Apesar de ser estudada há várias décadas, a gratidão enquanto ciência tem vindo a crescer, em pesquisa e implementação, estando hoje comprovada a sua estreita relação com maiores níveis de produtividade e rentabilidade, melhorias na qualidade, lealdade, segurança e absentismo ou, em suma, em várias métricas de custos e performance associados às empresas. Porque nem sempre nos lembramos de ser gratos, saiba que esta “prática” o ajuda a si próprio, bem como à organização a que pertence
POR
HELENA OLIVEIRA

Chegámos à habitual altura do ano em que, e imbuídos de espírito natalício, sentimos uma quase obrigatoriedade de olhar para o outro, para quem tem pouco ou nada, para partilharmos mais do que temos durante o ano inteiro e por nos sentirmos gratos por não estarmos sozinhos. Mas quando foi a última vez que agradecemos aos que connosco trabalham, à nossa equipa se tivermos funções de liderança ou a quem nos lidera, se este ou esta merecer, ou a todos os que nos rodeiam ao longo das inúmeras horas que despendemos no local de trabalho?

“A gratidão é absolutamente crucial no local de trabalho”, assegura o psicólogo e professor Robert Emmons, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, autor do best-seller The Little Book of Gratitude: Creating a Life of Happiness and Wellbing by Giving Thanks e um dos mais proeminentes investigadores da denominada “ciência da gratidão”, uma área que, em particular na última década, se tem vindo a expandir, não só em termos de investigação, como de implementação em várias instituições, empresas incluindo.

Há já mais de vinte anos que são muitos os estudos que concluem que as pessoas que “praticam a gratidão” são menos propensas a problemas de saúde, nomeadamente a estados depressivos, gozando de sistemas imunitários mais fortes e de maior optimismo, desenvolvendo e mantendo relacionamentos mais coesos e com níveis de produtividade mais elevados.

Todavia, nem toda a gente confere a importância necessária à gratidão, apesar de todos a tomarem como garantida, como afirma Robert Emmons. Apesar da palavra mágica “obrigado” fazer parte intrínseca do nosso sistema de boa educação, seja no interior das nossas relações familiares e de amizade, seja nas mais rotineiras acções do quotidiano, nos acordos de negócios e nas negociações políticas, é cada vez mais maior o número de pessoas que desvaloriza a gratidão, por esta ser demasiado “simples”, óbvia e “vazia de significado”. Mas a verdade é que vários investigadores abriram caminho para uma já vasta pesquisa cientifica com o objectivo de a compreender, em conjunto com as circunstâncias na qual a mesma floresce ou definha e o que tal significa para nós mesmos e para os que nos rodeiam. E, principalmente, na importância que assume no mundo laboral.

Pertencente à Universidade de Berkeley, apesar de ser maioritariamente financiado por filantropos, o Greater Good Science Center (GCSC) tem estado na vanguarda de um novo movimento científico que explora as raízes dos indivíduos que apresentam características desenvolvidas de compaixão – apresentando níveis maiores de felicidade ou significado -, bem como os laços sociais mais fortes que desenvolvem e os comportamentos altruístas que os definem.

Este centro para um “bem maior” não tem apenas como objectivo dinamizar e financiar estudos nesta área, oferecendo igualmente “formação” nesta temática – pois a gratidão pode ser “inata”, mas é maioritariamente “adquirida e desenvolvida” – através de cursos educativos que apoiam o bem-estar social e emocional de professores, pais, profissionais de saúde e líderes de negócios. A ideia é que as gerações que ainda se encontram no mercado de trabalho, bem como as vindouras, estejam melhor equipadas para lidar com o stress, com os conflitos e com os círculos abrangentes da generosidade e da gratidão.

Tendo como crença que a compaixão e a gratidão constituem traços fundamentais da espécie humana, com raízes profundamente psicológicas e evolucionárias, os investigadores do GCSC acreditam que ao se promover “cuidados” e cooperação e convencendo as pessoas do que podem realmente fazer o bem, é possível tornar os ambientes laborais mais humanos e humanizados. E, com base nos ensinamentos de Robert Emmons, um dos responsáveis por este centro e considerado com o maior especialista mundial no tema, o VER partilha os vários “lucros” decorrentes não só de sermos gratos, de darmos graças pelo que temos, mas também os que estão relacionados com a partilha dessa mesma gratidão com os demais.

