Habitualmente conotada como a geração ambiciosa, com desejos de mudar o mundo e de deixar a sua marca na sociedade, os millennials parecem estar a sofrer uma espécie de crise de identidade. E, após um ano particularmente difícil, os denominados nativos digitais começam agora a procurar a estabilidade e a segurança de um emprego certo e duradouro, transformando a sua vontade exacerbada de mudança num optimismo (ou comodismo?) moderado, no trabalho e na vida. Estas são as principais conclusões do mais recente relatório da Deloitte sobre a geração Y e que demonstram que aqueles que a integram estão… a ficar crescidos
POR
MÁRIA POMBO

Diversos são os estudos que se referem aos millennials como uma geração disruptiva e que procura a mudança, constantemente e a todo o custo, na forma de comunicar, de viajar, de consumir e até de trabalhar. Optimistas por natureza, os jovens que nasceram entre o início da década de 80 e meados dos anos 90 são, sem sombra de dúvida, mais livres, despreocupados e descomprometidos que os seus precedentes. Contudo, o mais recente relatório da Deloitte sobre a também denominada geração Y vem revelar que – e em particular por ter sido um ano marcado por ataques terroristas, pelo Brexit e por “uma eleição presidencial controversa nos EUA” – 2016 veio abalar o sentimento de optimismo, substituindo a sede de mudar pela vontade de ganhar estabilidade e segurança.

Apresentado há cerca de um mês, o Millennial Survey é um estudo anual a partir do qual a reconhecida consultora se debruça sobre este segmento populacional. A análise foi feita com base num inquérito, realizado em Setembro do ano passado, a cerca de 8 mil jovens – nascidos após 1982, licenciados e empregados a tempo inteiro – residentes em 30 países desenvolvidos e em desenvolvimento de todos os continentes.

De acordo com os resultados apurados, e não esquecendo os acontecimentos que marcaram o ano de 2016, esta geração afirma agora já não ter tanta vontade de deixar o emprego estável em troca de novos – mas incertos – desafios, demonstrando uma insegurança que tem sido quase inexistente entre os seus membros.

Face ao ano passado, conclui-se também que os jovens das nações desenvolvidas estão, hoje em dia, ligeiramente menos optimistas em termos económicos do que estavam há cerca de um ano, tendo esta percentagem diminuído de 38% para 34%. Pelo contrário, com 57%, os millennials que vivem em países em desenvolvimento sentem-se mais optimistas, acreditando, em maior escala, que a situação económica vai melhorar nos próximos meses, quer face aos resultados apurados no relatório anterior (43%), quer comparativamente aos seus pares das economias mais “maduras”.

Em termos políticos, ambos os grupos assumem reservas, com os membros da geração Y que vivem nas economias mais consolidadas a manifestarem-nas em menor percentagem (25%) face aos seus congéneres que vivem nos países emergentes (e que chegam aos 48%). Todavia, e apesar de não ser assim tão surpreendente, o pessimismo em termos de progresso social e político apresenta contornos “mistos”, sendo mais visível na Coreia do Sul, no México, no Chile ou no Japão, mas também e muito graças aos desenvolvimentos do último ano, em França, na Bélgica, na Alemanha, no Reino Unido e na Itália. Por outro lado, as Filipinas, o Peru, o Brasil, a Indonésia, a Turquia, a Argentina e o Canadá são os países onde vivem mais jovens optimistas relativamente aos próximos meses.

Adicionalmente, o optimismo relativamente à qualidade de vida (comparativamente ao desfrutado pela geração dos seus pais), em termos materiais e emocionais, continua a ser mais forte nas economias emergentes do que nos mercados mais desenvolvidos (onde os jovens se sentem, ao invés, estagnados e sem hipóteses de progredir). Dos 30 países analisados, apenas em 11 os millennials esperam uma vida mais feliz que aquela que tiveram os seus progenitores. Os respondentes da Índia, China, Peru, Filipinas e Indonésia são os que mais acreditam nesta possibilidade, sendo que os que vivem em França, na Bélgica, na Coreia do Sul, em Itália e na Suíça são os que prevêem os piores cenários.

