“Esperamos obter uma vitória que conduza a mudanças efectivas que garantam um futuro melhor para as gerações futuras”, aquelas que têm maior “legitimidade para exigir acções concretas”, já que irão sofrer as consequências das alterações climáticas “de forma muito mais acentuada”. É com esta determinação que Rita Mota, investigadora jurídica na Global Legal Action Network, dá a voz pelo grupo de sete jovens portugueses que vai processar alguns dos países membros da Convenção Europeia dos Direitos do Homem mais poluentes do mundo, através de uma acção judicial a interpor junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a cujas decisões estes países estão vinculados
POR GABRIELA COSTA

André, Cláudia, Leonor, Mariana, Martim, Simão, Sofia. Sete jovens portugueses entre os cinco e os dezoito anos de idade, que têm um plano ambicioso: enfrentar os países mais poluentes, de entre os 47 que ratificaram a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), com uma acção judicial inédita. “Children -v- Governments of Europe & Climate Change” é uma iniciativa que nasce, de forma “orgânica”, das cinzas dos incêndios que recentemente devastaram o nosso país, e que visa intentar uma acção junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra alguns dos maiores emissores de gases com efeito de estufa (GEE), coagindo-os a fortalecerem significativamente as suas políticas de redução de emissões e a comprometerem-se a preservar as suas reservas de combustíveis fósseis.

Depois de testemunharem “a morte e destruição causadas pelas alterações climáticas”, através dos fogos que, em Junho e Outubro, foram destaque na imprensa nacional e internacional, estas crianças e jovens (cinco do distrito de Leiria, uma das regiões mais afectadas), as suas famílias e uma equipa da Global Legal Action Network (GLAN) – ONG que promove os direitos humanos através de acções judiciais inovadoras -, assessorada por juristas da Garden Court Chambers – associação de juristas do Reino Unido especializada em assuntos relacionados com a CEDH, como o direito do ambiente e as alterações climáticas -, e por peritos em ciência e política ambiental, resolveram interpor uma acção judicial, não contra um país, mas contra vários: todos aqueles que, tendo aderido à Convenção Europeia, lideram o ranking dos maiores poluidores mas, não obstante, “simplesmente não estão a fazer o suficiente” para evitar os perigosos efeitos da crise climática. De sublinhar que os maiores emissores de GEE de entre os 47 países que ratificaram a CEDH são colectivamente responsáveis por cerca de 15% das emissões globais.

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A decisão resulta no primeiro caso legal pan-europeu sobre alterações climáticas, e sucede ao processo interposto por 21 crianças à Administração Trump, depois de o presidente dos EUA ter anunciado que não iria cumprir o Acordo de Paris, entres várias outras acções intentadas por jovens, neste domínio. Para levá-lo a bom porto, os seus responsáveis criaram uma campanha de crowdfunding que, em poucas semanas, reuniu quase 27 mil libras em donativos de mais de 700 pessoas do mundo inteiro, e que se mantém disponível. Até porque a equipa precisa de um total de 350 mil libras (cerca de 385 mil euros), para cobrir todos os custos do processo, o qual implica que os juristas envolvidos contestem os argumentos de múltiplos países réus.

A um vídeo onde os sete jovens dão o seu testemunho sobre o que mais os preocupa relativamente às alterações climáticas juntar-se-á, em breve, uma campanha de sensibilização da opinião pública, com vista a incrementar o impacto desta acção judicial.

O VER entrevistou Rita Mota, investigadora jurídica na GLAN, para quem existe “muita gente consciente do facto de os incêndios que devastaram o nosso país terem sido mais graves por causa das condições meteorológicas extremas”. E, entre essa muita gente, “é impressionante como as crianças já têm uma consciência tão aguda das consequências das alterações climáticas”.

Sublinhando que o objectivo deste processo contra os países poluentes não é pedir qualquer “compensação monetária”, a portuguesa residente em Londres apela à mobilização da opinião pública, não só para que se atinja a meta das cem mil libras em crowdfunding, mas também para que se alcance uma “vitória inédita”, já que “historicamente, a tomada de decisões judiciais inovadoras coincide frequentemente com o activismo”.

