Robots avançados, meios de transporte autónomos, inteligência artificial, biotecnologia e genómica: todos estes progressos que nos habituámos a ver em filmes de ficção estão em franco aceleramento e serão comuns até 2020. Até lá, e de acordo com o relatório The Future of Jobs, o seu impacto no mundo laboral será caracterizado pelo desaparecimento de milhões de postos de trabalho e pela emergência de outros. Mas se alguma certeza existe é a de que a futura força de trabalho terá de se reinventar, em particular no que respeita ao conjunto de competências hoje existentes, na medida em que muitas delas se tornarão obsoletas
POR
HELENA OLIVEIRA

De acordo com várias estimativas, 65% das crianças que estão, no presente, a iniciar a sua vida escolar, acabarão por inaugurar a sua vida laboral em tipos de trabalho inteiramente novos e que ainda não existem hoje. Mas, mais cedo do que isso, e já em 2020, mais de um terço das competências que hoje consideramos importantes, tornar-se-ão obsoletas

Esta são duas das previsões que constam no relatório The Future of Jobs, publicado pelo Fórum Económico Mundial, debatido em Davos e que servirá de bitola para um estudo em contínuo sobre as disrupções que os progressos na tecnologia, na Inteligência Artificial, na nano e biotecnologia, na genética e noutras tendências em constante aceleração irão produzir, a breve e médio prazo, nos padrões de consumo, nos modos de produção e no emprego. Em conjunto com a revolução tecnológica, existem vários factores que impulsionarão alterações drásticas em termos socioeconómicos, geopolíticos e demográficos, cada uma delas em estreita interacção entre si, mas com caminhos que poderão conduzir a múltiplas direcções e a resultados difíceis ainda de prever. E, em particular no mundo do trabalho, será obrigatório que empresas, governos e indivíduos comecem já a pensar em medidas proactivas de adaptação, na medida em que pouco do que damos hoje por adquirido será “verdade” em 2020.

O relatório em causa cobriu 15 grandes regiões económicas, espalhadas pelos cinco continentes, e auscultou responsáveis de recursos humanos e responsáveis de estratégia seniores das 100 maiores empresas pertencentes a nove grandes indústrias, representando, no total, cerca de 13 milhões de trabalhadores. O enfoque principal deste estudo de grandes dimensões foi o de aferir quais os principais impactos da 4ª Revolução Industrial, que deu o mote à reunião anual do Fórum Económico Mundial deste ano, no que respeita ao emprego, às competências e ao recrutamento dos trabalhadores.

[pull_quote_left]Muitos postos de trabalho serão ameaçados pela redundância – na medida em que muitas tarefas são já feitas de forma automatizada, tendência que, com a emergência da era dos robots, cada vez mais sofisticados e inteligentes, testemunhará avanços sem precedentes – outros tantos tipos atravessarão alterações drásticas no que respeita às competências necessárias para os levar a cabo[/pull_quote_left]

Enquanto muitos postos de trabalho são – e serão cada vez mais – ameaçados pela redundância – na medida em que muitas tarefas são já feitas de forma automatizada, tendência que, com a emergência da era dos robots, cada vez mais sofisticados e inteligentes, testemunhará avanços sem precedentes – outros tantos tipos atravessarão alterações drásticas no que respeita às competências necessárias para os levar a cabo. Se não é possível prever todas as mudanças e consequentes resultados que dela advirão, é possível já antever que essas mesmas mudanças terão algumas especificidades próprias de acordo com a indústria, região e a ocupação em causa, em conjunto com os níveis de capacidade de gestão que numerosos stakeholders terão de ter para responder a desafios inteiramente novos.

O debate sobre estas transformações continua, contudo, extremado, com um conjunto de optimistas a anteverem novas e ilimitadas oportunidades neste futuro tão próximo, enquanto outros alertam para uma deslocalização massiva de várias categorias ocupacionais e postos de trabalho, que poderão significar o fim de várias indústrias e/ou profissões, e provocar ondas de desemprego jamais vistas na história da humanidade.

Em particular para as empresas, a tendência que já é reconhecida como um enorme desafio – as dificuldades de recrutamento face à escassez de talento – só tenderá a piorar nos próximos cinco anos. Apesar de algumas reformas em termos de educação estarem já a ser levadas a cabo, não é possível deixar que a actual revolução tecnológica espere pela entrada da próxima geração na força de trabalho. Ao invés, é absolutamente imprescindível que as empresas apoiem os seus trabalhadores através de uma forte requalificação –possível em várias indústrias mas não em todas – , que os próprios indivíduos apostem na “aprendizagem ao longo da vida” e que os governos estejam dispostos a investir, de forma rápida e criativa, nestes esforços.

