A Delegação da União Europeia em Angola actua em domínios como a saúde, a educação, o desenvolvimento local e os direitos humanos. Em entrevista, a sua coordenadora de comunicação explica todo o esforço de cooperação realizado, sublinhando que o apoio concedido pela UE à agricultura sustentável “terá um papel preponderante nos próximos anos”. Susana Martins antevê “um caminho longo a percorrer” no combate a flagelos como a pobreza e a mortalidade infantil, num país “onde a resiliência das comunidades às vulnerabilidades” está ainda seriamente comprometida pelo difícil acesso aos bens e cuidados básicos
POR GABRIELA COSTA

Tem 44 anos, nasceu e cresceu no Norte de Portugal, estudou Sociologia e Gestão, mas dedicou praticamente toda a sua vida profissional à área da cooperação e desenvolvimento. Susana Martins mudou-se em Julho de 2013 para Angola a convite da Comissão Europeia e, desde então, investe com paixão na sua carreira como gestora de projectos de cooperação e desenvolvimento na Secção Operacional de Agricultura Sustentável, Água e Saneamento da Delegação da União Europeia em Angola / EuropeAid.

Em entrevista, a Communication Coordinator (ComCord) desta delegação defende que a formação e a capacitação “são essenciais para dotar a população de ferramentas, conhecimento e competências para o seu desenvolvimento”. População que, em muitos casos, vive em comunidades rurais, razão pela qual “dos 210 milhões de euros alocados no FED para Angola, 84 milhões serão dedicados a projectos na área de agricultura sustentável”, como adianta ao VER.

Susana Martins, gestora de projectos de cooperação e desenvolvimento e ComCord da Delegação da UE em Angola, no município de Bocoio (província de Benguela)
Susana Martins, gestora de projectos de cooperação e desenvolvimento e ComCord da Delegação da UE em Angola, no município de Bocoio (província de Benguela)

Que motivações pessoais a fizeram enveredar por esta carreira e por um percurso fora do seu País?

Sempre trabalhei na área da cooperação e desenvolvimento. Iniciei o meu percurso profissional numa associação de desenvolvimento, ADRIMAG, com a criação de uma Agência de Desenvolvimento Regional (ADREDV), que coordena. Regressei à ADRIMAG alguns anos depois para trabalhar como gestora de projectos de cooperação, o que me permitiu uma trabalho mais próximo com as comunidades e o desenvolvimento económico e social.

Trabalhei muito com fundos e financiamento europeus e sempre tive muita curiosidade de “estar do outro lado”, onde as estratégias para o apoio ao desenvolvimento se definiam e onde se delineavam os programas de financiamento.

Assim que tive oportunidade, em 2010, de trabalhar para a Comissão Europeia, não hesitei em mudar de país. A adaptação não foi fácil: mudança de trabalho, mudança de país, mudança de organização… Mas foi muito compensadora e não tenho nenhum arrependimento de ter mudado para continuar a fazer um trabalho que sempre me motivou: o da cooperação para o desenvolvimento.

A EuropeAid acompanha a política de cooperação e desenvolvimento da União Europeia, utilizando o FED – Fundo Europeu de Desenvolvimento e o Orçamento da UE para as políticas externas para implementar programas temáticos em zonas carenciadas. Como funciona este serviço de cooperação nos PALOP, e concretamente em Angola?

A EuropeAid é uma Direcção-Geral da Comissão Europeia responsável pela definição da política de cooperação internacional e de desenvolvimento da União Europeia e pela prestação de ajuda em todo o mundo. Tem como principal missão executar os instrumentos de Ajuda Externa da Comissão Europeia e coopera com países em diferentes fases de desenvolvimento, incluindo aqueles que já deixaram de necessitar de ajuda bilateral ao desenvolvimento a fim de dar resposta às suas necessidades específicas, no período de transição de um nível de rendimento baixo para um nível de rendimento médio superior, como é o caso de Angola.

[pull_quote_left]A UE continua a ser o maior doador de ajuda ao desenvolvimento directo em Angola[/pull_quote_left]

O Fundo Europeu de Desenvolvimento é o principal instrumento da ajuda da UE no âmbito da cooperação para o desenvolvimento dos Estados ACP (Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico), assim como dos países e territórios ultramarinos (PTU). O FED, que financia a ajuda concedida aos Estados ACP e aos PTU, é composto por diversos instrumentos e apoia acções nos países e territórios em desenvolvimento no sentido de promover o desenvolvimento económico, social e humano, bem como a cooperação regional. O 11º FED, que irá decorrer de 2014 a 2020, dispõe de uma dotação de cerca de 30,5 mil milhões de euros. Para Angola, o montante disponível no âmbito do 11º FED é de 210 milhões de euros.

