Pode ser um passo simbólico, mas não deixa de ser importante para redefinir o sucesso empresarial para além das considerações puramente financeiras. Foi exactamente isso que a Harvard Business Review fez no seu habitual ranking “The best-performing CEOs in the World”, publicado esta semana e que, ao integrar critérios de impacto social e ambiental no mesmo, alterou significativamente os resultados dos “suspeitos do costume”
POR
HELENA OLIVEIRA

“Devia ter avisado no início desta entrevista que não gosto desta noção de ‘CEO com melhor performance do mundo’. Essa é uma perspectiva muito ‘americana’, na medida em que vocês têm por hábito ‘leonizar’ os indivíduos”.

As palavras são de Lars Sørenson, CEO da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, que se posiciona em primeiro lugar no habitual ranking anual elaborado pela revista de Harvard que lista os CEOs com melhor performance do mundo. E, não sendo realmente normal para um norte-americano proferir estas palavras, com elas o CEO europeu comprova também que os estilos de liderança seguidos, habitualmente, pelos seus pares dos Estados Unidos, são igualmente contrastantes com o tipo de líderes que as empresas europeias escolhem para gerir os seus colossos empresariais, numa espécie de dualidade entre agressividade versus coesão de ideias.

“Eu diria antes que estou a liderar uma equipa que, de forma colectiva, está a criar uma das empresas mais competitivas do mundo em termos de performance, o que é muito diferente, em especial num sector cujos resultados no tempo podem demorar 20 a 25 anos a atingir”, acrescenta ainda Sørenson, na entrevista que a Harvard Business Review lhe fez a propósito deste ranking.

A verdade é que não é só o facto de um europeu liderar a lista em causa que torna este ranking diferente dos demais a que estamos habituados. Principalmente os que são elaborados pela Harvard Business Review (HBR) que, para chegar aos resultados finais, sempre privilegiou os critérios meramente financeiros, como o retorno total para os accionistas, as alterações em termos de capitalização bolsista das empresas em causa, entre outras cifras cruas e nuas.

No artigo que introduz o ranking de 2015, a HBR explica que a edição deste ano teve como principal objectivo focar-se numa medida de “sucesso duradouro”, analisando a performance dos CEOs em causa a partir do dia 1 do seu mandato e criando um ranking que fosse mais além dos resultados trimestrais, e até anuais, para uma verdadeira avaliação de performance de longo prazo, mas não só. Assim e pela primeira vez, a revista de Harvard integrou os critérios ESG (impacto ambiental, social e de governance) na avaliação da performance destes CEOs e, mesmo com estes a valerem apenas 20% face aos 80% representados pelos resultados financeiros, a verdade é que foi o suficiente para provocar danos e quedas abruptas nas posições habitualmente ocupadas por CEOs insuspeitos no que respeita a receitas recordistas, mas que deixam ainda muito a desejar no que aos demais preceitos – de importância crescente – dizem respeito.

Como também escreve a revista, numa era de big data e de uma cada vez maior transparência, os consumidores e os investidores querem, indubitavelmente, perceber a cultura da empresa e os seus valores, analisar o seu comportamento social e não apenas a sua cotação bolsista. A este respeito convém recordar que, no ranking relativo a 2014, já a HBR demonstrava um certo desconforto por não conseguir medir, com objectividade, os “activos intangíveis” – o impacto ambiental, a satisfação dos trabalhadores, o envolvimento com os clientes, entre outros – tentando colmatar esta lacuna com dados paralelos provenientes da consultora em gestão da reputação The Reputation Institute, os quais demonstraram também que a um CEO com excelente performance financeira não correspondia, necessariamente, uma empresa envolvida e preocupada com os demais stakeholders.

Este ano, e com a ajuda da Sustainalytics, empresa especializada na pesquisa e análise de critérios ambientais, sociais e de governance (ESG) e que trabalha essencialmente com instituições financeiras e gestores de activos, avaliando a performance das empresas, de 0 a 100, no que a estes atributos diz respeito, a HBR compilou os dados de 907 CEOs, considerando-os em conjunto com os resultados financeiros. E a discrepância face aos rankings até agora publicados é tão avassaladora que a própria revista resolveu disponibilizar, publicamente, em formato a excel, a forma como chegou aos resultados finais e que vale a pena consultar.

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Um sinal de alerta para “mau comportamento” de CEOs norte-americanos

Numa análise mais ou menos rápida, é possível verificar que o ranking deste ano difere significativamente dos que foram publicados em anos anteriores. Por um lado, porque os “performers de topo” são mais globais, o que pode servir como sinal de alerta de que muitos gigantes empresariais norte-americanos não estão a ter um desempenho tão forte quanto os seus pares de outras regiões do mundo no que respeita às questões sociais e ambientais. Na verdade, apenas três CEOs de empresas sedeadas nos Estados Unidos fazem parte do top 10 – John Chambers, que saiu da Cisco em Julho deste ano (nº 2), Stephen Luczo, da Seagate Technology (nº 6) e George Scangos (nº 8), da Biogen. Para além do “vencedor” Lars Sørenson, entre os “10 mais”, encontram-se seis CEOs de empresas europeias – com o espanhol Pablo Isla, da INDITEX, num honroso 3º lugar – e o CEO japonês da Canon, Fujio Mitarai, a encerrar este top, na 10ª posição.