Como surgiu a ideia de reunir um grupo de crianças para interpor uma acção junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra os maiores emissores de GEE, na sequência dos incêndios que recentemente devastaram Portugal?

Quando eu me juntei ao projecto, a GLAN já estava a fazer investigação jurídica no âmbito das alterações climáticas há algum tempo. No Verão, em conversas com amigos e família, os incêndios de Pedrógão Grande eram assunto recorrente, e apercebi-me rapidamente que havia muita gente consciente do facto de os incêndios que devastaram o nosso país terem sido mais graves por causa das condições meteorológicas extremas, causadas pelas alterações climáticas. Apercebi-me também da vontade enorme que algumas pessoas tinham de fazer algo em relação a isso. A origem desta acção acabou por ser muito natural e orgânica – foi só juntar os pontos e pôr as pessoas em contacto.

[quote_center]Ficar calado e dizer que está mal não chega. Temos que agir para um futuro melhor – André, 9 anos[/quote_center]

De que modo sensibilizaram estas crianças e jovens para os efeitos negativos das alterações climáticas e para a ideia de que “estamos a ficar sem tempo” para resolver este problema global? Que consciência manifestaram ter sobre as consequências dos incêndios, em particular, e da crise climática, em geral, para o planeta e para o futuro da humanidade, que estará nas mãos da sua geração?

Neste momento, temos sete crianças (dos 5 aos 18 anos) envolvidas na acção. Na verdade, não tivemos de fazer sensibilização nenhuma – estas três famílias já tinham consciência plena dos efeitos negativos das alterações climáticas e da urgência com que temos de agir, daí a origem orgânica da acção. Aliás, é impressionante como crianças tão jovens já têm uma consciência tão aguda das consequências das alterações climáticas!

A preocupação deles não se reduz de forma alguma aos incêndios: eles falam constantemente de outros aspectos, como a subida dos níveis das águas do mar, a perda de biodiversidade, secas e vagas de calor. Realizámos um vídeo que expressa bem algumas das suas reacções.

Quais são os objectivos estruturais desta acção que visa coagir os maiores países poluentes, entre os 47 que aderiram à CEDH, a fortalecer as suas políticas de redução de emissões e a manter as suas reservas de combustíveis fósseis?

Ainda estamos numa fase muito preliminar da acção. O número preciso de países contra quem será intentada ainda não está definido – vai depender em larga medida das provas que conseguirmos recolher. Mas já sabemos que iremos processar pelo menos os maiores poluidores dentro dos 47.

[quote_center]Eu acho que os adultos deviam ter mais cuidado e não deitar fumo no ar – Mariana, 5 anos[/quote_center]

Vamos pedir ao Tribunal duas coisas: primeiro, que estes países sejam coagidos a fortalecer significativamente as suas políticas de diminuição de emissões (de acordo com as recomendações da nossa equipa de cientistas) e, segundo, que se comprometam a manter a maior parte das suas reservas de combustíveis fósseis no local a que pertencem – debaixo da terra. Quero ainda deixar claro que não vamos pedir compensação monetária nenhuma. Infelizmente, não temos como intentar uma acção deste género contra todos os países do mundo, por isso vamos começar pelo nosso canto do planeta…

No que diz respeito, especificamente, aos fogos ocorridos em Portugal, o que se pretende com este processo legal?

Esta acção não tem nada a ver com a responsabilização dos “culpados” pelos fogos. Pretendemos compelir os governos a realizarem acções mais eficazes contra as alterações climáticas e uma vitória teria impactos a diversos níveis, não apenas no que diz respeito aos incêndios… Infelizmente, o problema dos fogos florestais, apesar de claramente agravado pelas alterações climáticas, envolve diversos outros factores (como a organização e gestão das nossas florestas, mão criminosa, etc.). A nossa acção não pretende intervir em nenhum desses outros factores.

