Investir na inclusão e na coesão social “são fundamentos para o desenvolvimento e crescimento económico”. É sob esta premissa que o GRACE dinamiza a cidadania empresarial em Portugal há precisamente 15 anos, apostando no enraizamento de conceitos como a criação de valor partilhado e o investimento social sustentável, entre as já 118 empresas suas associadas. Numa entrevista em que analisa a evolução da RS no País, Paula Guimarães defende que as organizações de economia social têm de adaptar a sua abordagem às práticas responsáveis das empresas, cada vez mais alinhadas com o negócio
POR
GABRIELA COSTA

26022015_TemosDeDiluirFronteirasEntreEconomiaSocialEmundoEmpresarialO GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial completou 15 anos de actuação na área da Responsabilidade Social Corporativa em Portugal, reunindo hoje uma rede de 118 empresas suas associadas, para a qual dinamiza inúmeras iniciativas de cidadania empresarial, na convicção de que o sector empresarial tem um papel fundamental para o desenvolvimento social do País.

Para assinalar a data da sua fundação, a Associação realizou a 25 de Fevereiro uma cerimónia de obliteração de selo dos CTT, que contou com a presença do Ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, no acto de emissão de um carimbo e de um postal alusivos ao aniversário. A cerimónia foi precedida de uma acção conjunta com a Euronext Lisbon, que marcou, com o toque simbólico do sino, o encerramento do mercado bolsista, no qual estão cotadas muitas das empresas associadas do GRACE.

Em entrevista de balanço ao VER, Paula Guimarães, presidente do GRACE e responsável pelo Gabinete de Responsabilidade Social da Associação adianta que para o triénio 2015-17, a Associação “continuará a apostar na capacitação e empoderamento das empresas em matéria de RSC, sustentabilidade e ética empresarial, através da sensibilização dos stakeholders”. Hoje, as empresas associadas do GRACE fazem um investimento “cada vez mais consciente” na Economia Social, alocando, em média, mais de 20 milhões de euros por ano para projectos nestas áreas.

Avaliando a evolução da cidadania empresarial em Portugal nesta década e meia, a também administradora das Residências Montepio destaca o envolvimento crescente do sector empresarial nas temáticas da RS, defendendo que “a maioria dos administradores e colaboradores das empresas já perceberam que a sustentabilidade é uma questão de sobrevivência, sob pena de falharmos os compromissos assumidos no presente, e com as gerações futuras”.

Paula Guimarães, presidente do GRACE em representação do Montepio
Paula Guimarães, presidente do GRACE em representação do Montepio

No balanço que faz destes 15 anos, em que medida conseguiu o GRACE tornar a acção e as estratégias de responsabilidade social e de sustentabilidade num denominador comum às empresas nacionais suas associadas, incluindo não só grandes empresas e multinacionais mas também PME?

Em 15 anos muito se fez. O GRACE desenvolveu inúmeras iniciativas e projectos na área da responsabilidade social e da sustentabilidade e apostou fortemente no enraizamento de conceitos como a importância da criação de valor partilhado, do investimento social sustentável e sua incorporação ao longo da cadeia de valor e nas políticas das nossas empresas associadas.

E é com grande alegria que constatamos que esse esforço e colaboração conjuntos deram frutos. Hoje, temos a convicção de que as 118 empresas que constituem o GRACE procuram conciliar a responsabilidade e ética sociais na sua actividade empresarial.

Neste período, o potencial da RS e da sustentabilidade para a geração de riqueza e crescimento da economia (incluindo o objectivo primeiro do lucro, nas empresas, a criação de emprego e o crescimento de negócios sociais inovadores e empreendedores) foi suficientemente reconhecido no meio empresarial, e na sociedade civil?

No meio empresarial, acreditamos que sim. A maioria dos administradores e colaboradores das empresas já se aperceberam que estes temas constituem uma necessidade e uma questão de sobrevivência, sob pena de falharmos os compromissos assumidos com o presente e com as gerações futuras. No que respeita aos demais stakeholders, entendemos que ainda existe caminho a fazer, e o GRACE está apostado em sensibilizar cada vez mais a comunidade.