Em particular, a colaboração entre empresas pertencentes à mesma indústria deverão criar pools cada vez mais alargadas de talento, que serão indispensáveis, em conjunto com a aposta em competências multissectoriais que poderão alavancar os modelos colaborativos que sustentam muitas das alterações provocadas pela tecnologia já na era presente. Assim, é crucial que se antecipem estratégias e planeamento para que esta transição – que já teve o seu início e alcançará um expoente elevado dentro de quatro anos – seja o mais produtiva possível.

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Até 2020 serão perdidos 7,1 milhões de empregos e “recuperados” dois milhões

De acordo com os dados recolhidos para o relatório elaborado pelo FEM, estima-se que as alterações que estão já em curso no mercado de trabalho conduzam a um impacto líquido no emprego de mais de 5.1 milhões de postos de trabalho perdidos graças às alterações disruptivas do mesmo ao longo do período 2015-2020 – que totalizarão uma perda total de 7,1 milhões de empregos – com dois terços dos quais concentrados em profissões administrativas – mas com uma recuperação possível de 2 milhões de empregos, que serão “deslocados” para outras categorias profissionais, sobretudo em áreas relacionadas com Informática, a Matemática, a Arquitectura e a Engenharia. Espera-se igualmente que os sectores da manufactura e da produção sejam particularmente afectados, apesar de os dados indicarem que as profissões associadas aos mesmos tenham um bom potencial de requalificação, com uma melhoria da recolocação e aumento da produtividade graças às tecnologias, em vez de uma pura substituição por parte destas.

Assim, todas estas disrupções por via da tecnologia, em conjunto com os níveis elevados de desemprego global e da lenta criação de novos postos de trabalho ao longo do período 2015-2019, não deixam qualquer espaço para complacências.

[pull_quote_left]É imprescindível que as empresas apoiem os seus trabalhadores através de uma forte requalificação –possível em várias indústrias, mas não em todas – , que os próprios indivíduos apostem na “aprendizagem ao longo da vida” e que os governos estejam dispostos a investir, de forma rápida e criativa, nestes esforços[/pull_quote_left]

A pesquisa realizada pelo FEM para este relatório, cujo universo integrou 15 economias responsáveis por 1,86 mil milhões de trabalhadores, questionou explicitamente os respondentes sobre novas e emergentes categorias profissionais que se tornarão crescentemente importantes até 2020.

E dada a frequência e consistência comum em praticamente todas as indústrias e geografias analisadas, foram duas as que mais se evidenciaram. A primeira está relacionada com os analistas de dados, os quais serão imprescindíveis para a esmagadora maioria das empresas, na medida em que as ajudarão e conferir significado e conhecimento adicionais e relevantes para as torrentes de dados gerados pelas disrupções tecnológicas; nas profissões relacionadas com a Informática e a Matemática e para além dos analistas de dados, os programadores e desenvolvedores de aplicações acusarão também uma enorme procura e não só na Indústria das TIC, mas também nos Serviços Financeiros e de Investimento, nos Media e no Entretenimento, entre outras, na medida em que a capacidade de processamento dos computadores e a analytics relacionada com os Big Data constituem o mais significativo estímulo para o crescimento do emprego nestas áreas.

A segunda está relacionada com representantes de vendas especializados, na medida em que a generalidade das indústrias terá de ter competências adicionais para a comercialização e explicação das suas ofertas às empresas, aos governos e aos consumidores, seja devido à natureza técnica e inovadora dos próprios produtos e serviços ou por via de novos público-alvo com os quais as empresas não se sentirão familiarizadas, ou ambos. A ascensão das classes médias nas economias emergentes, em conjunto com os valores em mutação dos próprios consumidores e sem esquecer o crescente poder económico das mulheres serão factores importantes para estas novas necessidades.

[pull_quote_left]Estima-se que as alterações que estão já em curso no mercado de trabalho conduzam a um impacto líquido no emprego de mais de 5.1 milhões de postos de trabalho perdidos graças às alterações disruptivas do mesmo ao longo do período 2015-2020[/pull_quote_left]

Como seria de esperar, e no seguimento das tendências demográficas, em particular relacionadas com a longevidade e com enormes segmentos populacionais envelhecidos, o sector da Saúde deverá, também, sofrer alterações fundamentais. Mas e apesar de muitos observadores da indústria esperarem um aumento substancial no número de postos de trabalho no sector dos cuidados de saúde, os respondentes do inquérito feito pelo FEM apostam numa estabilidade para o mesmo ao longo dos próximos cinco anos – em conjunto com um impacto negativo líquido no número de postos de trabalho derivado das disrupções causadas pela internet móvel e pela tecnologia da nuvem, as quais irão estimular o crescimento das aplicações relacionadas com a telemedicina e, por isso mesmo, fazer desaparecer algumas ocupações relacionadas com o sector.

Uma outra necessidade particularmente referida em indústrias tão diversificadas como a Energia, os Media, o Entretenimento ou a Informação está relacionada com um novo tipo de gestor sénior que consiga, de forma bem-sucedida, conduzir as empresas através da iminente onda de mudança e disrupção, “traduzindo” as principais alterações que a mesma exigirá.