Como esperam alcançar a ambiciosa meta de garantir que os países membros da CEDH irão cumprir os seus compromissos com o Clima, acelerando as suas políticas para evitar o aumento das alterações climáticas?

Os países membros da CEDH estão vinculados às decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Uma vitória seria extraordinária e inédita!

Qual é o papel da GLAN, da equipa de juristas da Garden Court Chambers e dos peritos em ciência e política ambiental que reuniram, para alcançarem uma decisão judicial inédita? Paralelamente, até que ponto contribui a mobilização da sociedade civil (organizações e cidadãos), através de acções de activismo ambiental, para vencerem esta causa?

A GLAN, para quem trabalho, é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos (aliás, somos todos voluntários), que pretende promover os direitos humanos através de acções judiciais inovadoras. Esta acção é uma de entre várias em que estamos a trabalhar – e, talvez, a mais ambiciosa. A Garden Court Chambers está a ajudar-nos com toda a fundamentação jurídica do caso, enquanto os peritos em ciência e política ambiental estão a contribuir para a recolha de provas relativamente ao nível de eficácia das políticas ambientais em vigor nos países em causa, e à dimensão das reduções necessárias para minorar os perigos associados às alterações climáticas.

[quote_center]O aumento da temperatura tem ajudado na quantidade de incêndios que têm ocorrido no nosso país – Cláudia, 18 anos[/quote_center]

A mobilização da sociedade civil é fundamental – os tribunais são sensíveis à actividade e pensamento das comunidades locais, e é por isso que, historicamente, a tomada de decisões judiciais inovadoras coincidiu frequentemente com o activismo local (basta pensar no movimento americano dos direitos civis, por exemplo). A GLAN vai trabalhar em parceria com organizações da sociedade civil, que estão na vanguarda da luta contra as alterações climáticas, de modo a ajudar a mobilizar o máximo apoio popular possível.

A nível do financiamento necessário para esta acção judicial, quantos donativos já angariaram, e que valor necessitam ainda angariar em crowdfunding?

No total, vamos precisar de 350 mil libras (cerca de 385 mil euros) para podermos cobrir os custos de preparação da nossa acção e também da campanha de sensibilização da opinião pública. Pretendemos obter este valor através de crowdfunding e de financiamento institucional, a que nos estamos já a candidatar. Até à data, já recebemos £26.703 em donativos de mais de 700 pessoas do mundo inteiro! O nosso objectivo é chegar às 100 mil libras através do crowdfunding.

[quote_center]No meu distrito houve muitos incêndios e morreram muitas pessoas – Leonor, 8 anos[/quote_center]

Que repercussões esperam vir a alcançar com este que é o primeiro caso legal pan-europeu sobre alterações climáticas, e que sucede a outras acções intentadas por crianças, neste domínio? Que impacto gera o facto de esta iniciativa ser lançada pela voz de crianças e jovens, e não de adultos?

Esperamos obter uma vitória que conduza a mudanças efectivas que garantam um futuro melhor para as nossas crianças e para as gerações futuras. As crianças vão sofrer as consequências das alterações climáticas de forma muito mais acentuada do que os adultos, pelo que têm ainda mais legitimidade para exigir acções concretas.

[quote_center]Adoro o mundo em que vivemos, desde as cidades à natureza. Mas acho que podíamos fazer melhor – Sofia, 12 anos[/quote_center]

Quanto às acções que estão a ser intentadas pelo mundo fora, no âmbito das alterações climáticas, o nosso maior desejo é que obtenham vitórias e que o movimento se torne global. Por mais valiosas que sejam decisões deste género ao nível de um país ou de uma região, o problema das alterações climáticas é global e requer acção global. Por isso, estamos atentos ao que se está a passar com essas outras acções, estamos em contacto com as pessoas envolvidas e queremos que a consciência do problema atravesse fronteiras, para que a mudança possa acontecer globalmente.