Uma ferramenta de expressão individual e de organização colectiva. A maior revolução comportamental do século XXI. Um segundo sistema nervoso que emite os nossos pensamentos e sentimentos para toda web. Sim, o Facebook pode ser tudo isto e muito mais, e a verdade é que depois de ter conseguido tornar real o vaticínio que fez em 2005 – um dia, será o primeiro local visitado pelas pessoas quando estas acordam e o último que vêem antes de ir dormir”, Mark Zuckerberg preparara agora a maior entrada em bolsa da história da Internet. E com “gostos” suficientes
POR HELENA OLIVEIRA

“Não construímos serviços para ganhar dinheiro. Ganhamos dinheiro para construir melhores serviços”.

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Esta é uma das frases que consta na carta enviada aos investidores pelo fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, a propósito da entrega de documentos para a entrada em bolsa da mais famosa rede social do mundo, três dias antes da comemoração do seu 8º aniversário que se realizou no passado sábado, dia 4 de Fevereiro.

A notícia teve honras de destaque em toda a imprensa, não só pelos números revelados relacionados com a sua actividade mas, também, pelo simbolismo que representa. De acordo com os dados divulgados, o Facebook poderá angariar cerca de 10 mil milhões de dólares com a venda de acções, o que, segundo as estimativas, poderá valorizar a empresa entre os 75 e os 100 mil milhões de dólares. Esta será igualmente a maior IPO na história da Internet, destituindo a Google e, mesmo que não corra tão bem quanto o previsto, o Facebook será mais valioso que a Disney (valorizada em 70 mil milhões), por exemplo. De acordo com informações reveladas pela empresa, esta gerou, o ano passado, 3,7 mil milhões de dólares em receitas e mil milhões em lucros líquidos. Nada mau para uma empresa que começou a despertar num dormitório universitário.

A carta aos investidores (e tornada imediatamente pública) começa por explicar aos seus leitores que “o Facebook não foi originalmente criado para ser uma empresa, mas sim para alcançar uma missão social – para fazer do mundo um local mais aberto e ligado”.

Se esquecermos o pormenor de que o Facebook foi criado no dormitório de Zuckerberg em Harvard, como uma listagem de fotografias das “miúdas giras” da universidade, as quais eram pontuadas de acordo com os seus atributos, há que admitir que a missão original clamada pelo fundador foi atingida: o mundo realmente ficou mais amplo, pelo menos para cerca de 845 milhões de utilizadores activos – o que corresponde a cerca de metade dos estimados dois mil milhões de utilizadores de Internet em todo o mundo – mas também mais ligado: na carta, o fundador afirma que, até agora, 100 mil milhões de relacionamentos foram “atingidos” através da sua plataforma.

Zuckerberg afirma ainda que ao ajudar as pessoas a estabelecer novas ligações, “esperamos conseguir reformular a forma como se dissemina e se consome a informação (…) substituindo a estrutura actual, monolítica, do topo para as bases (…), o que nos faz acreditar que o facto de darmos controlo às pessoas sobre aquilo que partilham constitui um princípio fundamental para esta reformulação”. Um mundo mais aberto e ligado? Sem dúvida, como nunca tinha acontecido até agora.

Um marco histórico na evolução da web
Se bem que tenham passado ainda relativamente poucos anos, a história da Internet ficará para sempre marcada pela ascensão da web social. Numa primeira fase, o mundo rendeu-se ao manancial de informação disponível na Internet, sob a forma de portais agregadores, na qual gigantes como a America Online ou o Yahoo! serviam como os grandes repositórios de conhecimento e, ao mesmo tempo, como importantes comunidades centralizadas. Com os motores de busca e, muito em particular, o Google, uma nova revolução se fez sentir: o poderoso motor de busca permitiu o acesso democratizado à informação, apesar de a experiência continuar a ser um acto muito individual. Entretanto, e com a explosão dos blogues, o cidadão digital começou a poder dizer de sua justiça e as “vozes” começaram a inundar a Net. Todavia, foi com a emergência das redes sociais, como o Friendster ou o MySpace e, finalmente, o Facebook, que se abriu caminho para as plataformas de interacção social, as quais acabaram por transformar o mundo online (e consequentemente o offline também) numa imensa praça pública.

O fenómeno chamado Facebook cedo encantou os indivíduos. Para os que não gostam de anonimato (e também para os que a ele recorrem), esta rede social permitiu-lhes criar e partilhar a sua identidade única, fazer parte de uma enorme “família” que, em muitos casos, vive mais tempo na rede do que no mundo real. Mas e preocupações sociológicas à parte, a verdade é que o sucesso do Facebook é prova inequívoca do poder da Internet como uma força avassaladora de interacção social e, ao longo dos últimos tempos, um símbolo de mudança sociocultural e também política.