Emmons está também ligado à WorkHuman, a menina-dos-olhos da Globoforce, uma empresa progressista que ajuda outras empresas a desenvolver e a implementar programas de reconhecimento e celebração de “feitos” dos trabalhadores em variadas indústrias ou, como escreve, “um negócio global de agradecimentos” com o objectivo de tornar as empresas mais “gratas”. A Globoforce estabeleceu também uma parceria com o Smarter Workforce Institute da IBM e com a Society for Human Resources Management para o financiamento de pesquisa nesta área e já presente em 50 países.

De acordo com os estudos que têm vindo a ser feitos por estas várias organizações, a gratidão, em conjunto com alguns traços com ela relacionados, como o envolvimento/compromisso, foi comprovadamente relacionada com melhorias na produtividade, na rentabilidade, na qualidade, na lealdade, na segurança, no absentismo e em outras métricas de custos e performance associadas às empresas.

Assim, e com base nos ensinamentos de Robert Emmons, considerado com o maior especialista mundial no tema, e tendo em conta os inúmeros estudos que têm sido realizados, o VER partilha alguns dos “ganhos” decorrentes não só de demonstrarmos gratidão relativamente aos outros e de darmos graças pelo que temos, mas também de partilharmos essa mesma gratidão com os demais. Em particular no local de trabalho.

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A gratidão ajuda a deitar uma cabeça mais “leve” na almofada

O sono é, para a mente e para o corpo, a mais das restauradoras actividades. E também são sobejamente conhecidos os estudos que comprovam que a sua privação custa somas astronómicas às empresas, já sem falar nos males que provoca ao seus trabalhadores A título de exemplo, um estudo recente levado a cabo pela Rand Corporation reportou que a privação do sono custa às empresas americanas mais de 400 mil milhões de dólares em perdas de produtividade, com perdas similares em países tão distintos quanto a Alemanha, o Japão ou o Reino Unido, ou seja, uma tendência suficientemente generalizada. O mesmo estudo mencionado estima que se, ao invés das seis horas diárias que a maior parte das pessoas dorme, esse número passasse no mínimo par sete, tal “acontecimento” seria suficiente para adicionar 200 mil milhões de dólares à economia americana.

Como também é sabido – e o VER tem insistido neste tema – a quantidade e qualidade do sono está intimamente relacionada com uma satisfação deficitária com o próprio trabalho, com funções executivas pobres, com um menor pensamento inovativo, uma pior performance, mais erros nas questões de segurança e, consequentemente, com um maior número de acidentes de trabalho, e até com a morte prematura: de acordo com o estudo acima citado, quem dorme, em média, menos de seis horas por noite, tem uma probabilidade superior em 13% , face aos que dormem pelo menos sete, de morrer prematuramente.

A privação do sono afecta igualmente a qualidade dos relacionamentos na medida em que quem sofre de défice de sono confia menos nos outros, é mais impaciente, sente maiores níveis de frustração e de hostilidade.

Assim, um conjunto significativo de estudos demonstrou que a gratidão promove comportamentos fisiológicos reparadores, com pensamentos e comportamentos de gratidão a contribuírem positivamente para melhores noites de sono. Num estudo em particular citado por Emmonds, as pessoas que mantêm um “diário de graças pelo que têm” dormem em média e no mínimo mais 30 minutos por noite, acordando mais bem-dispostos e com uma capacidade redobrada de se manterem (bem) acordados ao longo do dia comparativamente com os sujeitos analisados que não o fazem.

Mas de que forma é que a gratidão pode funcionar como um facilitador para um melhor sono? Apesar das provas científicas – que estão relacionadas com mecanismos cognitivos de “pré-sono”, positivos e negativos, a resposta reside no mais simples senso comum: os pensamentos negativos e críticos tendem a induzir a insónia, mas as mentes das pessoas que são gratas estão repletas de pensamentos agradáveis (geralmente relacionados com situações positivas que lhes aconteceram durante o dia), o que promove o sono. Assim, e como defende Emmons, a relação é clara: pessoas gratas gozam de sonos mais reparadores, sossegados e “refrescantes” e colhem os benefícios de uma boa noite de sono no dia que segue.

A gratidão reduz a obsessão de que “eu mereço mais do que os outros”

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A palavra em inglês “entitlement”, utilizada por Robert Emmons e aqui adjectivada também como “excessiva”, não é de fácil tradução em português, referindo-se, contudo, a um sentimento muito comum não só na vida em geral, como nos locais de trabalho: a ideia de que se merece mais do que outros ou que o mundo lhes deve uma quantidade desproporcional de um “bem particular” para além do que seria considerado apropriado. Estas mesmas pessoas sentem-se insatisfeitas com qualquer que seja a coisa que recebem, seja o seu ordenado, uma promoção ou um mero elogio.