Comparativamente a 2014, sete dos CEOs pertencentes ao top 10 eram norte-americanos, com as cinco primeiras posições a serem ocupadas por estes. E um dos casos mais flagrantes, e digno de uma boa reflexão, é o do patrão da Amazon que encabeçava a lista dos melhores CEOs do mundo o ano passado. Se apenas os aspectos financeiros tivessem sido comtemplados, Jeff Bezzos permaneceria em nº 1. Mas com uma posição vergonhosa no ranking de ESG – 828º (em 907 empresas analisadas), Bezos caiu da prateleira, numa queda vertiginosa para a 87ª posição.

Em contrapartida, o dinamarquês Lars Sørenson, apesar de em termos puramente financeiros não ter ido além da 6ª posição, a sua boa prestação relativamente ao rating ESG – 15º – valeu-lhe o primeiro lugar. E se estes pequenos passos parecem ser meramente simbólicos, a verdade é que, tal como o próprio CEO da Novo Nordisk afirma, “ a nossa filosofia dita que a responsabilidade social corporativa nada mais é do que maximizar o valor da empresa ao longo de um período extenso de tempo, exactamente porque a longo prazo, as questões sociais e ambientais transformar-se-ão em questões financeiras”. E, acrescentaríamos nós, esse “longo prazo” não está assim tão distante.

Ainda a nível geral, duas últimas (más) notas: tal como no ano passado, apenas duas mulheres integram o top 100: Debra Cafaro, da Ventas e Carol Meyrowitz, da TJX Companies. E, como não poderia deixar de ser, há que falar do ex-CEO da Volkswagen Martin Winterkorn. Caso a empresa tivesse conseguido continuar a esconder a sua escandalosa “fraude das emissões”, o senhor ocuparia um confortável 20º lugar (Winterkorn consta ainda do ranking, pois a publicação do mesmo “cruzou-se” com a sua demissão), mas dados os recentes acontecimentos, a Sustainalytics já procedeu a um downgrade da posição da fabricante de carros alemã.

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Arrogância versus humildade?

A vitória de um CEO europeu num ranking habitualmente dominado por “great performers” norte-americanos, e responsável por uma empresa de um sector particularmente complexo no que a questões sociais e ambientais diz respeito, pode dizer muito não só sobre o fosso que divide os Estados Unidos da Europa em termos de liderança, mas também no que respeita às diferentes visões e níveis de maturidade, relativos à já velha questão da responsabilidade social corporativa e da mais “nova” sustentabilidade, que já é possível inferir dada a multiplicação de rankings e novas métricas que estão mais perto de medir os denominados “activos intangíveis”.

Em termos de liderança e como se escreve na introdução à entrevista realizada pela HBR ao presidente executivo da Novo Nordisk, se questionarmos os CEOs sobre quais os motivos da sua performance ser tão digna de nota, a resposta mais provável centra-se numa mistura entre “uma estratégia brilhante em conjunto com uma execução diligente e árdua”. A resposta de Sørensen é simples e surpreendente: “sorte”.

E, para perceber esta desconcertante resposta, vale a pena saber um pouco mais sobre a história da Novo Nordisk, na qual Sørensen trabalha há 33 anos. Sedeada em Copenhaga, a farmacêutica foi fundada nos anos de 1920 para produzir insulina, na altura um fármaco revolucionário e descoberto há muito pouco tempo. Desde então, a procura por tratamentos para a diabetes explodiu, com 400 milhões de pessoas a sofrer da doença na actualidade. A empresa controla quase metade do apetecível mercado de produtos à base de insulina, os quais se posicionam em segundo lugar – apenas precedidos pelos fármacos oncológicos – na categoria de crescimento mais rápido no sector farmacêutico. A Novo Nordisk tem-se distinguido também na área de investigação &desenvolvimento, privilegiando os tratamentos através de hormonas de crescimento e terapias de substituição destas, bem como em medicamentos para o tratamento da hemofilia.

Mas quando Sørensen responde que a sorte tem lugar neste processo de eleição dos CEOs com melhor performance do mundo, o que realmente pretende afirmar é que nas empresas, como em outras áreas, há sempre uma situação passada que se herda e que dita os caminhos possíveis: “você pode ser o melhor CEO do mundo e herdar um mau negócio ou ser aquele que passou os últimos 15 anos a criar um negócio melhor e quando há outro que fica com o seu lugar, ele é que se transforma em herói”. O dinamarquês pode até ter razão, mas a verdade é que a forma humilde como caracteriza o seu mandato enquanto presidente e o tom orgulhoso que utiliza ao explicar a estratégia da empresa, contrastam plenamente com a habitual arrogância que estamos habituados a ver nos CEOs “do costume”.

