cidadania corporativa. Com o apoio de mais duas pessoas, Conceição Zagalo deixa depois a prática para uma pessoa que tem a trabalhar na IBM, através de uma empresa sua subsidiária e que é complementada com o apoio de estágios curriculares que têm com universidades que, de uma forma permanente, se instalam na empresa para “aprender e ensinar”. Como sintetiza, “o motor é a IBM – a forma como desenha os programas – e o ‘fuel’ é uma estrutura que faz parte de uma equipa que integra a divisão de comunicação e que está mais dedicada à garantia da aplicação prática de alguns programas em Portugal”.

No que respeita à selecção dos projectos, esta tem de ser feita criteriosamente e em parceria. “Sem presunção, costumo dizer que de tecnologia sabemos nós, mas depois no terreno quem sabe muito mais do que nós são outras entidades”. Estas ditas entidades são informadas, de forma mais ou menos sistemática, dos programas existentes e depois candidatam-se a serem parceiros para a sua execução. Neste aspecto e no mundo colaborativo em que vivemos, parceria é a palavra-chave.

Sobre como integrar a RS no ADN da empresa, independentemente da sua dimensão
“A palavra é atitude”
Assegurando que não é necessário escamotear que o desenvolvimento de boas práticas de cidadania corporativa tem objectivos muito próprios e específicos, Conceição Zagalo afirma sem rodeios: “Eu tenho de devolver aos meus accionistas, com uma mais-valia, que é a da valorização, todos os dólares que aqui são investidos”. Ou seja, o desafio é arranjar formas, idealmente mais naturais, de ter os colaboradores motivados, para os levar a ser mais produtivos e poderem contribuir para uma rentabilidade mais sólida. Ou seja e nas palavras da responsável, “poder garantir que os meus accionistas continuem a investir nesta área e que eu continue a rentabilizar cada dólar que eles investem. É uma forma da Responsabilidade Social poder sustentar a economia”. Os interesses económicos são, desta forma, perfeitamente admitidos: “Nós temos responsabilidades face à economia, face à sua sustentabilidade e temos responsabilidades no equilíbrio dos 3 Ps – pessoas, planeta e proveitos”, acrescenta.

No que respeita às pequenas e médias empresas, Conceição Zagalo está também optimista. A seu ver, existem já excelentes boas práticas a serem desenvolvidas em muitas PMEs nacionais. Mas como sensibilizar as empresas para o facto dos benefícios adicionais de se ser socialmente responsável? “Eu diria que a melhor forma de se manterem sustentáveis e rentáveis é integrarem nas suas estratégias e nos seus planos de acção programas de RS e de cidadania corporativa que os leve a terem boas políticas e boas práticas de RH”, observa.

“Esta é uma área que, pela sua génese e pela forma como tem de correr tem de ser feita de uma forma tão natural como a maneira como respiramos, estimulando o espírito de ‘solidariedade’ que cada um de nós encerra” .
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É que quando se possui colaboradores satisfeitos, comprometidos e coniventes com os objectivos da empresa, estes sentem-se muito mais motivados e como parte integrante do puzzle que a empresa em si encerra. “Não é preciso gastar-se muito dinheiro, não é preciso ter-se uma estrutura enorme – uma empresa com apenas um indivíduo pode ser socialmente responsável – é preciso, sim, ter uma atitude de que isto não é uma moda, de que isto não é uma mania da gestão: isto é de facto um aspecto importante e relevante na sustentabilidade das empresas e na sustentabilidade da economia”, afirma.

Admitindo a vantagem de estar integrada numa empresa global, Conceição Zagalo elege também como factores de ajuda adicional o facto de “com a experiência de uns, nós podermos melhorar os processos dos outros e saber o que não queremos de todo fazer, por não ser prático no terreno e não ser benéfico para a grande maioria dos cidadãos, aqui ou em qualquer outro ponto do mundo”

E termina com um convite às empresas: “Uma pequena e média empresa tem tudo a beneficiar se quiser parar para pensar, analisar e estudar o impacto inerente ao facto do que um bom praticante neste domínio pode ter em termos da sua sustentabilidade e rentabilidade”.

Nota: A selecção de alguns dos muitos programas de cidadania corporativa da IBM Portugal está disponível neste dossier. Apenas uma particular chamada de atenção para a área da educação, a paixão assumida por Conceição Zagalo.

“A educação é a chave, a base e o axioma de todas as questões com que nos deparamos em pleno século XXI. É, para mim, a área mais agregadora e a mais capaz de fazer mudar, no bom sentido, a sociedade que nós integramos, melhorando-a”.

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