No rescaldo da eleição de Trump e do Brexit, as razões para se mudar de país já não são só, como há alguns anos, a crise económica ou o desemprego. Passam agora também por querer integrar uma sociedade liberal, tolerante, socialmente evoluída. Foi lançado o ranking dos países mais liberais do mundo, construído a partir dos resultados de três relatórios internacionais sobre progresso social, desempenho ambiental e igualdade de género, e Portugal é um dos melhores países para se viver em 2017, destacando-se em 12º lugar, entre 117 países
POR GABRIELA COSTA

“O progresso social depende das escolhas de políticas, investimentos e capacidades de implementação de múltiplos actores – governo, sociedade civil e empresas” – Michael Porter, economista e professor da Harvard Business School

No actual contexto global de incerteza económica e social, em muito agravado pela agitação política gerada pelos dois acontecimentos do ano, em 2016 – o Brexit e a eleição de Trump – um dos grandes desafios que a humanidade enfrenta é encontrar soluções urgentes para construir economias prósperas e sociedades inclusivas.

A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos e a decisão dos britânicos de votarem ‘sim’ no referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, no mesmo ano em que várias forças políticas extremadas ganham terreno em território europeu, trazem para 2017 um legado de tensão que está a abalar a ordem mundial (num ano que será também marcado por acontecimentos políticos de relevo, como as eleições em França e na Alemanha).

Nas sociedades de hoje, a insegurança quanto ao futuro tornou-se na maior probabilidade, e a tolerância parece já não ser um valor prioritário, mas muitas nações esforçam-se por evoluir enquanto países liberais, progressivos, tolerantes e sustentáveis.

Quais são, então, os países mais liberais do mundo e, consequentemente, os melhores para se viver? A pensar naqueles que, “tal como muitas outras pessoas, na América de Trump ou na Inglaterra do pós-Brexit, se sentem desligados dos seus concidadãos e inseguros em relação ao seu futuro no actual pais de residência, e querem considerar outras opções”, o site MoveHub, especializado em informações para quem se quer deslocar para o estrangeiro e mudar de país, criou um ranking das nações que têm as sociedades mais liberais, em 2017.

[quote_center]A Islândia é o país mais liberal do planeta, distinguindo-se como a nação mais tolerante, evoluída e amiga do ambiente[/quote_center]

A tabela, que abrange 117 países, posiciona Portugal como uma das melhores nações para se viver, nesta perspectiva: o nosso País ocupa o 12º lugar, à frente da Alemanha, da França, de Espanha e dos EUA, por exemplo, na lista liderada pela Islândia e cujo top 10 é dominado pelos países da Escandinávia. Na cauda do ranking dos países mais tolerantes e socialmente liberais estão várias nações de África e do Médio Oriente.

Para elaborar esta lista internacional exclusiva, o MoveHub cruzou os dados de três estudos distintos realizados em 2016: o Índice de Progresso Social (que mede dezenas de categorias como a tolerância religiosa e à comunidade LGBT, a liberdade de imprensa, o acesso a habitação económica e o acesso a educação), o Índice de Desempenho Ambiental da Universidade de Yale (que avalia os factores da economia ambiental prioritários para a protecção da saúde humana e dos ecossistemas, como a poluição do ar, a qualidade da água e dos solos e a reciclagem) e o Relatório Global sobre disparidade de género do Fórum Económico Mundial (que compara os níveis de igualdade de género na educação e no emprego). Factores como os direitos das minorias, a segurança individual ou a performance em termos de ambiente são assim considerados para eleger as nações socialmente mais liberais, isto é, as mais livres, tolerantes e evoluídas em todo o planeta.


A lição da Escandinávia sobre um ideal

A Islândia é o país mais liberal do planeta, distinguindo-se como a nação mais tolerante, evoluída e amiga do ambiente, e a mais próxima de chegar à igualdade. Com uma pequena população de 330 mil habitantes, a ‘terra do gelo e do fogo’ é a que melhores resultados apresenta, em termos de igualdade de género, com a mais baixa diferença salarial entre homens e mulheres, em todo o mundo. Adicionalmente, cerca de 85% da energia na Islândia provém de fontes renováveis, o que garante baixos níveis de poluição, tornando esta nação numa das mais eco-friendly.