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“Na Novo Nordisk, não usamos jactos privados”

Um bom exemplo desta humildade reside no facto de Sørensen confessar “focar-se no que sabe” e não diversificar estratégias – como lhe é comummente sugerido – e arriscar manter um negócio cujas receitas são em 80% dependentes da própria diabetes. Questionado sobre o que aconteceria se a diabetes fosse eventualmente curada – em 2000 previu que tal viria a acontecer exactamente este ano, colocando agora mais 15 anos no horizonte para que a proeza possa vir a ser cumprida, Sørensen afirma sem receios que esse continua a ser o principal objectivo da Novo Nordisk: “digo sempre aos meus empregados que se chegarmos a encontrar a cura para a diabetes e a mesma destruir a maior parte do nosso negócio, poderemos ficar orgulhosos e que, com toda a certeza, eles arranjarão facilmente emprego noutro lugar”. “Teríamos trabalhado no maior dos serviços sociais oferecidos por uma farmacêutica, o que seria fenomenal”, acrescenta ainda. A isto se chama confiança, maximização do propósito, e não somente do lucro, e orgulho no trabalho em equipa.

Um outro bom exemplo desta liderança “menos usual” surge com a grande polémica e subsequente escândalo que assolou a indústria farmacêutica, em finais dos anos de 1990 e no início do século XXI na África do Sul, a propósito do inflacionamento do preço dos fármacos para o tratamento do HIV-SIDA. Esta realidade obrigou Sørensen – 2000 foi o ano em que tomou as rédeas da empresa – a considerar a hipótese de o mesmo poder acontecer com os fármacos para a diabetes. Assim, a empresa decidiu criar uma organização sem fins lucrativos, independente, denominada World Diabetes Foundation, cujo principal objectivo é aumentar a capacidade dos países pobres para lidarem com esta doença e com os preços elevados que a mesma comporta. Por cada ampola que é vendida, uma parte da receita vai directamente para a fundação que, por sua vez, disponibiliza subvenções em locais como o sudeste asiático, em alguns países da América Latina e em África. Com esta estratégia, e “apesar de os consultores jurarem que as empresas não devem fazê-lo porque não funciona”, Sørensen assegura a reputação da empresa, na medida em que acredita ser uma vantagem “ter-se produtos genéricos de elevada qualidade – a insulina humana – para países e populações que não têm meios suficientes para adquirir fármacos mais avançados e muito mais dispendiosos”. A isto chama-se cuidar da reputação da empresa, ter visão de longo prazo e manifestar apoio social às comunidades mais vulneráveis. O presidente da farmacêutica dinamarquesa chama-lhe apenas “maximização do valor da empresa para o longo prazo”.

Interrogado também de que forma é que as questões sociais e ambientais se transformam em questões financeiras ao longo do tempo, Sørensen responde também de forma simples: “se continuarmos a poluir, serão impostas regulações mais restritivas e o consumo de energia tornar-se-á mais caro. E o mesmo se aplica ao lado social: se não tratarmos bem os nossos empregados, se não nos comportarmos como bons cidadãos nas comunidades locais e se não provermos os países mais pobres de produtos de baixo custo, os governos acabarão por nos impor regulações que, no final, contribuirão para custos diversos que podem ser avassaladores”. A isto se chama maximizar o lucro para o accionista e os impactos positivos para os demais stakeholders.

Descrevendo o seu estilo de liderança como “orientado para o consenso” – típico dos executivos e gestores escandinavos – mas e devido aos seis anos que passou nos Estados Unidos, mais “agressivo” face aos seus pares nórdicos, Sørensen é também confrontado, na mesma entrevista, com o facto de, entre os 100 CEOs que compõem o ranking da HBR, ser um dos que menor remuneração aufere. Ao que responde: “o meu salário reflecte o desejo da nossa empresa em apostar na coesão interna. Quando tomamos decisões, os empregados devem fazer parte do caminho e estarem cientes de que não estão simplesmente a encher os meus bolsos”.

Para o nº 1 do ranking da HBR, é muito mais fácil liderar quando o fosso salarial entre CEO e trabalhadores não é tão acentuado. “Existem várias coisas que distanciam os executivos dos empregados, como por exemplo o facto de os primeiros poderem viajar de jacto privado”, declara. “Na Novo Nordisk não o fazemos, apesar de sermos uma grande empresa. A verdade é que isso enviaria um sinal aos meus subordinados de que o meu tempo é mais valioso do que o deles”, acrescenta ainda. “E se é possível argumentar que tal é verdade em algumas circunstâncias, filosoficamente tal colocaria um fosso entre nós. E eu não gosto disso”.

E a isto se chama ter respeito pelos trabalhadores e transformar a missão da empresa numa viagem conjunta.

Editora Executiva