A justificação para esta tendência de descrença relativamente à vida está essencialmente relacionada com os inúmeros episódios de terrorismo e tensão política e social a que o mundo tem assistido (e de que tem sido alvo), mas também com os baixos rendimentos, a dificuldade generalizada em termos de acesso a cuidados de saúde e com as persistentes ondas de crime e corrupção. As elevadas taxas de desemprego e as questões climáticas são também apontadas, embora com menos expressão, como causas que levam esta geração a temer o pior num futuro próximo.


Negócios vistos como uma “força promotora de um impacto social positivo”

Questionados acerca do impacto das empresas na sociedade, os millennials que participaram nesta análise responderam de uma forma bastante positiva, com 76% de jovens a olhar para os negócios como uma “força promotora de um impacto social positivo”. Tal como tem vindo a acontecer nas edições anteriores, os “millennials super-conectados” (que, na verdade, representam cerca de 90% dos jovens Y e se apresentam como aqueles que mantêm uma forte presença nas redes sociais) e os “cidadãos activos” (que, existindo também em grande número, são aqueles que participam na sociedade, de uma forma activa e positiva, envolvendo-se nas suas comunidades, em acções ao nível do ambiente, da política e dos direitos humanos, por exemplo) assumem-se como os principais promotores (e defensores) da importância do papel empresarial na sociedade.

A opinião que os jovens têm sobre o poder dos negócios para “transformar o mundo” não é exclusiva. É, aliás, partilhada por outras gerações, as quais acreditam igualmente que as empresas conseguem melhorar as comunidades e os mercados onde exercem actividade, melhorando a qualidade de vida das populações e fazendo “renascer” a economia. Uma nota curiosa – ou talvez não – está, contudo, relacionada com o facto de a generalidade dos jovens Y acreditar mais no potencial das organizações de solidariedade social (73%) do que na força das multinacionais (59%), no que respeita à transformação social e impacto positivo nas comunidades.

O facto de a maioria (89%) dos inquiridos defender que o sucesso das empresas deveria depender de outros factores para além do lucro vai ao encontro da opinião que estes têm acerca do mundo em geral, dando uma importância crescente ao desenvolvimento social e à questão de “fazer o bem” e não tanto à ambição de “ganhar bem”. E tanto assim é que 82% dos jovens declaram que as empresas onde trabalham, independentemente da sua dimensão, apoiam diversas iniciativas solidárias, nomeadamente em áreas como a educação e o desenvolvimento de capacidades. Contudo, é reduzida a percentagem (variando entre 10% e 11%) de jovens que revelam que as empresas onde colaboram têm preocupações em termos de promoção dos direitos das minorias e da igualdade salarial, e também no que respeita ao combate à corrupção e ao crime.

Interessante é perceber que o baixo nível de optimismo relativamente à melhoria da qualidade de vida não tem feito abalar o sentimento positivo dos jovens face ao impacto do empreendedorismo e do sector empresarial para a sociedade, sendo visível a sua vontade crescente de permanecerem durante mais tempo em empresas que estão envolvidas em iniciativas de cariz social. De acordo com o estudo da Deloitte, esta realidade representa um desafio para as grandes empresas, as quais devem melhorar a sua comunicação, em geral, e aumentar o impacto das suas acções de responsabilidade corporativa, de modo a atraírem um maior número de jovens Y, em particular.

O estudo revela também que o envolvimento das empresas em boas causas ultrapassa em muito a questão do altruísmo. Para além de melhorar a reputação das organizações, esta estratégia revela ser positiva no que respeita à atracção e retenção de trabalhadores millennials, os quais têm uma grande vontade de fazer a diferença – acreditando que a beneficência é uma forma de melhorar o mundo – e também de se sentirem valorizados, no seu local de trabalho, crentes de que a sua ajuda é uma mais-valia e que faz a diferença. E se é verdade que, sozinhos, muitos jovens acabam por não acreditar na sua capacidade de melhorar a sociedade, também não é mentira que, nas empresas e em equipa, são bastante proactivos e empenhados nas causas em que se envolvem.