Em segundo lugar, no ranking dos Países Mais Liberais em 2017, está a Finlândia que, não integrando o conjunto mais estrito de países escandinavos, acompanha o desempenho dos países nórdicos vizinhos. Destaca-se pelos altos níveis de segurança e saúde que regista.

No ideal de utopia liberal da Escandinávia segue-se a Suécia, na terceira posição da tabela do MoveHub, também por se destacar nas questões de igualdade de género, em relação às quais alcançou o quarto lugar no relatório de 2016 do FEM. De sublinhar que, em Setembro último, o governo sueco atingiu os objectivos propostos para esta área em 1998, conseguindo que 50% do total de colaboradores nas direcções das agências governamentais sejam mulheres.

Em quarto lugar na análise, a Noruega marca pontos na educação, na saúde e no que respeita a liberdade imprensa, áreas em que obteve classificações elevadas no Social Progress Index (SPI 2016). Já em quinto está a Nova Zelândia, que conquista esta posição graças ao seu inigualável ecossistema, bem como às fortes políticas de protecção do mesmo que o país pratica.

[quote_center]Qualidade ambiental, acesso à educação e bons níveis de tolerância fazem de Portugal um dos melhores países para se viver[/quote_center]

Na lista dos Países Mais Liberais em 2017, seguem-se a Eslovénia, em 6º lugar (pelos seus padrões ambientais e liberdade de imprensa), a Suíça em 7º (pelos seus índices de prosperidade e desempenho no SPI 2016), a Dinamarca em 8º (por ser um país acolhedor e pontuar bem em competitividade, progresso social e educação), e a Irlanda, em 9º lugar (pelos seus níveis de acesso a educação, particularmente no ensino superior).

Atendendo aos resultados do Brexit, o Reino Unido alcança uma surpreendente 10ª posição, na opinião da imprensa internacional e da equipa do MoveHub que conduziu esta análise. Pois a verdade é que o país conseguiu pontuar no top dos rankings de direitos humanos, de segurança, de tolerância e de inclusão. O que lhe permitiu ficar 11 posições à frente dos EUA, na tabela deste site.

Já Portugal conquista um admirável 12º lugar, entre 117 países, logo a seguir ao Canadá, em 11º, e à frente de países como a Alemanha, logo a seguir na 13ª posição, a França, na 16ª, a Espanha, em vigésimo, ou os EUA, no 21º lugar do ranking.

No último lugar da tabela – a 117ª posição – está um país em guerra civil, o Iémen, onde 370 mil crianças estão em risco de morrer à fome e mais de dois milhões não vão à escola por causa da guerra, de acordo com as Nações Unidas. Do top 10 dos países menos liberais fazem ainda parte, e por esta ordem, o Mali, o Irão, o Paquistão, o Chade, o Egipto, a Arábia Saudita, o Líbano, a Suazilândia e a Etiópia. De referir que Angola é a 106ª nação menos liberal do ranking de 117 países, que deixa de fora países como Cuba, Congo, Iraque, Líbia, Síria, Sudão ou Zâmbia, por não existirem dados disponíveis sobre eles nos três relatórios internacionais que serviram de fonte para esta análise que traça uma percepção sobre as liberdades sociais dos países.

Quanto aos resultados, agora divulgados, é de sublinhar que, apesar de ser pouco expectável, países com grandes dificuldades económicas conseguem ocupar um lugar cimeiro entre os mais liberais. É o caso da Namíbia que, com fortes índices de desemprego e uma população cuja maioria vive abaixo do limiar da pobreza, atinge a 25ª posição da lista do MoveHub, por garantir aos seus habitantes mais direitos do que outras nações com o mesmo PIB per capita.