Nas empresas, as pessoas que sofrem deste “entitlement” excessivo tendem a envolver-se em comportamentos contraproducentes, em particular em acções que prejudicam a organização e os seus membros. Comportamentos esses que podem incluir o roubo, a agressão, a violência, a sabotagem, uma má performance deliberada, em conjunto com ameaças, abusos e a tendência para culpar os outros. Este “entitlement” é também um comportamento comum nas culturais organizacionais tóxicas que incluem igualmente a intriga, as queixas constantes e o negativismo.

Mas e de que forma é que a gratidão é relevante neste caso? Uma pessoa que sente que tem direito a tudo e a mais alguma coisa acaba por não dar graças por nada do que tem: a gratidão é, assim, o antídoto para este sentimento, mas também para outro tipo de aspectos relacionados com culturas organizacionais tóxicas. Os indivíduos que “praticam” a gratidão abrem caminho para os ambientes laborais aos quais toda a gente gostaria de pertencer. A gratidão produz níveis elevados de emoções positivas que são benéficas ao local de trabalho, tais como a boa disposição, o entusiasmo e o optimismo, e níveis reduzidos de impulsos destrutivos como a inveja, o ressentimento, a ambição e a amargura. Adicionalmente, e como assegura Emmons, pesquisas psicológicas recentes demonstram que a gratidão está igualmente relacionada com níveis reduzidos de hostilidade e agressão. Quando as pessoas sentem gratidão, têm menos 20% a 30% de possibilidades de se sentirem aborrecidas, irritadas e agressivas. São igualmente menos susceptíveis de se sentirem magoadas por atitudes alheias e, mesmo quando isso acontece, têm menor propensão para contra-atacar.

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A gratidão gera maiores contributos para as organizações em que trabalhamos

De acordo com os especialistas da ciência da gratidão, as pessoas gratas praticam comportamentos que se inserem na categoria dos “bons cidadãos”. E, nos locais de trabalho, inspira os empregados a serem mais prestáveis, impedindo-os de se envolverem em comportamentos que são prejudiciais para todos.

Pesquisas consideráveis demonstraram também que a gratidão é um estímulo para os comportamentos pró-sociais. Uma análise recente a mais de 50 estudos concluiu que a gratidão está ainda mais relacionado com este tipo de comportamentos do que a felicidade ou a empatia, o que torna pouco surpreendente o facto de as pessoas gratas serem, em simultâneo, melhores cidadãos organizacionais. Ou seja, voluntariam-se mais facilmente para tarefas extra, oferecem-se para ajudar ou servir de mentores aos seus pares ou subordinados, mostram compaixão quando alguém está com um problema, e encorajam e elogiam os demais.

E, para além da esfera social do trabalho, a gratidão melhora também a performance no domínio cognitivo, o que resulta em trabalhadores mais criativos. A gratidão promove o pensamento inovador, a flexibilidade, a abertura, a curiosidade e a paixão pela aprendizagem contínua. As pessoas gratas têm maior interesse em aprender novas informações e competências, procurando e aproveitando todas as oportunidades para o fazer.

Emmons cita também um estudo realizado em 2015, e muito mediatizado na altura, que concluía que das 24 forças de carácter identificadas, a paixão por aprender a e a gratidão constituem os mais importantes traços para se atingir o tão almejado bem-estar. Adicionalmente, e num novo modelo organizacional proposto por Willibald Ruch e a sua equipa, da Universidade de Zurique, os membros de uma equipa foram categorizados mediante sete papéis por excelência: o criador de ideias, o coleccionador de informação, o decisor, o implementador, o influenciador, o energizador e o gestor de relacionamentos. E concluíram que as melhores pessoas para ocuparem o “cargo” de criadores de ideias são as pessoas gratas, sendo estas mais bem-sucedidas em desenvolver novas e inovadoras ideias, para além de demonstrarem maior capacidade de chegarem a conclusões ou soluções pouco convencionais.

Para Emmons e para todos os cientistas sociais que investigam o bem da gratidão, existem muitas outras consequências positivas para os que a praticam. E, tal como escreve no “The Little Book of Gratitude”, esta é a “substância que maior ‘propensão’ tem para melhorar a performance”.

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