Criada em 2009 com o objectivo de desenvolver um novo modelo para a resolução de conflitos, em particular entre as comunidades judia e muçulmana (mas não só), a Ariane Rothschild’s Fellowship consiste num programa dedicado a todos os empreendedores sociais que estejam interessados numa abordagem plural, assente numa fusão entre competências de negócio e de empreendedorismo, ciências sociais e a capacidade para o diálogo entre ambientes culturais diversos… e está aberto também a candidatos portugueses
POR
HELENA OLIVEIRA

“Desenvolver um novo modelo para a resolução de conflitos através do poder do empreendedorismo social” poderia ser a definição “curta” do denominado Ariane Rothschild’s Fellowship (AdR Fellowship), um programa dedicado a indivíduos (em representação ou não de organizações já estabelecidas) que pretendem mudar o mundo, pese embora o “cansaço” da expressão.

Fruto da poderosa e centenária família judia, com origem em Hamburgo, na Alemanha, e que estabeleceu uma das mais importantes dinastias bancárias da Europa – subsistindo ainda enquanto Grupo global , diversificado e poderoso – a filantropia sempre fez parte do ADN dos Rothschild, com enfoque em particular na promoção e melhoria das condições sociais e educacionais para comunidades locais desprotegidas.

Acompanhando os tempos céleres e em constante mutação, e sob a égide da Edmond de Rothschild Foundations (EDRF), a AdR Fellowship foi criada em 2009, com o principal objectivo de criar uma rede de empreendedores que, para além de detentores de ferramentas para o desenvolvimento de negócios bem-sucedidos com vista a um impacto social sustentável, estejam igualmente comprometidos com a melhoria das há muito conturbadas relações entre as comunidades judia e muçulmana. Numa altura em que o diálogo intercultural e inter-religioso é, de forma crescente, uma urgência global, a pertinência deste programa ganha ainda uma maior relevância. De sublinhar, porém, que a AdR Felowship não é exclusivamente dedicada aos que professam ou o judaísmo ou o islamismo, mas aberta a qualquer pessoa que se reveja nos valores e objectivos que a integram.

Sendo oferecido em regime de bolsa, o programa é totalmente gratuito, tem a duração de duas intensivas semanas no Verão, sendo seguido ainda por um bootcamp de Inverno. Ministrado em parceria académica com a Cambridge University – onde os cerca de 25 empreendedores sociais anualmente escolhidos, depois de um rigoroso processo de selecção, se “instalam” para receber a sua formação – com a University of London, a University of Montreal e a Cornell University, esta fellowship aposta também numa abordagem “múltipla”, que leva em consideração não só as competências de negócio e de empreendedorismo, mas também as ciências sociais e, como já foi anteriormente sublinhado, a capacidade para o diálogo entre ambientes culturais diversos.

Até agora, a fellowship está focada em receber candidatos da América do Norte e da Europa – a todos os que trabalham em mudança social na Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Holanda, Itália, Luxemburgo, Espanha, Suíça, Reino Unido e Portugal (v. Caixa) – mas aumentar o seu alcance geográfico é igualmente um dos objectivos a médio prazo.

Pensamento inovador e capacidade genuína para o diálogo intercultural

Em conversa com o VER, Reima Yosif, coordenadora global desta bolsa de excelência, fez saber o tipo de competências mais apetecíveis que são procuradas pelos recrutadores da AdR Fellowship: “Recrutamos líderes e empreendedores, estabelecidos ou emergentes, que estejam, em primeiro lugar, interessados em se envolverem em questões interculturais”, afirma. “Esta fellowship tem como missão oferecer as ferramentas e a formação necessárias para que os Fellows se superem a si mesmos num ambiente intercultural e que trabalhem no sentido de atingirem uma autossustentabilidade [para os seus projectos]”, acrescenta.

Reima Yosif é a coordenadora global da Ariane Rothschild’s Fellowship
Reima Yosif é a coordenadora global da Ariane Rothschild’s Fellowship

Através da promoção do espírito empresarial, envolvimento cívico e uma liderança com vista ao impacto (positivo), o programa pretende constituir-se como um modelo único para a resolução de conflitos. E é exactamente esta aposta na interdisciplinaridade – “misturando” competências de negócio, ciências sociais e humanas e a experiência intercultural – que o diferencia dos demais.