Portugal Liberal: um dos melhores países para se viver

Qualidade ambiental, acesso à educação, bons níveis de tolerância. O nosso país foi valorizado no ranking dos Países Mais Liberais como um dos melhores países para se viver graças ao bom desempenho nestes três factores, comparativamente a muitos outros países que têm um PIB semelhante. Isto entre outros critérios avaliados nos relatórios sobre progresso social, ambiente e diferenças de género, em que também se destacou pela positiva.

O 12º lugar é garantido por Portugal com elogios internacionais, já que se posiciona à frente de muitos outros países europeus, como referido, apesar de a economia nacional estar ainda a batalhar para recuperar da crise económica e financeira.

E para compreendermos melhor este resultado é útil analisarmos o comportamento do País num dos mais importantes relatórios que esteve na base da tabela definida pelo MoveHub: o Índice de Progresso Social da rede global Social Progress Imperative, que advoga o progresso social como uma medida de desenvolvimento tão ou mais importante que a prosperidade económica.

Segundo este ranking global, que não integra indicadores económicos mas exclusivamente sociais e ambientais, e pretende ser um complemento ao PIB, com vista a determinar o progresso social dos países, Portugal é a 21ª nação mais desenvolvida, entre mais de 130 países. Apresentados em Lisboa em Outubro do ano passado, os resultados do Social Progress Index em 2016 revelam que o nosso país está relativamente bem posicionado nesta matéria, ocupando a 21ª posição, pouco atrás de países como os Estados Unidos (na 19ª posição), a França (na 18ª), Espanha (na 17ª) ou até a Alemanha (na 15ª), e à frente de uma potência económica como Itália, em 24º lugar.

Numa pontuação de zero a 100, Portugal alcança 83,88 pontos no seu desempenho geral em termos de progresso social. Mas apesar de uma melhoria face aos 81,91 pontos registados na primeira edição do índice, em 2015, o País desceu três posições no ranking, face ao 18º lugar que ocupava no ano passado.

[quote_center]Criar uma sociedade com oportunidades para todos continua a ser um objectivo que muitas nações falham[/quote_center]

No que respeita as três dimensões de progresso social definidas – Necessidades Humanas Básicas, Bem-estar e Oportunidades – e as suas múltiplas componentes – Nutrição e Cuidados Médicos Básicos, Água e Saneamento, Alojamento, e Segurança Pessoal; Acesso a Conhecimentos Básicos, Acesso a Informação e Comunicações, Saúde e Bem-Estar, e Qualidade Ambiental; e Direitos Individuais, Liberdade Pessoal e de Escolha, Tolerância e Inclusão, e Acesso a Educação Superior -, avaliadas através de um conjunto de 53 indicadores, os resultados obtidos pelo nosso país são, igualmente, surpreendentes: 93,14 pontos em Necessidades Básicas e 84,17 em Bem-estar, alcançando a 19ª posição em ambas as dimensões da análise, e 74,34 pontos em Oportunidades, onde regista a 23ª melhor posição do estudo.

Enquanto na dimensão de Necessidades Humanas Básicas Portugal tem melhor desempenho em Água e Saneamento e tem oportunidade para melhorar em Habitação, na dimensão de Bem-Estar regista melhores resultados em Acesso a Conhecimentos Básicos mas uma pontuação baixa na componente de Saúde e Bem-Estar. Já na dimensão de Oportunidades, Portugal é forte em Direitos Individuais e Liberdade de Escolha mas tem de melhorar no Acesso ao Ensino Superior.

Comparativamente à superpotência americana, por exemplo, Portugal “tem feito um bom trabalho”, ao contrário dos EUA, que têm um maior PIB per capita, o que significa que este país não conseguiu “reverter o PIB em progresso social”, como concluiu, na apresentação dos resultados do SPI 2016 em Lisboa, o director executivo do SPI,
Michael Green.


Se o mundo fosse um país era bem pouco evoluído

Na opinião de Michael Green o bom desempenho do nosso país nesta matéria, especialmente visível em indicadores sobre tolerância, inclusão e liberdade individual, é “um pouco raro, especialmente em países desenvolvidos”.

