O título diz CEO, mas poderia ser coordenador, gerente, chefe ou superior hierárquico, de uma forma geral. Por que é que em tantas empresas as pessoas têm medo de falar com o chefe? E quais as consequências desse comportamento?
POR ANA ROQUE

Abertura e confiança são valores comuns a muitos códigos de conduta e de ética corporativos, e não é por acaso. As razões porque estão lá podem ser várias, mas a verdade é que são dois valores críticos para a segurança e para a gestão de risco de uma qualquer organização e estas duas razões bastariam para justificar a sua presença.

No entanto, por vezes, os gestores e os próprios membros das empresas não se dão conta do valor da incorporação destes valores e do risco que representa para a empresa “as portas não estarem abertas” e não ser fácil falar ou expor questões com a confiança de que serão bem aceites e que nada nos acontecerá se falarmos.

Rethinking Reputational Risk é um livro publicado no início deste ano (2017) e no qual são apresentados diversos casos de experiências que demonstram (tragicamente, às vezes) esta situação.

Uma das experiências foi a realizada por Barry Turner, um sociólogo britânico que estudou mais de 80 acidentes de alto impacto provocados por pessoas e que concluiu que a maior parte dos mesmos estavam a ser “incubados”, em média, três anos antes da sua ocorrência. Ou seja, em muitos casos, havia informação que teria permitido evitá-los, mas essa informação, por alguma razão, não chegou às pessoas certas, a quem poderia decidir.

Essa mesma conclusão é apresentada por Dominique Genelot no livro Manager dans (et avec) la complexité. O autor conta a história do desastre do vaivém Challenger em 1986. A NASA levou dois anos a investigar a origem do desastre e quando a descobriu, percebeu igualmente que a falha na nave era conhecida de diversos técnicos antes do seu lançamento. Técnicos que não conseguiram que a informação chegasse à pessoa certa. Ou seja, a questão, mais do que técnica, foi humana e cultural.

No recente escândalo da Volkswagen, a história repete-se: “segundo o jornal alemão Bild, os engenheiros [da empresa] foram incapazes de dizer a Winterkorn [o CEO] que essas metas seriam muito difíceis de atingir. Legalmente, pelo menos”. Eles sabiam, mas não tiveram a coragem de falar.

[quote_center]Abertura e confiança são valores críticos para a gestão de risco de uma qualquer organização[/quote_center]

E estas pessoas que não têm coragem para falar com o CEO (ou com o chefe, aqui usamos CEO para chegar a um “ponto limite”) não estão, com frequência, muitos níveis abaixo do superior hierárquico em questão. Pelo contrário, muitas vezes estão quase ao mesmo nível.

Nestes casos de quase colegas ou pares, é uma questão que ultrapassa o medo de falar e que chega, de modo talvez inconsciente, ao medo de pensar, ou de ser visto como “quem pensa de forma diferente dos outros”.

É uma consequência do groupthinking – “tipo de pensamento exibido pelos membros de um grupo que tentam minimizar conflitos e chegar ao consenso sem testar, analisar e avaliar criticamente as ideias. Durante o pensamento de grupo, os membros do mesmo evitam promover pontos de vista fora da zona de conforto do pensamento consensual”.

O fenómeno foi estudado por Irvin Jannis, no âmbito da investigação de uma série de fiascos no governo dos Estados Unidos da América. O psicólogo concluiu que na origem dessas falhas estava uma falta de diversidade de pensamento na Direcção, uma liderança que não ouvia de forma imparcial e que considerava como inimigo quem tinha uma opinião contrária: “para ter efeito, o advogado do diabo [muitíssimo útil em qualquer importante tomada de decisão] não pode ser nem alienado nem domesticado”, sob pena de ser um falso advogado do diabo, de ser inexistente. E não é fácil, nem é muitas vezes valorizado, ser o advogado do diabo.

[quote_center]Conseguir um clima de abertura e confiança entre os membros do Board é absolutamente fundamental para a segurança e protecção da organização[/quote_center]

O que é valorizado é o estar entre iguais, entre pessoas que pensam da mesma maneira, o tal groupthinking. E mesmo quando vem alguém externo que analisa o risco, há coisas que são deixadas passar “porque o ‘examinador’ partilha as mesmas normas sociais e silêncios do Board”. Esse facto é abordado num artigo da Harvard Business ReviewCan your employees really speak freely, no qual se conta a história de uma investigação feita numa empresa para perceber as causas do silêncio dos empregados. Do relatório dessa investigação apresentado ao CEO e ao Board, não foi incluída a informação relativa ao comportamento inibidor da própria alta direcção.