O “altruísmo” levado a cabo pelas organizações assume-se assim como uma forma de incentivar a geração Y a ser mais leal e comprometida com o seu local de trabalho, ao mesmo tempo que permite às próprias empresas fazer a diferença nas comunidades onde exercem actividade. Recorrendo a diversos documentos, os autores do estudo concluem também que as empresas que se envolvem genuinamente com a sociedade e que apoiam activamente diversas causas revelam um crescimento de longo prazo muito mais forte e seguro que aquelas que não se envolvem ou cujo interesse é meramente comercial.


Millennials rejeitam discursos controversos e líderes que dividem opiniões

Uma outra novidade que 2016 parece ter trazido prende-se com a emergência de uma nova tendência de liderança, no geral, e não só entre os millennials. E que conta com uma maior participação cívica, rejeitando a agenda global e focando-se na satisfação dos interesses das comunidades locais, oferecendo soluções mais radicais ao invés de mudanças graduais. Este novo paradigma é reflexo de decisões “drásticas” e inesperadas, como o Brexit, e de todas as mudanças a este fenómeno associadas, resultando também das eleições dos Estados Unidos, onde foi eleito um presidente totalmente diferente do anterior.

Contudo, e porque se encontram empregados a tempo inteiro e numa situação relativamente estável, os millennials que participaram nesta análise rejeitam estas alterações extremas e “impulsivas”, preferindo viver numa sociedade onde impera a paixão e a objectividade. São jovens que não apreciam discursos controversos nem confusos, preferindo ir directamente ao que importa e rejeitando líderes (políticos e empresariais) que dividem opiniões e tomam decisões radicais.

Tal como já foi anteriormente referido, uma das principais diferenças entre as conclusões da mais recente edição deste estudo face às que figuravam na anterior é o facto de ter aumentado a percentagem de jovens que pretendem permanecer mais tempo nas empresas que os integram actualmente e de, consequentemente, ter diminuído o número que ambiciona(va), num futuro próximo, abandonar o seu local de trabalho, trocando-o por outro. Ou seja, se em 2016, 44% dos inquiridos tencionavam mergulhar num novo desafio (nos dois anos seguintes), a percentagem desceu agora para os 38%. Por outro lado e no ano passado, 27% dos entrevistados demonstravam vontade de permanecer no seu local de trabalho pelo menos durante cinco anos, com os dados apurados para 2017 a indicarem uma subida nesta percentagem para os 31%.

Complementarmente, a sede de estabilidade reflecte-se também no facto de a maioria dos inquiridos (65%) preferir trabalhar a tempo inteiro e de forma permanente, sendo bastante reduzida a percentagem de jovens que escolhem ser freelancers (31%). Contudo, e sem contradizer as características que comummente os identificam, esta é uma geração que continua a não dispensar a flexibilidade, quer em termos de horários e locais de trabalho, quer no que respeita às funções que pode desempenhar dentro das organizações, quer ainda no tipo de contrato que assina com a entidade empregadora. A maioria dos jovens acredita que a flexibilidade promove o aumento da produtividade, da responsabilidade e da confiança que as chefias depositam em si. E esta é uma condição fundamental para que os Y se sintam felizes e comprometidos com as empresas onde colaboram, contribuindo em muito para o desejo de nelas permanecer.