De uma forma resumida, existem três características inerentes a esta nova força social: é democrática, na medida em que toda a gente, pelos menos os que vivem no mundo livre, tem acesso à mesma Internet; obedece a critérios de meritocracia, dado que o sucesso na plataforma tem origem nas ideias de cada um e não obedece às categorias tradicionais de riqueza ou estatuto social; e é viral, porque permite que uma boa ideia (bem, em alguns casos, o mesmo acontece com as ideias perigosas) se dissemine à velocidade da luz, chegando a milhares ou milhões de pessoas.

Um dos fenómenos que mais se tem enraizado nos utilizadores das redes sociais (não só no Facebook, como no Twitter) nos últimos tempos, e que teve como expoente máximo a Primavera Árabe e também a o movimento Occupy Wall Street, é o facto de estas se estarem a tornar cada vez mais políticas. O poder do Facebook enquanto ferramenta social e política permitiu derrubar ditadores no Egipto e na Tunísia, os activistas nos Estados Unidos conseguiram colocar, em ano de eleições, a crescente desigualdade entre ricos e pobres na agenda dos candidatos e, mais recentemente, a campanha viral contra as leis anti-pirataria nos Estados Unidos teve um “palco” tão cheio que os próprios legisladores acabaram por retroceder nas suas propostas.

De acordo com um estudo recentemente divulgado pela Pew Internet Research, os utilizadores do Facebook que mais amigos têm, que são identificados no maior número de fotos e recebem mais posts nos seus murais, são os que mais tendências revelam para participar em reuniões políticas no mundo real. Mais ainda e de acordo com o relatório citado, aqueles que mais utilizam a possibilidade de criação de “grupos” são também os que mais facilidade têm em convencer outros amigos do Facebook a votar em certos candidatos (a Pew desenvolveu este inquérito em plena campanha para as eleições primárias nos Estados Unidos).

Faz sentido que um padrão vincado de envolvimento se estenda para além das fronteiras do mundo digital representado pela rainha das redes e que tenha impacto no mundo real. E isso já era uma verdade antes de existir o Facebook – as pessoas com maiores facilidades de socialização e mais empenhadas sempre obtiveram níveis mais elevados de participação cívica. Mas exactamente devido ao facto de muitas destas pessoas utilizarem o seu tempo no Facebook para comunicarem e se fazerem ouvir, a rede social está a ganhar uma importância cada vez mais significativa nas campanhas eleitorais.

Por outro lado, o estudo da Pew revela mais um dado interessante que pode atenuar uma das preocupações naturais relativamente ao sucesso da IPO do Facebook: não existe qualquer evidência de “fadiga” nesta rede social. Pelo contrário, os utilizadores que utilizam o Facebook há mais tempo, estão cada vez mais activos. E o mesmo acontece com aqueles que coleccionam o maior número de amigos.

Uma outra realidade desta praça pública virtual está relacionada, como não poderia deixar de ser, com os negócios. O sucesso comercial do Facebook ficará marcado pela emergência de negócios completamente novos, como uma plataforma poderosa para o empreendedorismo, nomeadamente o social, mas também como montra obrigatória para empresas já estabelecidas que encontraram uma poderosa e pouco dispendiosa forma inovadora de se relacionarem com os seus clientes. Por outro lado, e também para bem do mundo, o facto de viverem neste espaço “envidraçado”, obriga-as a serem muito mais transparentes e a levarem mais a sério as suas verdadeiras iniciativas de responsabilidade social.

Zuckerberg, o fundador fiel a si mesmo
A vida ainda curta do Facebook já foi alvo, e por diversas vezes, de polémicas, principalmente no que respeita à ténue linha existente entre o público e o privado. Para muitos analistas, as redes sociais, entre as quais esta mais se destaca, constituem a mais importante revolução comportamental do século XXI. Em 2010, a Time apelidava o Facebook como um “pacemaker virtual” que definia o ritmo dos batimentos da nossa vida virtual. A questão da privacidade foi, por inúmeras vezes debatida e, numa entrevista concedida à revista Fast Company, em 2007, Mark Zuckerberg afirmava que“ a forma como as pessoas pensam sobre a privacidade está a sofrer algumas alterações”. O que Zuckerberg defendia é que as pessoas não pretendem ter uma privacidade total, nem, por outro lado, um secretismo completo. “O que pretendem é poder controlar aquilo que querem e o que não querem partilhar”. Mais ainda, o fundador e CEO sempre afirmou querer ir ainda mais longe e transformar o Facebook num “segundo sistema nervoso que emite os nossos pensamentos e sentimentos para toda web”.

