Intencionalmente provocadora, esta foi a “pergunta-ignição” do Fórum Interactive Cities – URBACT, organizado pela Rede DBLC e que juntou em Lisboa quatro novas plataformas online de participação democrática, algumas já activas, outras em incubação.  O debate contou ainda, e em jeito de contraponto, com representantes de plataformas que actuam no terreno junto das comunidades e associações locais, sendo que a resposta à questão inicial foi praticamente unânime: a complementaridade é, mesmo, o caminho
POR TIAGO CARVALHO e HELENA GATA

“Serão as plataformas de interactividade e participação democrática online e as plataformas de acção no terreno complementares ou antagónicas? “A pergunta-ignição do Fórum Interactive Cities – URBACT era intencionalmente provocadora. Salva uma ou outra ressalva, os convidados e as convidadas afinaram pelo mesmo diapasão: a complementaridade é o caminho.

“Queremos aprender convosco”. Eis uma ideia que traduz o espírito de abertura que dominou o fórum desta manhã e que foi repetida por vários intervenientes ao longo da conversa-debate que teve lugar no Auditório Fernando Pessa da Casa dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa.

Manuel Pereira, gestor de projectos da associação de regeneração urbana Rés do Chão, começou por lembrar que não estava a intervir num “Prós e Contras”, mesmo que de um lado estivessem alinhados os representantes das plataformas on-line e do outro os agentes on-action.

Por sua vez, Nicole Figueiredo, gestora de projectos no CLIP, verbalizou, depois de ouvir os seus advogados de defesa, as possibilidades que as plataformas GivetoU e MyPolis podem abrir junto das associações que esta “plataforma de fortalecimento da sociedade civil” ajuda a capacitar na Alta de Lisboa. Curiosamente, mais à frente, Cristiano Viegas, co-fundador da GivetoU, admitiria que o CLIP serviu de inspiração à sua ideia digital.

Já Rita Wengorovius, coordenadora de projectos artísticos e comunitários do Teatro Umano, elogiou o facto de a Mypolis querer colocar a geração millenium a recolher no terreno junto dos idosos ideias para optimizar a plataforma, mas alerta para os mitos em torno das gerações mais velhas: os idosos com quem tem trabalhado desejam muito aprender e utilizar plataformas online e “têm tempo”.

Novas plataformas da e para a sociedade civil à distância de um click:  Mypolis, a GivetoU e a Lett Labs

Agraciado recentemente com o prémio de Democracia Digital da Representação Portuguesa na Comissão Europeia, Bernardo Gonçalves começa por apresentar a incumbente MyPolis de forma inusitada:”Este é o Fernando e este é o Júlio”.

Atrás deste nativo digital de 25 anos vemos uma fotografia do presidente da Câmara de Lisboa, lado a lado com a imagem de um millenium. As diferenças como o Júlio e o Fernando comunicam e percepcionam a participação política são assinaladas com a propriedade de quem conhece bem a sua geração.

Foi precisamente este fosso entre políticos profissionais e cidadãos como o Júlio, além da tendência “preocupante” da abstenção nos altos eleitorais em Portugal, que levou este consultor a despedir-se do seu anterior emprego para abraçar este projecto com uma “equipa multidisciplinar” de “jovens apaixonados por política” e adeptos das novas tecnologias. No terreno, ao apresentar o potencial da plataforma a agentes do poder local, tem “aprendido” e, contra as suas piores expectativas, encontrado interesse do outro lado. Um dos objectivos, depois do poder local, é “vender” a myPolis ao governo central.

Pedro Freire, co-fundador da cooperativa Milacessos e co-coordenador do consórcio LETT Labs, veio apresentar uma plataforma colaborativa online, dando destaque à secção do site reservada ao caso da Costa do Castelo, bairro cuja comunidade tem-se confrontado nos últimos anos com o fenómeno da gentrificação. Nesta secção podemos aceder a dados recolhidos no terreno e a uma subsequente análise por este consórcio financiado pelo fundo europeu Horizonte 2020. O propósito desta plataforma é claro: “desenvolver laboratórios-piloto para encontrar soluções de compromisso que potenciem o turismo como motor de desenvolvimento local”. “Há pessoas que têm medo de sair de casa para conviver, para tomar café”. É importante, por isso, alcançar um equilíbrio entre o turismo e coesão da comunidade local, defende.

