“Quem quer fazer arranja maneira, quem não quer arranja desculpas””. É com este lema que a presidente do Ano Europeu do Voluntariado, Fernanda Freitas, agarra o desafio de promover ao longo de 2011 uma cidadania efectivamente activa, contrariando a fraca tradição do país nesta matéria. Qualquer empresa pode e deve contribuir, dedicando uma fatia do seu plano de comunicação a acções de proximidade a (quase) custo zero. A programação nacional do AEV fervilha de ideias e “Portugal já foi considerado um case studie para a UE”, garante
POR GABRIELA COSTA

Quais são os grandes objectivos do Ano Europeu do Voluntariado (AEV), na actual conjuntura socioeconómica?
Uma das grandes propostas deste Ano é actualizar os números do voluntariado em Portugal. Será encomendado um estudo académico e este será um dos maiores desafios do AEV  – fazer o retrato real do sector no nosso país, incluindo ao nível do que funcionou bem, e menos bem, nos Bancos Locais de Voluntariado.

Os quatro grandes objectivos do AEV são divulgar o Ano, promover o voluntariado, dar empowerment aos voluntários e debater o conceito de cidadania activa. Para tanto, a grande dinâmica proposta pela União Europeia é a realização do European Tour of Volunteering, uma digressão que, sob a forma de feira de voluntariado com diversas acções, vai passar pelos vários países, permanecendo em cada cidade cerca de dez dias. Esta Tour já arrancou, em Bruxelas, chegando depois a Budapeste, de onde seguirá, respectivamente, para Madrid, Viena e Portugal, onde será acolhida entre 3 e 10 de Fevereiro, assinalando o lançamento oficial do AEV no nosso país, no Fórum Picoas, em Lisboa. Portugal passará depois o testemunho ao Luxemburgo e de lá a Tour seguirá para outro e outro país, até percorrer todos os 27 Estados-membros.

A opção nacional por fazer coincidir esta iniciativa com a inauguração oficial do AEV prende-se com questões económicas já que, deste modo, não teremos quaisquer custos com festas de lançamento. Ou seja, já estamos a poupar no arranque! Um valor à beira do zero é aquilo que queremos gastar com este Ano. Todo o dinheiro que vier da UE é bem-vindo, mas o objectivo é que o orçamento português saia o menos beliscado possível. Vou querer devolver o orçamento que for dado a Portugal quase intacto, até porque acredito que se podem fazer muitas acções envolvendo apenas boas vontades. Nesse aspecto, defendo que as empresas têm uma grande responsabilidade.

Portugal nomeou uma Comissão Nacional de Acompanhamento com 51 entidades da sociedade civil, incluindo todos os ministérios, misericórdias, corporações de bombeiros, empresas e Fundações. Para além do Conselho Nacional de Promoção do Voluntariado (CNPV), que coordena o Ano a nível financeiro e logístico, optámos por criar esta Comissão, a qual presido por uma escolha óbvia, a nível de dinâmica de promoção: a minha experiência na área, nomeadamente com o programa televisivo Sociedade Civil, permite-me estar vocacionada para as várias áreas do voluntariado (como a inovação social) e não apenas o social.

De resto, estamos todos a trabalhar arduamente, cientes de que não existe realmente uma tradição de voluntariado por cá. Muitos portugueses ainda pensam que já cumprem o seu dever ao contribuir com os impostos sobre os seus rendimentos, e estão no seu direito. Julgo que a grande falha se dá na educação dos mais novos, ao nível de um trabalho de pré-formatação para uma cidadania activa, que ultrapassa a questão legal do voluntariado só poder ser iniciado aos 16 anos. O ministério da Educação é nosso parceiro e o grande desafio será colocar os jovens a participar em acções de cidadania, através das escolas.

Para além da European Tour of Volunteering, que outras acções estão previstas no nosso país?
Estamos a preparar um documentário sob o mote “Tell extraordinary stories from ordinary people”, a partir de testemunhos de pessoas comuns. Trata-se de um conjunto de 25 a trinta histórias que qualquer pessoa poderá divulgar, fazendo o download dos conteúdos no site oficial do AEV em Portugal (www.aev2011.eu), o qual estará disponível para consulta ainda este mês. Estas histórias serão também transmitidas semanalmente no Sociedade Civil.