Ou seja, é tudo feito em “pezinhos de lã”, a medo. No caso recente do Barclays, em que o CEO teve uma penalização após tentar identificar um denunciante, a medida foi fruto de uma investigação da firma Simmons & Simmons LLP [que] concluiu que Staley “de forma honesta, mas errada” (veja-se a delicadeza das palavras), tentou identificar a pessoa que tinha reportado uma irregularidade.

Voltando a Turner (e destacando-se novamente a questão do Board) que concluiu – sem ser necessário, por ser tão óbvio -, que as consequências de um erro dependem parcialmente da influência da pessoa que o faz, é sublinhado que “os erros dos líderes causam muito mais dano do que um erro similar causado por alguém mais júnior”.

Conseguir um clima de abertura e confiança entre os membros do Board é absolutamente fundamental para a segurança e protecção da organização. E isso, como temos vindo a observar até nos depoimentos dos envolvidos nos escândalos que têm assolado nos últimos anos o nosso mercado, não é evidente que aconteça e tem até implicações para os próprios – a tão falada questão da responsabilidade individual nas decisões colectivas.

Estou a falar de algo (abertura e confiança) que tem de existir, que é importante que exista e que em muitos casos existe.

Na minha actividade profissional, enquanto consultora, no desenvolvimento de projectos ligados à ética, quase sempre em algum momento me cruzo com o CEO e com membros dos Boards das empresas para as quais trabalho e tenho conhecido casos extraordinários de abertura, de pessoas que têm mesmo o gosto de serem desafiadas.

Quando é expressa uma opinião diferente da sua, muitas vezes ficam surpreendidos – parece não fazer parte da nossa cultura discordar de quem tem poder – mas acontece com frequência ser esse o ponto de partida de conversas que duram muito mais do que era suposto e em que se consegue passar pelos diferentes estágios de diálogo e escuta, desde uma escuta passiva de alguém que está simplesmente a fazer “download” da informação, para uma escuta atenta, empática, em que o CEO é capaz se pôr no lugar do outro; até à verdadeira criação, à escuta generativa que refere Otto Scharmer (MIT) na Teoria do U: uma escuta que faz nascer novas visões e novos projectos e, no caso do risco, ver o que ainda não foi visto, sem medos.

[quote_center]Quanto menor a hierarquização da empresa, maior é a assunção da responsabilidade e da motivação[/quote_center]

Mas porquê esta resistência a um clima de abertura e confiança? Porquê este medo de falar instalado em tantas empresas, desde o falar com o coordenador, o chefe ou ao tal CEO?

Por vezes advém de uma hierarquia imposta, com base no medo das próprias chefias: medo de ser posto em causa, de ser questionado, de perder o controlo. E também das inseguranças, da falta de confiança nos colaboradores ou mesmo nos pares face a objectivos muitíssimo exigentes e a pressões várias.

A experiência diz que é o contrário, que não há que ter medo. Quanto maior a abertura, mais informadas as decisões, menor o risco. Quanto menor a hierarquização da empresa e a confiança em poder dizer tudo o que se acha importante a quem se considera importante que o saiba, maior a assunção da responsabilidade, a motivação, menor o risco ético, ou outro, que resulta sempre em risco reputacional.

Muitas vezes acontece também que essa hierarquização não é vontade do CEO, nem do Board, mas e pelo contrário, a mesma estar já anteriormente instalada. Nesses casos há muito que pode ser feito, nomeadamente, começar-se por uma reflexão no próprio Board, tal como apontado no já referido Rethinking Reputational Risk.

No livro é sugerido que seja enviado aos elementos da direcção ou da administração um conjunto de perguntas, nomeadamente:

  • Quem são as pessoas mais influentes no Board/Direcção?
  • Até que ponto alguém do Board/Direcção é carismático ou dominante?
  • Que assuntos não são discutidos no Board/Direcção e porquê?
  • Qual é o historial de cada membro do Board/Direção em desafiar os pontos de vista dos outros e até que ponto esses desafios surtem efeito?

São apenas algumas perguntas, mas podem ser um bom ponto de partida.

Todos sabemos que há muitas razões para se fazer códigos de ética, todos sabemos que há códigos onde algumas palavras são escritas apenas porque sim.

Abertura e confiança poderão, por vezes, fazer parte dessa lista, mas estou profundamente convicta de que, escritas ou não, com código ou sem código, abertura e confiança são vitais para o sucesso e para a reputação das organizações onde, hoje em dia, está assente grande parte do seu valor.

Fazer um trabalho nessa área é por isso algo que me parece urgente e que vale muito a pena.

Activista da ética, investiga, escreve e desenvolve iniciativas no sentido de promover a reflexão ética e o pensamento crítico. Procura formas alternativas de promover a ética empresarial.