Já a GivetoU, plataforma que visa alavancar projectos de crowdfunding, angariação de fundos e donativos e gestão de voluntariado, foi apresentada pelo seu co-fundador Cristiano Viegas como uma ferramenta “simples” e “multilingue” que se dirige às organizações do sector da Economia Social e a empreendedores sociais, “co-desenhada” com estes agentes no sentido de, em última instância, “entregar [os frutos da plataforma] da melhor forma ao cidadão”.

Neste portal, exemplifica, “a comunidade valida a qualidade das organizações” que têm um perfil na página. Aqui as organizações e actores do sector da Economia Social vão criando uma reputação. De acordo com ela, o potencial doador decide qual das organizações merece o seu contributo. Outra ideia, plasmada no nome da plataforma e que Cristiano gostaria de ver aplicada era o “dar de volta”: “Quem recebe uma cadeira [de um doador], pode tirar uma fotografia da cadeira na sua casa” e publicitá-la na plataforma, com a devida reserva da identidade. A transparência dos agentes sociais e a gestão de impacto são duas das matérias a que a Givetou quer dar especial relevo.

Nesta sessão organizada pela Rede DLBC Lisboa – Associação para o Desenvolvimento Local de Base Comunitária de Lisboa no fecho do projecto “Interactive Cities” do Programa URBACT, Helena Gata, directora executiva da Rede, apresentou a Decidimos Lisboa, uma plataforma de participação cívica em incubação que pretende dar resposta às necessidades e preocupações dos associados da rede registadas e recolhidas em focus group.

Como conectar e “combinar” os terrenos offline e online

A meio da conversa-debate, Nicole Figueiredo já está a magicar e a partilhar sinergias possíveis entre o CLIP e os representantes das plataformas presentes. Não querendo que os dirigentes associativos que integram a rede do CLIP deixem de participar nas reuniões da rede procura, junto dos seus interlocutores, alternativas que possam diminuir as ausências de alguns associados nestes encontros. Para troca, oferece aos interlocutores a disponibilidade para partilhar a experiência do CLIP na concepção e activação de uma moeda virtual chamada precisamente Clip.

Especialista em teatro social e com uma longa experiência em intervenções culturais em territórios BIP/ZIP com o Teatro Umano, Rita Wengorovius lança algumas provocações para o debate. “Todos somos actores sociais”, do pobre ao rico, dos infoexcluídos aos infoincluídos, dos idosos que recebem o seu teatro ao domicílio aos miúdos que só participam em dada peça se esta for filmada e posteriormente partilhada nas redes sociais. Outra opinião forte da sua lavra: todos os territórios, mais ou menos desfavorecidos, deveriam ter uma intervenção cultural prioritária. No final, pede que as plataformas digitais sejam intuitivas e de fácil acesso, revelando interesse em colaborar com alguns interlocutores tecnológicos. Sublinha, antes de acabar que não se perca, quer offline, quer online “o toque” e “o olhar” – para com o outro e a comunidade.

Na mesma linha, Manuel Pereira, da Rés-do-chão, defende a “combinação” dos meios virtual e físico no desenvolvimento de soluções de cidadania participativa e uma democracia digital mais exigente do que um click no botão do “like”. Antropólogo de formação e em tempos consultor no Centro de Inovação da Mouraria, acredita que uma plataforma digital nunca substituirá as plataformas no terreno. Os empreendedores digitais presentes não contrapõem, assentem.

Próximo passo: Um Observatório para a cidade de Lisboa?

A abrir a sessão, a arquitecta, urbanista e doutoranda em Arquitectura Digital no ISCTE Ana Carolina Farias veio à Casa dos Direitos Sociais revelar como está a ser “costurado” um Observatório Territorial para avaliar e intervir na “caixa de ferramentas” BIP/ZIP, uma “semente” de desenvolvimento local que é preciso cuidar e “regar melhor”.

E porquê e para quê um Observatório? “Falta avaliar os efeitos já provocados no território” ao longo dos oito anos do programa de financiamento, de acordo com a investigadora e co-fundadora da Sobreurbana, no Brasil, estúdio de urbanismo colaborativo.

Ana Carolina defende a partilha de experiências e aprendizados entre todos os actores envolvidos, a monitorização em tempo real dos projectos e a produção de indicadores, bem como a edição de mapas temáticos e a capacitação para a elaboração e realização dos projectos.