A automação é outra temática abordada neste estudo e, por ter tanto de positivo como de negativo, revelou ser um tema não surpreendentemente controverso. Regra geral, os millennials, e à semelhança de outras gerações, acreditam que esta é uma importante ferramenta que conduz ao crescimento económico, tendo em conta que aumenta significativamente a produtividade. Importa sublinhar que a automação é considerada benéfica essencialmente pelos millennials “super-conectados”, os quais têm uma maior apetência para trabalhar nas áreas da tecnologia e informática. Por outro lado, os jovens que dão um menor uso às redes sociais e à comunicação digital tendem a considerar que a automação prejudica o trabalho ou, em particular, o número de postos de trabalho disponíveis.

Os jovens vêem também o potencial da automação em actividades mais criativas, melhorando o tempo gasto em determinadas funções (sendo a gestão das redes sociais um exemplo de como a automação pode ser aliada à criatividade). Complementarmente, e considerando que estes são jovens que primam pela flexibilidade dentro das empresas, a automação é encarada como benéfica no sentido em que permite alguma rotatividade de pessoal, o que possibilita exercer diversas funções e adquirir conhecimentos em várias áreas.

Todavia, os malefícios desta escolha prendem-se com o facto de os locais de trabalho ficarem normalmente mais desumanizados e impessoais, com o aumento da necessidade de renovar alguns postos de trabalho (já que os colaboradores são postos à prova e podem não se adaptar à função que lhes é dada), e também com a diminuição do número de postos de trabalho disponíveis, tendo em conta que um colaborador pode assumir diversas funções, cumprindo-as num curto espaço de tempo. Ou, e num futuro mais próximo do que pensamos, serem pura e simplesmente substituídos por máquinas.


E o que pensam os Y dos Z?

Finalmente, foi abordada a opinião desta geração face à geração seguinte, concluindo-se que seis em cada 10 inquiridos têm uma opinião positiva sobre os jovens Z. A Índia (com 91%) e as Filipinas (com 85%) são os países que têm a melhor opinião acerca da geração que nasceu a partir de 1996, sendo a Alemanha (com 39%), o Japão (com 37%) e a Coreia do Sul (com 34%) os que têm uma percepção mais negativa acerca dos seus “substitutos”.

Os millennials acreditam que, dominando o mundo digital, os jovens da geração Z necessitam de desenvolver mais as suas soft skills (nomeadamente em termos de maturidade, paciência e integridade), já que acreditam que as suas maiores qualidades não estão alinhadas com as exigências do mercado de trabalho. É que, surpreendentemente, os millennials “mais velhos” e que já ocupam lugares de liderança nas empresas tendem a considerar os conhecimentos em tecnologia e redes sociais como “pouco importantes”, principalmente quando comparados com outras características (como a comunicação, a flexibilidade e a criatividade).

Neste sentido, os millennials deixam alguns conselhos à geração seguinte. Que aprendam o mais que puderem é a primeira dica e está relacionada com a abertura para ganhar conhecimentos transmitidos pelos mais velhos. Que trabalhem bastante, dêem o melhor e deixem a preguiça para trás é a segunda sugestão dada pela geração Y à Z. Que sejam pacientes, que dêem um passo de cada vez e que não queiram tudo de uma vez quando entrarem no mercado de trabalho é outro dos conselhos deixados. E que se dediquem, que sejam perseverantes e que não desistam dos seus sonhos e ambições também. Por fim, e como não poderia deixar de ser, os millennials aconselham os elementos da geração Z a serem flexíveis e abertos à mudança, incentivando-os também a experimentarem coisas novas.

Aparentemente, a primeira geração de nativos digitais e depois de caracterizada por um “desejo sem limites de mudança”, procura agora estabilidade e uma oportunidade para mostrar o seu valor. Acusando sinais de incerteza que foram crescendo face aos acontecimentos do “estranho ano de 2016” e de acordo com o mais recente estudo da Deloitte, o seu optimismo exacerbado deu assim lugar a uma tendência mais pessimista – ou realista – e a ideia de que é possível ter uma qualidade de vida superior à dos seus antecessores está agora mais distante. Ou então é tempo para dizer que os millennials estão, simplesmente, mais crescidos.

Jornalista