A Delegação da União Europeia tem apoiado diversos sectores desde que iniciou a cooperação em Angola, em 1986. A UE tem sido um importante parceiro do Governo em domínios como a reconstrução, a desminagem, a saúde, a educação, a água e o saneamento, a agricultura e a segurança alimentar, a protecção social de grupos vulneráveis, o desenvolvimento local, a boa governação e os direitos humanos. No âmbito do 11º FED, a União Europeia irá privilegiar os sectores do ensino e formação técnico-profissional e ensino superior, a agricultura sustentável e água e saneamento básico, para além de medidas de favorecimento e fortalecimento da sociedade civil e medidas de apoio à cooperação. Para além do FED, a Delegação da União Europeia tem verbas disponibilizadas pelo Orçamento para as políticas externas, através de programas temáticos.

Que realidade encontrou em Angola ao nível de desigualdades sociais, carências de saúde e educação e pobreza, e de que modo afecta essa realidade as crianças e jovens das comunidades rurais ou mais remotas?

Visita de monitorização ao projecto de Biodiversidade do Parque Nacional do Iona, comunidade do Iona no município de Tômbwa (província do Namibe)
Visita de monitorização ao projecto de Biodiversidade do Parque Nacional do Iona, comunidade do Iona no município de Tômbwa (província do Namibe)

Angola esteve quase 30 anos em guerra depois da independência o que dificultou o seu processo de desenvolvimento. A reconstrução depois da paz, alcançada em 2002, é notória e por todo o país se podem ver os esforços que vêm sendo feitos para promover o crescimento. No entanto, ainda existem muitos problemas para solucionar e muitas acções a desenvolver.

Como tantos outros, é um país com muitas desigualdades sociais, em que o fosso entre os ricos e os pobres é muito evidente. Apesar de alguns indicadores de desenvolvimento terem vindo a reportar melhorias ao nível da nutrição e educação, a verdade é que Angola ainda tem um caminho longo a percorrer para aumentar o nível e qualidade de educação, diminuir a insegurança alimentar e nutricional, a mortalidade infantil e a pobreza e aumentar a resiliência das comunidades às vulnerabilidades.

O acesso às comunidades rurais mais remotas não é fácil: neste caso, “os caminhos para o desenvolvimento são muito sinuosos”. Literalmente. Tive oportunidade de fazer visitas ao terreno, para acompanhar a implementação de projectos financiados pelas União Europeia, e verificar que é muito difícil chegar às comunidades mais distantes e é muito difícil às comunidades chegarem aos municípios e às comunas onde estão disponíveis os serviços básicos de saúde e educação. As comunidades têm muitas necessidades e são afectadas não só pelas distâncias e pela dificuldade de acesso aos bens e cuidados básicos mas também pelos desastres ambientais, como chuva e seca, que tornam as comunidades e as suas populações ainda mais vulneráveis. Por isso mesmo, devemos continuar a apoiar as pessoas e comunidades mais necessitadas, para que elas se tornem mais resilientes a todos os riscos a que estão expostos e mais conscientes das possibilidades e das oportunidades que podem beneficiar como cidadãos.

Acompanha em particular a evolução dos projectos nas áreas de agricultura sustentável e de desenvolvimento local financiados pela UE. Que balanço faz destas duas áreas de actuação do EuropeAid em Angola, ao nível de resultados?

O apoio da UE ao nível do desenvolvimento rural tem sido mais evidente através do apoio concedido pela linha temática ANE-AL aos projectos promovidos, coordenados e implementados por ONG locais e internacionais a nível local e com forte impacto no desenvolvimento das comunidades rurais. Estes projectos possibilitam a capacitação da população residente em meio rural, apoiando o desenvolvimento e dinamização de cooperativas e associações de agricultores e dando formação para a melhoria da produção, transformação e comercialização e diversificação de produtos agrícolas, contribuindo desta forma para um aumento da produção e rendimento das famílias e para uma melhoria das condições de vida das populações.

[pull_quote_left]A agricultura sustentável é ainda mais fundamental para o combate à fome e à pobreza no contexto das alterações climáticas[/pull_quote_left]

Ao nível de desenvolvimento local, gostaria de salientar o projecto de Desenvolvimento Local – FAS (Fundo de Apoio Social), uma direcção do Ministério da Administração do Território. Este projecto financiado pelo 10º FED, no valor de 30 milhões de euros, tem três componentes distintas que visam a promoção do desenvolvimento local. A primeira componente visa a construção ou requalificação de infra-estruturas básicas como centros de saúde e escolas, em várias províncias de Angola. As outras duas componentes têm um apoio mais imaterial: uma visa o apoio ao desenvolvimento económico, concedendo apoio financeiro e técnico a potenciais empreendedores que queiram criar ou desenvolver o seu próprio negócio; e outra visa a capacitação de técnicos e dirigentes das administrações locais e comunais, apoiando-os para o processo de descentralização e para a dinamização de planos de desenvolvimento municipais.