Como académica e apostada na transformação social, interessa-lhe “produzir conhecimento diante as necessidades percebidas” e “antecipar ideias, questões e soluções, abrir caminhos futuros”. “Actualizar o BIP/ZIP” – até porque o BIP/ZIP em 2018 já não é o BIP/ZIP de 2011 – é um dos desafios que lança à Câmara Municipal de Lisboa, representada no fórum por Rui Franco, vereador substituto do Pelouro da Habitação e Desenvolvimento Local e também presidente da Rede DLBC Lisboa.

Numa sessão muito participada por associados da Rede DLBC Lisboa e outros agentes da Economia Sociala trabalhar em territórios BIP/ZIP foram levantadas várias questões sobre o observatório em incubação, desde a dependência da Câmara Municipal para a “produção de conhecimento” à medição da participação das comunidades in loco.


Contexto do Projeto Interactive Cities – Urbact

No âmbito da sua participação no Projecto Interactive Cities– Urbact, a REDE DLBC Lisboa desenvolveu uma plataforma digital que visa promover a governação colaborativa e estimular a participação cívicaatravés de processos interactivos – Fóruns, Debates, Webinars, sistema de votação, entre outros, disseminando informações produzidas pela REDE DLBC Lisboa e as Organizações Associadas, Organizações Locais, Instituições Públicas e Privadas e Cidadãos.

Para a construção desta plataforma, a Rede DLBC Lisboa realizou um diagnóstico com base em duas acções: a) um benchmarkingfocado na identificação de boas práticas no desenvolvimento de plataformas online cujos objectivos se assemelham às da REDE DLBC Lisboa e dos seus parceiros, ou seja, criar uma plataforma que promova a comunicação, colaboração governativa e envolvimento das comunidades na resolução dos problemas sociais existentes nas suas comunidades. De forma a garantir uma auscultação junto dos públicos que podem beneficiar deste tipo de plataformas realizaram-se ainda três tipos de focus groups  junto de 1) peritos e especialistas nas áreas da tecnologia e participação democrática; 2) Organizações da Economia Social e 3) cidadãos residentes em Zonas de Intervenção Prioritária abrangidas pela Estratégia de Desenvolvimento Local da Rede DLBC Lisboa. O objectivo destes focus groups  foi essencialmente recolher informação sobre a utilidade de plataformas digitais, identificar as necessidades sentidas pelas organizações e cidadãos no âmbito da participação e promoção do desenvolvimento local que podem ser colmatadas por este tipo de plataformas, identificar riscos e limitações no desenvolvimento deste tipo de plataformas e recolher informações concreta sobre o processo de desenvolvimento de plataformas – etapas a ter em consideração, aspectos relevantes sobre programação, entre outros.

As principais conclusões foram:

  1. O uso da tecnologia (plataformas digitais) é apenas um meio, um instrumento para fomentar a participação, e não o objectivo final. Por esta razão devemo-nos focar no conhecimento das pessoas e na sua partilha dando-lhes voz.
  2. As plataformas, enquanto instrumentos facilitadores devem ser ágeis, de fácil utilização (user friendly) e sobretudo começar “pequeno para serem grandes”. Ou seja as plataformas devem prever uma tecnologia aberta que permita crescer em termos de aplicação tecnológica, mas sempre ao ritmo do utilizador e em função das necessidades do grupo que as utiliza. A maioria das plataformas tem início com uma proposta de valor elevada que ao longo do tempo decresce muito rapidamente.
  3. Existem imensas plataformas gratuitas disponíveis que devem ser utilizadas.
  4. No contexto da Rede DLBC Lisboa, o estabelecimento de diferentes níveis de acesso à informação em função do público-alvo pode ser importante, mas mesmo assim a plataforma só ganhará valor se mantivermos uma dinâmica constante entre a acção e o online.
  5. Alguns peritos referiram que “Participação é dizer o que se precisa. E o Facebook faz isso! É portanto fundamental apostar na análise de conteúdo da informação que chega até via Facebook.
  6. A comunicação de resultados é essencial para manter os processos online vivos, activos, visíveis e transparentes. A apresentação e partilha de resultados é uma forma de materializar e tornar real o que se está a passar nas comunidades, demonstrando o seu valor e reforçando a sua identidade.
  7. A maioria dos participantes considera que a plataforma deve ter as seguintes características: dinâmica, aberta, acessível, “user friendly”, com uma linguagem simples e uniformizada, abrangente, inclusiva, devendo permitir a partilha de informação, conhecimento e troca de experiências, estimulando à cooperação (“geradora de Sinergias”), ao compromisso, à complementaridade e interajuda.
  8. Na generalidade todos concordam que uma plataforma que se assume como colaborativa e visa a promoção da participação dos cidadãos deve dar poder de decisão aos cidadãos.
  9. Discutiu-se ainda a questão da responsabilização, ou seja, uma plataforma de governação colaborativa deve promover a responsabilização, através da divulgação de resultados de uma formatransparente, bem como das pessoas envolvidas nos processos e acções. Sejam estes resultados positivos e negativos, aplicando-se tanto aos políticos como cidadãos.
  10. A plataforma deve dar voz às pessoas, o que requer por parte dos técnicos capacidade para analisar os conteúdos e devolver depois a voz do conjunto das pessoas.
  11. Este tipo de plataforma deveria ainda emitir alertas de situações relacionadas com o bem-estar das comunidades, accionando mecanismos de comunicação junto das entidades que podem ser parte da resolução de problemas. “Ter as peças chave para resolver problemas”.
  12. As organizações da economia social presentes referiram a importância de algumas funcionalidades da plataformapara o desenvolvimento da sua acção enquanto intermediários junto das comunidades, nomeadamente: mapeamentode necessidades, recursos, caracterização de públicos-alvo; visibilidade das suas actividades; captação de recursos– voluntários, materiais, espaços, etc.; funcionar como um repositório digital; permitir e incentivar à realização projectos e candidaturas em conjunto; garantir uma articulação com outras plataformase identificar áreas que não estão cobertase para as quais não há respostas.
  13. Durante o debate ficou claro que uma plataforma de governação colaborativa deve garantir que é um “instrumento para mudar a sociedade”, um instrumento facilitador que legitima a acção desenvolvida pelas organizações nos territórios de intervenção. Leva-nos a concluir que, à semelhança das recomendações dos peritos, as plataformas digitais (online) só sobrevivem com o estímulo do on action.

Tendo por base estas conclusões e após um levantamento de plataformas existentes em regime open source, a Rede DLBC Lisboa criou a plataforma Decidimos Lisboa. Ainda numa fase experimental, a plataforma será testada junto de uma comunidade de Marvila com associações membros do Grupo de Ação Local (GAL) da Rede DLBC Lisboa.


Quem é a Rede DLBC Lisboa?

A Rede DLBC Lisboa é uma associação sem fins lucrativos criada em 2015 na sequência da apresentação de uma candidatura ao Portugal 2020 – Estratégia para o Desenvolvimento Local de Base Comunitária, que visa especialmente promover, em territórios específicos, a concertação estratégica e operacional entre parceiros, orientada para o empreendedorismo, emprego, educação, formação e inclusão social, em coerência com o Acordo de Parceria – Portugal 2020 – e no quadro da prossecução dos objectivos da Estratégia Europa 2020. Neste sentido, a Rede DLBC Lisboa foi criada com o objectivo de implementar um modelo inovador de cogovernação do território da cidade de Lisboa através da implementação de planos de desenvolvimento local.

A REDE DLBC Lisboa tem por objectivo principal contribuir para a redução da fractura socio-urbanística identificada na cidade de Lisboa, através de três vertentes:

  • Aumento dos níveis de emprego e dinamização dos tecidos económicos locais
  • Elevação dos níveis de qualificação escolar
  • Erradicação da pobreza

Para o desenvolvimento e realização dos objectivos acima propostos, a REDE DLBC Lisboa entende que é fundamental apostar numa melhor comunicação com a população dos 65 territórios denominados por Bairros ou Zonas de Intervenção Prioritários – BIP-ZIP, bem como os associados e demais stakeholders que apostam no desenvolvimento de respostas nos mesmos.


A Rede DLBC Lisboa é uma associação sem fins lucrativos criada em 2015 que visa promover, em territórios específicos, a concertação estratégica e operacional entre parceiros, orientada para o empreendedorismo, emprego, educação, formação e inclusão social