Como afirma Reima Yosif, “depois de completarem a sua fellowship, a maioria dos Fellows vê renovado o seu significado de ‘propósito’ e reforçado o seu desejo de envolvimento em ambientes interculturais, ao mesmo tempo que ganha uma melhor preparação para gerar sustentabilidade para as suas iniciativas”, garante. Adicionalmente e sendo esta uma das principais características da fellowship, “é usual que os Fellows comecem a trabalhar em iniciativas conjuntas com outros Fellows, ao mesmo tempo que todos utilizam a rede global [que entretanto se estabeleceu] para tirar partido dos conhecimentos e ideias ali reunidos e que servem para melhor desenvolver as suas iniciativas”.

A construção de uma rede vibrante de líderes sociais – e também de “embaixadores” é, na verdade, um objectivo crucial do programa em causa. “Fazer parte de uma rede abrangente de empreendedores e líderes sociais, caracterizada pelo multiculturalismo é, sem dúvida, um dos melhores resultados que temos conseguido atingir com esta Fellowship”, garante a coordenadora global do programa, ela própria uma Fellow, nascida e criada nos Estados Unidos, fluente em árabe, com parte dos seus estudos ministrados no Egipto e com um vasto currículo em questões interculturais. Reima Yosif é, assim, uma excelente “personificação” do que é mais valorizado nos candidatos que concorrem a esta bolsa de excelência. Em 2006, fundou a Al-Rawiya  – que significa “narrativa feminina” – uma organização sem fins lucrativos com vista à promoção do empowerment das mulheres muçulmanas através da educação, das artes e da integração, trabalhou no projecto de investigação Religions for Peace USA, com o apoio da UNICEF e é igualmente poetisa, com obra publicada e escrita em árabe.

Esbater as fronteiras culturais, religiosas e geográficas

Desde a sua criação em 2009, a AdR Fellowship recebe, anualmente, mais de 500 candidaturas, provenientes de vários cantos da Europa e da América do Norte. E será talvez este “banho de cultura” – expressão utilizada por Nathalie Ballan, a sócia-fundadora da Sair da Casca e a primeira Fellow a representar Portugal neste programa, em 2014 (v.Caixa) – que melhor caracteriza os 15 dias de formação intensiva pelos quais passam os afortunados seleccionados.

Na sua essência, o programa privilegia líderes visionários, com competências significativas para levar a cabo mudanças sociais com impacto, que possuam um pensamento crítico e uma forte empatia. Para além da componente académica “multidisciplinar”, o programa combina o ensino teórico com um coaching personalizado, sem esquecer a aprendizagem peer-to-peer. E se a quota-parte de conteúdos curriculares na área da gestão e negócios é intensivamente promovida – os candidatos deverão ter um plano de negócio para ser desenvolvido e/ou reforçado, sendo acompanhados por mentores – o mesmo acontece com leituras académicas diversificadas – com uma forte componente humanista – revigoradas também através de workshops para a “promoção do diálogo”.

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Ao longo das seis edições da Fellowship, as áreas identificadas pelo programa com “enfoque primordial” são igualmente ricas em diversidade: Ambiente & Tecnologia, Social Media, Saúde, Serviço Comunitário, Educação, Artes Criativas e Projectos Interculturais/Inter-religiosos. A ideia é construir uma comunidade de empreendedores culturalmente “iluminados” que possam, realmente, fazer a diferença no mundo ou, mais correctamente, junto das suas comunidades locais.

Como afirma Firoz Ladak, director executivo da Edmond de Rotschid Foundation, “o que pretendemos é oferecer aos empreendedores a liberdade e o rigor financeiro adequados para a exploração de formas inovadoras que estimulem a mudança social”. E a prova desta inovação pode também ser encontrada na diversificação não só dos próprios Fellows, como dos projectos que ali são “melhorados” e reforçados, tão díspares quanto o aconselhamento a mulheres que vivem subjugadas pelo medo dos “crimes de honra”, a melhoria de cuidados para jovens doentes de cancro ou a formação de seniores para que possam servir de professores em escolas locais.

Ou, como refere Reima Yosif, o trabalho em parceria com diversas universidades de prestígio, para que os valores do pluralismo cultural, religioso e geográfico sejam assegurados, explicam esta “componente múltipla de fusão entre os negócios, as humanidades e o diálogo”.


Feliz  Natal, Yum Kipur e Aid El Kebir

Nathalie Ballan, sócia-fundadora da consultora Sair da Casca, foi selecionada, em 2014, para a AdR Fellowship. Na medida em que foi a primeira representante (e, até agora, a única) de Portugal a passar por esta “prova” única, o VER pediu que partilhasse a sua experiência, a qual teve lugar no “quente” Verão passado, com o Estado Islâmico a dominar, infeliz e cruelmente, o panorama noticioso.