De um modo mais geral, em quase todas as indústrias analisadas, o impacto da tecnologia e de outras alterações concomitantes está já a encurtar o “prazo de validade” das competências de grande parte dos trabalhadores. E, como já anteriormente mencionado, as disrupções tecnológicas provocadas pela robótica e pelas “máquinas que aprendem” – em vez de substituírem por completo ocupações já existentes e categorias profissionais específicas – irão, muito provavelmente e pelo menos nestes quatro anos que se seguem, substituir antes tarefas específicas previamente integradas como parte destas profissões, libertando os trabalhadores para se concentrarem em novas tarefas e dando origem a uma alteração bastante rápida nos conjuntos de competências outrora especificas destas mesmas ocupações.

De acordo com o relatório, mesmo nos trabalhos que são menos directamente afectados pelas alterações tecnológicas e que, para já, são encarados como previsivelmente estáveis – de que são exemplo os profissionais de marketing ou das cadeias de fornecimento que têm novos segmentos demográficos de clientes em mercados emergentes – irão exigir competências muito diferentes comparativamente há um par de anos, na medida em que os ecossistemas nos quais operam estão também a sofrer alterações. Em média, e até 2020, mais de um terço das competências consideradas hoje cruciais para muitas profissões, ficarão obsoletas e serão substituídas por outras

Uma outra tendência bem explícita no relatório prende-se com a crescente importância das competências sociais – como a persuasão, a inteligência e emocional e capacidade de ensinar os outros – em indústrias que, actualmente, funcionam bem apenas com competências técnicas, todas elas mais relacionadas com a programação ou com a operacionalização e controlo de equipamentos. Mas e na sua essência, estima-se que as competências técnicas terão de ser, indubitavelmente, reforçadas com competências sociais e de colaboração.

[pull_quote_left]À medida que os líderes de negócio começam a considerar a sua adaptação proactiva a este novo ambiente de talento, terão de gerir a disrupção de competências como uma preocupação urgente[/pull_quote_left]

E é por isso que muitas indústrias, apesar de se encontrarem numa boa posição para recrutar, têm dificuldades em encontrar profissionais especializados para um certo tipo de competências, ao mesmo tempo que lidam ainda com cenários de instabilidade de competências em muitas das suas funções. Por exemplo, as denominadas indústrias da mobilidade (em especial, as relacionadas com a automóvel, aeronáutica e a ferroviária, em conjunto com as necessidades de investigação, concepção, desenvolvimento, fabrico de produtos) esperam um aumento de emprego acompanhado por uma realidade caracterizada por cerca de 40% de competências necessárias ao seu bom funcionamento, as quais ainda não são consideradas como “core” nestas mesmas indústrias.

Por outro lado, os trabalhadores com menos qualificações, particularmente nas profissões relacionadas com a administração e secretariado, bem como com os serviços de manufactura e produção, serão os que mais provavelmente serão afectados pela redundância de funções, e com escassas possibilidades de virem a ser requalificados, na medida em que as disrupções esperadas irão minar os incentivos para que os seus empregadores invistam nesta requalificação.

Uma última mas extremamente importante tendência para a qual o relatório alerta em particular está relacionada com a desigualdade de género, a qual alegadamente irá persistir e até se acentuar ao longo dos próximos cinco anos.

Em termos absolutos, dos 5 milhões de empregos previsivelmente extintos até 2020, 4 milhões irão afectar os homens, mas cerca de 1,4 milhões poderão vir a ser recuperados por estes, o que corresponde a aproximadamente um novo emprego criado por cada três perdidos; já as mulheres irão enfrentar 3 milhões em perdas, mas apenas meio milhão em ganhos, com mais de cinco postos de trabalho perdidos por cada um recuperado. A questão da paridade de géneros foi um dos grandes temas também debatido em Davos.

Em suma e à medida que os líderes de negócio começam a considerar a sua adaptação proactiva a este novo ambiente de talento, terão de gerir a disrupção de competências como uma preocupação urgente. E, para levar esta tarefa a bom porto, é necessário que os departamentos de Recursos Humanos se tornem mais estratégicos e garantam um “lugar à mesa”, apostando em novas ferramentas analíticas para a “descoberta” de tendências e gaps de talento e aumentando os seus conhecimentos de forma a ajudar as organizações a alinhar os seus negócios com a inovação e com estratégias de gestão de talento para capitalizar as oportunidades existentes.

Adicionalmente, não só as empresas, como também os governos terão de edificar uma nova abordagem para o planeamento da força de trabalho e gestão de talento. A utilização de ferramentas de análise de dados, para uma melhor previsão dos dados e para o planeamento de métricas será imprescindível, bem como uma gestão eficaz das novas competências que serão cruciais para que as empresas não percam o barco nesta nova vaga de inovação.


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Editora Executiva

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