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Ora, Zuckerberg parece estar cada vez mais perto do seu grande objectivo e a anunciada IPO parece ter-lhe dado razão. Se muitos apostavam que o miúdo que uma noite “inventou” o Facebook entre uma discussão com a namorada e umas cervejas, não iria longe, a verdade é que todos os dados indicam o contrário. Mais ainda, a juventude do mesmo trazia preocupações em termos de liderança do projecto. Mas e desde que deixou Harvard, o outrora anti-social jovem Zuckerberg rapidamente entrou para a lista dos mais ricos do mundo – este ano ocupou o 14º lugar na lista da Forbes para os Estados Unidos e o 52º a nível mundial – e apesar de, à semelhança do que aconteceu com Steve Jobs, ter já anunciado que o seu salário passará a ser de um dólar, a sua fortuna ronda os 18 mil milhões de dólares. Como escrevia o The New York Times na passada semana, a vida de Mark Zuckerberg desde que criou o Facebook tem-se pautado por duas obsessões: pelo Facebook e por se manter o “patrão” do Facebook.

A sua crença inabalável, desde o início, do gigantesco potencial inerente à rede social que criou, tem resistido a tudo e a todos. A equipa que o acompanha é continuamente estimulada para trabalhar depressa e correr riscos, e Zuckerberg sempre resistiu às críticas e às sugestões para alterar o funcionamento da rede, mesmo que no início isso tivesse representado uma ausência preocupante de receitas. E a sua receita tem sido, precisamente, recheada dos mesmos ingredientes desde o início, apenas refinados com a experiência: o fundador quer permanecer no comando, evitar potenciais predadores e expandir a empresa de uma forma tão rápida que ninguém tenha a possibilidade de o desafiar.

Tanto assim é que, antes de se lançar nas novas aventuras bolsistas, o jovem de 27 anos preparou muito bem o seu papel presente e futuro. Zuckerberg é dono de mais de um quarto das acções da empresa (mais precisamente, 28,4%), mas conseguiu assegurar direitos especiais com os demais investidores que lhe conferem o poder de voto no que respeita a quase 60% do total de acções. O presidente e CEO tem ainda o poder de escolha na nomeação do conselho de administração, a prevalência sobre as decisões de gestão da empresa e garante ainda a sua participação activa na mesma até à sua morte, de acordo com a Bloomberg.

Comparativamente a outras grandes histórias de entrada em bolsa por parte de empresas tecnológicas, o controlo efectivo de poder anunciado por Zuckerberg é superior, por exemplo, ao de Bill Gates quando, em 1986, cotou a Microsoft em bolsa (com um controlo de 49% das acções) e muitíssimo superior ao dos dois co-fundadores da Google que, em 2004, quando a empresa se estreou em bolsa controlavam apenas 16%, cada um, do total das acções. O que, para os padrões da normalidade defendidos pelos veteranos de Silicon Valley, é uma jogada ambiciosa e não conforme com a tradição (geralmente, a estreia em bolsa implica uma menor quota de acções por parte do fundador) e que deixa aos investidores muito pouco espaço de manobra para opinarem sobre a direcção futura da empresa.

Citado também pelo The New York Times, Charles M.Elson, um professor de corporate governance na Universidade de Dellaware, afirma que esta posição de Zuckerberg significa que ele está disposto a aceitar o dinheiro dos investidores, mas não a sua participação. “O que torna sem significado a noção de democracia no investimento”, acrescenta.

Zuckerberg não parece estar minimamente incomodado com as críticas. Rodeado por grandes e esfaimados investidores, sempre à procura dos conselhos das pessoas mais versadas sobre o assunto, com uma equipa apaixonada e composta por alguns dos melhores do mundo (mais uma vez, as similitudes com a forma de liderar de Steve Jobs tornam-se visíveis) e empenhado em manter-se à frente dos destinos da maior rede social do mundo, Zuckerberg pode ainda gabar-se de ter tornado real um vaticínio feito em 2005, na altura em que o Facebook era apenas uma rede social para estudantes: “um dia, o Facebook será o primeiro local visitado pelas pessoas quando estas acordam e o último que vêem antes de ir dormir”. E, na verdade, para milhões de pessoas, esse dia já chegou.

 

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