05032015_OsEmbaixadoresDoDialogoPerdido3Distanciamento, exigência intelectual, choque de identidades  e companheirismo” foram os sentimentos escolhidos por Nathalie Ballan para resumir a experiência que teve em Cambridge. “Distanciei-me completamente do meu dia-a-dia nessas duas semanas completamente dedicadas ao estudo, à revisão dos projectos de cada um [no seu caso, a própria consultora que fundou e que foi pioneira em Portugal, há já 20 anos, dedicada às questões da responsabilidade empresarial e do impacto social], sentindo-me obrigada a passar para a escrita uma visão estratégica e sólida, devidamente apoiada em números”, declara. “Foi muito o tempo passado a ouvir os projectos dos ‘outros’ e a falar do ‘meu”, acrescenta, sublinhando a intensidade da resposta às críticas e o relacionamento com o seu mentor. “Um período único, fora das rotinas e do ‘pronto a pensar’, durante o qual estão reunidas todas as condições para nos concentramos no que realmente motiva a nossa presença num programa deste género: a nossa ‘missão’”, remata.

Referindo também a forte “exigência intelectual” inerente ao programa – antes, durante e depois do mesmo, os professores de Cambridge enviam vários textos para serem analisados e é pedida a escrita de ensaios vários – Nathalie Ballan refere ainda as enormes doses de concentração exigidas durante as aulas para se tentar apreender “as consequências da secularização, as origens da Jihad, os lados perversos da tolerância (..)”, entre outros temas complexos, todos eles ministrados e orientados por peritos internacionais.

Todavia e neste “banho de cultura”, a fundadora da Sair da Casca sublinha igualmente o “choque de identidades” que sentiu, da seguinte forma: “nunca precisei de lutar para defender a minha identidade, o que significa também que nunca desenvolvi nem a necessidade de a definir nem uma clara ideia do que realmente ela significa”.

O que não é o caso da maior parte dos Fellows. “A maior parte deles possui uma forte identidade religiosa ou nacional (por vezes ambas), representam minorias ou trabalham para populações excluídas; são vítimas ou foram vítimas de discriminação e desenvolveram defesas e uma retórica consistente”, declara. “Não faço parte de uma minoria, nunca fui excluída e sou agnóstica. Venho de uma cultura ‘laica e republicana’, na qual o tema da fé é exclusivamente do foro pessoal, mas muitos dos meus Fellows acreditam que a fé tem consequenciais culturais e sociais que devem ser aceites, sem juízos de valor – como por exemplo no que diz respeito às regras de vestimenta para as mulheres”, diz ainda, acrescentando que “a tolerância pode ter um aspecto paternalista que pode ser insuportável, sendo que a a total transparência das opiniões é também fonte de conflito”. Assim, questiona-se: como é possível atingir um equilíbrio adequado?”.

Nathalie Ballan não tem, no entanto, qualquer dúvida que o fio condutor desta experiência reside no facto “de sermos todos empreendedores, de partilharmos um forte sentido de missão, bem como a convicção que podemos ter um papel transformador ‘ao nosso nível’”.

E, sublinhando o enorme companheirismo que caracterizou a experiência, recorda: “debatemos muito, durante um Verão terrível, em que o Estado Islâmico estava presente em cada telejornal: houve momentos de grande tensão, mas também rimos imenso, passámos noites a falar em como mudar o mundo e vamos estar outra vez todos juntos em Cornell em Abril. Trocamos ideias e contactos todas as semanas e desejamos uns aos outros um bom  Natal, um bom Yum Kipur [o Dia do Perdão, um dos mais importantes da religião judaica] e um bom Aid El Kebir [uma das mais importantes celebrações na religião islâmica].


Como se podem candidatar os empreendedores sociais portugueses à AdR Fellowship?

  • No site da AdR Fellowship, os candidatos encontram toda a informação sobre o programa.
  • É obrigatório o preenchimento total do formulário de candidatura.
  • As candidaturas terminam a 15 de Março.
  • Os candidatos deverão garantir a sua disponibilidade total para frequentarem os 15 dias de formação, os quais, este ano, decorrerão de 19 a 31 de Julho. Adicionalmente, terão ainda de frequentar um “bootcamp” de Inverno, em data a anunciar posteriormente.
  • Todas as despesas são pagas na totalidade pela AdR Fellowship, incluindo viagens, alojamento e alimentação.
  • O site possui uma área de FAQS bem estruturada e que responde às dúvidas mais comuns que os candidatos poderão ter.
  • Pode ainda aceder a um vídeo ilustrativo sobre a Fellowship

Editora Executiva

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