Que projectos destaca, pelo impacto social que produzem, entre os muitos que o GRACE desenvolve regularmente nas áreas do voluntariado empresarial, inclusão social, educação para o desenvolvimento sustentável, empreendedorismo, etc.?

Através de uma intensa reflexão com as empresas associadas, o GRACE tem acompanhado a evolução das necessidades mais prementes. Neste contexto, destaco a última edição do G.I.R.O. e o Uni.Network, inseridos na estratégia da Europa 2020, que visam, respectivamente, o desenvolvimento do voluntariado corporativo e a aproximação das empresas às universidades; a formação “Como mobilizar as empresas para projectos sociais?”, que pretende diminuir as barreiras do relacionamento entre o sector empresarial e as organizações da economia social e que, após assinatura de protocolo com a AEP, irá ser replicado na zona Norte do país; e os “Novos Líderes para a Cidadania Empresarial”, uma iniciativa formativa dirigida aos colaboradores com potencial de liderança das empresas associadas, da qual estamos a reunir, para publicação, os conteúdos resultantes da primeira edição.

Também os projectos K’CIDADE, implementado em parceria com a Fundação Aga Khan, e ENGAGE, com o Alto Comissariado para as Migrações, continuam obviamente a merecer destaque nas áreas da inclusão social e empreendedorismo. Daremos igualmente seguimento à produção de Guias e Fichas Sectoriais sobre temas estruturantes, resultantes dos grupos de trabalho constituídos por empresas associadas e não-associadas, como fizemos no âmbito do turismo e das Pequenas e Médias Empresas.

Que iniciativas prevêem realizar no triénio 2015/17, nomeadamente no âmbito deste Ano Europeu do Desenvolvimento? Dois anos depois de assumir a Direcção do GRACE, que perspectivas tem para o futuro da organização?

Para este triénio, para além da consolidação e alargamento associativo, territorial e por sector de actividade, o GRACE continuará a apostar na capacitação e empoderamento das empresas em matéria de RSC, sustentabilidade e ética empresarial, através da sensibilização dos stakeholders.

26022015_TemosDeDiluirFronteirasEntreEconomiaSocialEmundoEmpresarial3Acompanhando as tendências internacionais, nomeadamente as da Europa 2020, um dos grandes objectivos da Associação é avaliar o impacto social das intervenções realizadas pelas empresas no contexto da RSC, tendo para tal, a convite da Everis Portugal, integrado o GRAIS (Grupo de Reflexão para a Avaliação do Impacto Social), cujas Linhas de Orientação para Financiadores e Investidores Socialmente Responsáveis se encontram em fase de consulta e análise no site do GRACE.

Quanto a outras iniciativas concretas, para além das celebrações do 15º Aniversário do GRACE, estão planeados vários encontros temáticos, um deles na Galiza, dedicado precisamente ao tema do Ano Europeu do Desenvolvimento; e a segunda edição do Laboratório de Voluntariado, desta feita dedicada à avaliação do impacto do voluntariado. Vamos igualmente repetir a conferência e encontro e boas práticas “Responsabilidade Social Empresarial de Sucesso”, no Porto, e as nossas acções, já habituais, Voluntariado em Família e G.I.R.O.

Defendeu, numa entrevista ao VER quando assumiu a nova direcção do GRACE, em 2013, que todos os projectos que desenvolvem “não seriam possíveis sem relações de parceria baseadas na continuidade”. Contudo, e dois anos passados, considera que “temos um país a duas velocidades” e que “os investidores têm de assumir” o percurso difícil que Portugal tem de fazer. A que se deve esta lacuna na dinâmica entre empresas e organizações sociais?

A economia social tem vindo gradualmente a perceber que as empresas podem ser investidores e parceiros complementares e até mesmo alternativos ao apoio público e verifica-se um crescimento igualmente expressivo no número de empresas envolvidas nas temáticas da RS e uma maior diversificação do tipo de intervenção que prestam.

[pull_quote_left]As práticas responsáveis das empresas estão mais coerentes e alinhadas com o negócio[/pull_quote_left]

Confrontadas com esta realidade, as organizações de economia social precisam de adaptar a sua intervenção e abordagem para conseguirem estabelecer relações de parceria mais sólidas e estruturadas com as empresas e com outras organizações de base local, maximizando recursos disponíveis e fortalecendo projectos através da cooperação mútua. Todavia, tenho vindo a deparar-me com mais competição na economia social do que aquela que existe no mundo empresarial, quando falamos de responsabilidade social, o que dificulta o processo de aproximação.