Além disso, a Comissão Europeia pediu a cada país que apresentasse projectos-bandeira e Portugal respondeu com várias propostas, das quais estão em fase de aprovação um Volunteerbook que, a exemplo do Facebook, constitua uma rede social exclusiva para voluntários, para ser disseminada por toda a Europa; um Info-bus que dê continuidade à Tour de Voluntariado no período do Verão, percorrendo as praias da costa portuguesa; e um projecto de voluntariado em ambiente prisional. Estão ainda previstas iniciativas como a inclusão, no CV europeu, de um item referente a experiências de voluntariado; a recuperação, em remix, do hino original do AEV (que comemora dez anos de existência em 2011), para o qual já obtivemos autorização do Paulo de Carvalho; a divulgação de frases alusivas ao voluntariado nos pacotes de açúcar da Delta; e a criação de uma Lotaria do Voluntariado. Teremos também vários eventos ao longo do Ano, com destaque para um grande seminário em Maio, a realizar na Gulbenkian.

A nível de divulgação, Portugal já é um case study na UE, porque somos o país que tem mais acções previstas. No lançamento oficial do AEV, em Dezembro, Bruxelas ficou muito surpreendida com as nossas propostas, porque apresentámos um dossier de promoção três vezes maior do que os da maioria dos outros países. O nosso objectivo é produzir o máximo de conteúdos sobre o tema, incluindo testemunhos, que estarão disponíveis no site oficial gratuitamente, e que podem ser divulgados pelas televisões, WebTVs, órgão online, etc. O AEV é um Ano apetitoso de trabalhar e estamos a conseguir o envolvimento de todos: organizações da sociedade civil, bancos, empresas, comunicação social.

Face aos grandes objectivos do AEV, qual será o papel das empresas na promoção do voluntariado, ao longo deste Ano?
No âmbito da cidadania empresarial, este é o ano perfeito para que as empresas que ainda não têm activa uma dinâmica de solidariedade e de trabalho em prol da comunidade, o façam. E não é preciso investir muito dinheiro: quer se trate de uma grande, média ou micro empresa, todas podem pelo menos dedicar um dia por mês, ou até por ano, ao voluntariado, à medida da sua escala. É claro que se falarmos de uma Sonae, do Montepio ou de uma CGD, esse contributo é mais alargado. A questão é que qualquer empresa, mesmo familiar, pode contribuir. Basta querer. O meu grande lema para este Ano é: “quem quer fazer arranja maneira, quem não quer arranja desculpas”.

As empresas tendem a colocar logo a questão financeira, mas na nossa abordagem queremos sobretudo que no plano de comunicação das empresas haja uma fatia dedicada ao voluntariado, convertida em acções para o exterior mas, principalmente, para acções com os seus colaboradores. Tudo isto numa política de proximidade. Acho genial alguém ir fazer voluntariado para a Guiné ou para Timor, mas pergunto: e antes de atravessares o mundo, não quererás primeiro atravessar a rua? Às vezes ao nosso lado está uma instituição que precisa muito da nossa ajuda. E para lá do voluntariado social – que é fundamental -, o especializado, que recorre às competências de cada um, faz cada vez mais sentido.

Neste âmbito, as empresas não têm necessariamente de achar que só podem contribuir com dinheiro: podem também fazê-lo com tempo e com iniciativas voluntárias. O seu papel será fundamental ao longo deste Ano. O GRACE – Grupo de Reflexão e de Apoio à Cidadania Empresarial, por exemplo, é parceiro do AEV e, reunindo empresários que estão muito ligados á cidadania, contribuirá por certo para trabalharmos efectivamente no terreno. Apelo, pois, a todas as organizações para que nos contactem, pois podem até beneficiar de formação gratuita no CNPV.

Face às medidas previstas na Declaração de Bruxelas, que servirá de guia ao AEV e faz a ponte entre este e o Ano Europeu do Combate à Pobreza (2010), que contributo pode dar o voluntariado para aumentar a empregabilidade?
Em termos económicos, os números (bem simpáticos) que nos fornece a CE são estes: por cada euro investido numa acção voluntária, há um retorno de cinco a oito euros. O que eu sinto é que a empregabilidade pode não aumentar imediatamente, mas aspectos tão simples como o bem-estar e os níveis de felicidade das pessoas podem melhorar, ao manterem-se integradas no real world. Hoje fala-se muito em índices de felicidade e, nesse contexto, a pior situação para um desempregado é não conseguir manter-se activo. A ocupação através do voluntariado é uma dinâmica viral, que gera uma contaminação positiva.

Entrevista publicada originalmente no suplemento Mais Responsável do jornal OJE de 11 de Janeiro de 2011.