Num momento em que todos vivenciamos a força viva que brota de um pais e de um Mundo entregue à força de Fátima – crentes e não crentes-, a presença do Papa Francisco em Portugal impele-nos a recordar as palavras e desafios que insistentemente tem lançado aos líderes empresariais, verdadeiros “promotores de inclusão económica e social”
POR JOÃO QUINTELA CAVALEIRO

Num momento em que todos vivenciamos a força viva que brota de um pais e de um Mundo entregue à força de Fátima – crentes e não crentes-, a presença do Papa Francisco em Portugal impele-nos a recordar as palavras e desafios que insistentemente tem lançado aos líderes empresariais, verdadeiros “promotores de inclusão económica e social”.

Francisco, na forma que tanto o caracteriza, directa, sem meias palavras, desafiante, apresenta os três grandes riscos que se colocam aos líderes empresariais: 1) o risco de usar bem o dinheiro, 2) o risco da honestidade e o 3) o risco da fraternidade.

1) Começa por nos transmitir que um dos temas mais difíceis de percepção moral, sobretudo para quem vive diariamente com o lucro, é o do uso do dinheiro. Há quase cem anos, Pio XI, numa fase de pós I guerra e de convalescença mundial, previu que se avizinhava um “imperialismo internacional do dinheiro”.

Francisco, numa posição marcante, assertiva, proclama que o dinheiro deve servir em vez de governar, socorrendo-se para o demonstrar das parábolas do tesouro escondido ou do administrador injusto, para deixar o ensinamento que as riquezas são boas quando colocadas ao serviço de outros. Não são neutras e adquirem verdadeiro valor em função das circunstâncias em que são usadas. As empresas, em bom rigor, não devem existir para ganhar dinheiro, ainda que este sirva para medir o seu funcionamento.

[quote_center]As empresas, em bom rigor, não existem para o lucro: existem para servir[/quote_center]As empresas existem para servir. Usando uma terminologia contemporânea, esta é porventura uma das frases mais impactantes que o Papa deixa aos líderes empresariais. Para alguém com formação jurídica, que aprende pelas normas positivas que as empresas, entenda-se sociedades comerciais, têm a finalidade de obter lucro, abala fundamentos. Ainda assim, é importante discernir, aprofundar a mensagem, pois não será o lucro que está em crítica – porque é necessário ao cumprimento das diferentes missões das organizações – mas o que se faz com ele. Com coragem para dizer que deve existir força por parte das empresas para renunciarem a ganâncias, serem acessíveis às famílias, contribuírem para a integração dos mais desfavorecidos. O mercado teima em tornar o crédito fácil apenas para os que podem e cada vez mais caro para os que não podem, deixando os mais frágeis à mercê da usura. Vale a pena pensar nisto.

2) Sobre o segundo risco, o da honestidade, mais uma vez o Papa Francisco impele-nos a pensar. Lança, sem despudor, o tema da corrupção. Uma pequena confrontação a todos que nos lêem serve para percepcionar a dimensão da exortação. Quando falamos em corrupção, existe a imediata reacção de apontar o dedo aos outros, quase sempre aos mesmos: aos políticos. Porém, no seu estilo confrontador, duro, de um pai directivo para os seus filhos, ora de forma directa, ora nas entrelinhas, transmite aos lideres empresariais que antes de apontar o dedo aos outros, cada um que se olhe ao espelho: numa exegese pessoal, percebam se, e também, na sua forma de estar nas organizações contribuem para esta deterioração social, se alimentam esta distorcida forma de estar na vida e nos negócios. Ponderem se nas suas empresas promovem, nem que de forma velada, aqueles que pretendem crescer a todo o custo, que distorcem as regras antecipando favores, não olhando a meios para atingir os fins. Num sinal de aviso, de alerta, deixou a esperança para que cada um, em vez de apenas apontar o dedo, possa ser dissuasor desta forma de estar.

3) O risco final é o da fraternidade: “a empresa é uma comunidade de trabalho em que todos merecem um respeito e apreço fraternal por parte dos superiores, colegas e subordinados. O respeito pelo outro deve estender-se à comunidade e as diferentes formas solidárias de actuar das empresas deve ser um modo de estar habitual e não actividade ocasional para acalmar a consciência ou para obter um crédito publicitário”. Mais uma vez dá nota que esta posição fraterna deve ser um “estado” e não uma “passagem interesseira” meramente instrumental. Desafia para que cada um, nas suas organizações, possa transformar um “estado” de fraternidade em um “ser” de fraternidade.

[quote_center]Antes de apontar o dedo aos outros, cada um e numa exegese pessoal, que se olhe ao espelho[/quote_center]É num contexto de imprevisibilidade mundial, numa Europa perdida, confusa, aberta, mas descaracterizada porque cada vez mais órfã de identidade, que os líderes empresariais se posicionam. A crise recente demonstrou-nos, sobretudo em Portugal, que as empresas são um dos grandes factores de agregação social. Muitas atravessaram o deserto, sem abandonar clientes, fornecedores, o seu mercado, não marginalizando trabalhadores e, entre dificuldades, trabalharam na estratégia e no futuro.

Tarda-se em perceber o real valor das empresas e, para que não caia no esquecimento, nada melhor que estas palavras do Papa Francisco. Para exemplificar, deixa-nos em regra com a alegoria de Zaqueu, um dos mais indefectíveis cobradores de impostos romanos, riquíssimo, chefe dos Publicanos, odiado por muitos, e que quando vê Jesus aproximar-se sobe à árvore para o ver. Foi por Si chamado, para surpresa de todos que o odiavam, aproximando-se. Zaqueu, na Sua presença, arrependido, acaba por dar metade dos seus bens aos pobres e promete que se a alguém tiver extorquido, lhe devolveria quatro vezes mais.

Esta parábola, tantas vezes usada por Francisco, é mais um arrojo daquele Pai duro que avisa, que orienta. Convidando a todos a subir à árvore para que, se em algumas das nossas fortunas extorquirmos alguém, devolvermos em quadruplicado.

[quote_center]A empresa é uma comunidade de trabalho em que todos merecem respeito e apreço fraternal[/quote_center]Se me perguntarem qual a grande impressão que o Papa Francisco deixou nesta audiência a líderes empresariais, respondo com prontidão: a forma despojada e sem medo como caminha. Professoral, assertivo, inclusivo, com mensagem desafiadora. Sem seguranças, livre.

Os três riscos por si enunciados são três lições para os empresários: 1) não é o lucro que se critica, mas o que fazemos com ele; 2) procurem soluções empresariais de honestidade, sem batotas corruptivas; 3) a empresa é uma comunidade de trabalho em que todos merecem um respeito e apreço fraternal por parte dos superiores, colegas e subordinados.

Palavras que inspiram, que podem ser fermento em cada um de nós, para todos – crentes e não crentes-, pela voz de uma personagem notável, sem dúvida o líder mais inspirador que a actualidade nos oferece.

Advogado e responsável do Núcleo da ACEGE de Vila Real