Temos que aprender uns com os outros e diluir cada vez mais as fronteiras, de modo a criar valor em conjunto, e é esse trabalho que o GRACE procura fazer com os seus associados e parceiros.

No actual contexto de aumento das necessidades sociais e escassez de recursos para lhes dar resposta, a missão de base do GRACE – promover, através de Grupos de Trabalho estruturais, uma articulação eficiente entre stakeholders, garantindo relações estratégicas entre parceiros – está mais actual do que nunca?

Sem dúvida. Também os projectos que temos em curso resultam todos eles de relações de parceria estabelecidas quer com o Estado, quer com entidades académicas, quer com outras estruturas empresariais como a APEE, a ACEGE ou a JAP.

Como comenta o facto de actualmente as empresas associadas do GRACE fazerem “um investimento cada vez mais consciente” na Economia Social, alocando, em média, mais de 20 milhões de euros por ano para projectos de RS?

Os associados do GRACE consideram que a sustentabilidade é uma questão de sobrevivência e têm consciência de que o cidadão, o cliente, o consumidor saberá distinguir as empresas mais socialmente responsáveis e premiá-las no seu processo de escolha. Por outro lado investir na comunidade e na satisfação das suas necessidades é investir na inclusão, na coesão social, e esses são fundamentos para o desenvolvimento e crescimento económico.

Incluindo esse contributo dado pelas associadas GRACE, que leitura faz do facto de a economia social ser hoje financiada com cerca de 100 milhões de Euros pelo sector empresarial, representando mais de 5% do total de emprego em Portugal?

Não nos surpreende, já que vem confirmar o envolvimento crescente do sector empresarial nas temáticas da RS, tal como tenho vindo a fazer notar ao longo desta nossa conversa. Infelizmente nem sempre há consciência de que sem as empresas e a sua responsabilidade social, a protecção ambiental, a cultura e a inovação social teriam uma expressão muito mais reduzida.

Que principais avanços destaca na incorporação do conceito (em constante evolução) de RS na mentalidade empresarial do País, bem como de boas práticas inerentes ao mesmo e o que mudou na visão das empresas em relação ao mesmo, nestes 15 anos? Podemos efectivamente afirmar que a “moda” da responsabilidade social e das acções solidárias mediatizadas foi ultrapassada por estratégias de médio e longo prazo que têm em conta a transparência, a avaliação de resultados e a construção de projectos integrados e sustentáveis no futuro?

[pull_quote_right]A economia social tem vindo a perceber que as empresas podem ser investidores alternativos ao apoio público[/pull_quote_right]

Da sua pergunta, gostaria de realçar que, de facto, a RS há muito deixou de ser uma moda para passar a fazer parte da estratégia de um número crescente de empresas. Como tal, e porque as empresas actuam através do estabelecimento de objectivos e medição de resultados, não causa espanto que os projectos que envolvam a RSC sejam cada vez mais exigentes neste sentido.

Mas essa mudança não ocorre apenas nos discursos, nos relatórios de sustentabilidade, ou na imagem externa das empresas. No nosso contacto directo com as empresas associadas percebemos como as suas práticas, muitas vezes discretas e invisíveis, se vêm tornando mais coerentes e alinhadas com o negócio.

Na sua opinião, o tecido empresarial português tem vindo a acompanhar as novas tendências de gestão, como é o caso do modelo focado na criação de valor partilhado, com vista a garantir que a abordagem e actuação da empresa oferece valor a cada um dos seus stakeholders?

O tecido empresarial português está mais exigente, não só em termos da sua prática de gestão, mas também no envolvimento dos diversos stakeholders, com vista a maximizar valor para todas as partes.

Todavia, temos que assumir que muito há para fazer e é por isso que o GRACE faz sentido e continuará a prestar um serviço aos seus associados e ao País, enquanto uma das maiores associações de empresas da Europa em matéria de responsabilidade social.