Mas a liderar o top 10 do ranking está a Finlândia, com 90,09 pontos, seguida de outros tantos países desenvolvidos: Canadá, Dinamarca, Austrália, Suíça, Suécia, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Irlanda do Norte, e Islândia. E nos piores lugares com pontuação calculada (a lista inclui ainda países que não dispõem de dados em todos os indicadores) estão nações pobres ou com grandes dificuldades económicas, sociais e políticas, como a República Centro-Africana (na 133ª posição, a última, com 30,03 pontos), o Afeganistão, Chade, Angola, Nigéria, Guiné, Iémen, Etiópia, Serra Leoa e Libéria.

Em termos globais, se o mundo fosse um país, o seu resultado nesta última edição do Social Progress Index seria de 62,88 pontos (em 100), bem abaixo do alcançado por Portugal, e pontuando entre o Quirguistão e a Mongólia, o que confirma, tal como em 2015, “diferenças surpreendentes entre os países nos seus desempenhos sociais gerais”. Analisando esta média pelas dimensões e componentes de progresso social, verifica-se uma ampla variação no desempenho dos países nos diversos critérios: a média mundial regista 73,17 pontos na dimensão Necessidades Humanas Básicas e 67,24 pontos na dimensão Bem-Estar, mas apenas 48,24 na dimensão Oportunidades, o que permite concluir que “criar uma sociedade com oportunidades para todos os cidadãos continua a ser um objectivo que muitas nações falharam”.

Conclui-se ainda que há uma correlação entre o nível de desenvolvimento económico e o progresso social, mas essa correspondência “nem sempre é linear”, já que os rendimentos de um país nem sempre reflectem o seu nível de progresso social, especialmente nos países com rendimentos baixos ou médios.

O Índice de Progresso Social “vem redefinir a forma como é medido o progresso”, dando prioridade às questões com mais impacto nas sociedades e na vida das pessoas, divulga a Social Progress Imperative. Com recurso aos dados disponibilizados no relatório anual, os vários países, de todos os níveis de desenvolvimento, podem avaliar o seu desempenho e definir prioridades a partir de uma abordagem ao desenvolvimento social que identifica áreas prioritárias e de investimento, tendo em vista o bem-estar humano.

Juntamente com o Índice de Desempenho Ambiental de Yale e o relatório sobre Disparidade de Género do FEM, este indicador do progresso permitiu traçar o retrato dos países mais liberais para se viver, num altura em que as expectativas sobre a nova presidência norte-americana (escolhida por um povo que atribui o menor índice de popularidade dos últimos 40 anos ao presidente eleito), o imprevisto sim dos britânicos à saída da União Europeia, e o agudizar de extremismos e radicalismos políticos e religiosos num contexto de crescentes conflitos e crises humanitárias, são de preocupação e incerteza.

O site de dicas para emigrantes quer, com esta iniciativa, não só disponibilizar um guia para quem deseja partir e ir viver para um país socialmente mais liberal do que o seu, mas também alertar para a actual situação mundial e “recomendar aos países mais liberais que acompanhem com dinamismo” a eleição de Donald Trump e o resultado do referendo do Brexit.


Os 15 Países Mais Liberais

  1. Islândia
  2. Finlândia
  3. Suécia
  4. Noruega
  5. Nova Zelândia
  6. Eslovénia
  7. Suíça
  8. Dinamarca
  9. Irlanda
  10. Reino Unido
  11. Canadá
  12. Portugal
  13. Alemanha
  14. Letónia
  15. Austrália

Os 15 Países Menos Liberais

  1. Iémen
  2. Mali
  3. Irão
  4. Paquistão
  5. Chade
  6. Egipto
  7. Arábia Saudita
  8. Líbano
  9. Suazilândia
  10. Etiópia
  11. Nepal
  12. Angola
  13. Bangladesh
  14. Kuwait
  15. Libéria