A Agricultura Sustentável tem e terá um papel preponderante nos próximos anos, no que diz respeito ao apoio concedido pela UE em Angola. Dos 210 milhões de euros alocados no FED para Angola, 84 milhões serão dedicados a projectos na área de agricultura sustentável. A estratégia definida no PIN – Plano Indicativo Nacional (documento que define a estratégia de cooperação entre a UE e o Governo de Angola) para o sector de agricultura sustentável tem por objectivo a melhoria da sustentabilidade do sector agrícola e a redução da fome e da vulnerabilidade no contexto das alterações climáticas. Esta área de apoio dará um contributo fundamental para a erradicação da pobreza uma vez que vai contribuir para ajudar famílias e comunidades de produtores e agricultores a utilizarem novas técnicas e ferramentas e beneficiar de formação e iniciativas que permitirão o aumento e diversificação da sua produção, e consequentemente, um alargamento das segurança alimentar e nutricional e do rendimento familiar. Terá igualmente uma forte componente na área das alterações climáticas, através do fortalecimento da resiliência e adaptação às mudanças climáticas por parte das comunidades mais vulneráveis.

Como caracteriza a importância da agricultura sustentável no contexto da nova Agenda Global 2030 (ODS), nomeadamente no que concerne a erradicação da fome e combate à pobreza?

A UE está determinada a implementar plenamente a Agenda 2030 em toda a gama das suas políticas internas e externas, alinhando as suas próprias políticas e acções para os objectivos da Agenda. Ao fazê-lo, a UE continua comprometida com a solidariedade global e apoiará os esforços de implementação nos países mais necessitados.

A agricultura sustentável é fundamental para a erradicação da fome e combate à pobreza, ainda mais no contexto de alterações climáticas. É necessário que a agricultura continue a ser apoiada para garantir meio de subsistência às populações mais vulneráveis e afectadas pelas mudanças do clima, mas também para dar melhores condições para que as populações possam produzir mais e melhor e consequentemente melhorar o seu rendimento, aumentar a segurança alimentar e nutricional das suas famílias e reduzir a fome e a pobreza.

Visita de monitorização ao projecto de Biodiversidade do Parque Nacional do Iona, comunidade do Iona no município de Tômbwa (província do Namibe)
Visita de monitorização ao projecto de Biodiversidade do Parque Nacional do Iona, comunidade do Iona no município de Tômbwa (província do Namibe)

A nível local, de que modo capacitam as comunidades com apoio técnico e financeiro, formação ou empreendedorismo, para se tornarem auto-sustentáveis?

A UE concede apoio às comunidades por intermédio de outras organizações internacionais, ONG e agências de cooperação de Estados-membro, e pode ainda conceder apoio ao orçamento, ajudando os países na implementação de projectos estruturantes. As metodologias de apoio e as modalidades de implementação divergem de país para país, sendo adaptadas ao contexto e às especificidades do local onde vão ser implementadas.

Os projectos de agricultura e desenvolvimento local já mencionados são exemplos da forma como o apoio chega a quem mais necessita. A formação e a capacitação são essenciais para dotar a população de ferramentas, conhecimento e competências para o seu desenvolvimento.

A partir das experiências que tem tido em Angola e dos testemunhos pessoais que lhe chegam, como avalia o trabalho desenvolvido pela UE no terreno em termos de desenvolvimento e luta contra a pobreza? Que peso tem, nesse trabalho, o esforço para promover a participação social das populações locais, dando-lhes voz para liderarem a tomada de decisões, em questões tão fundamentais como a educação, saúde ou inclusão social?

A UE e os seus Estados-membro são o maior doador do mundo, responsáveis por mais de metade da ajuda oficial ao desenvolvimento a nível mundial. Em 2013, forneceram mais de metade da ajuda pública ou «ajuda oficial ao desenvolvimento», como definida pela OCDE. Actualmente, a UE continua a ser o maior doador de ajuda ao desenvolvimento directo em Angola. Desde que abriu o seu escritório em Luanda, em 1986, a Comissão Europeia atribuiu directamente mais de 600 milhões de euros a Angola, colaborando com o Governo em domínios como a reconstrução, a saúde ou a educação, como referi.

Todos os projectos desenvolvidos têm impacto ao nível da melhoria da qualidade de vida, da redução da pobreza e da segurança alimentar e nutricional. Actuam junto das comunidades e contribuem para a redução da pobreza porque capacitam as famílias, os produtores e os agricultores, quer ao nível de competências pessoais e sociais que contribuem para uma participação e um maior envolvimento da sociedade civil nas decisões e políticas de desenvolvimento a nível local, através da participação nos CACS – Conselhos de Auscultação e Concertação Social, quer a nível de competências técnicas e profissionais, através da melhoria das condições de trabalho e aptidões para um aumento da produção e, consequentemente, aumento do rendimento familiar e da segurança alimentar e nutricional das famílias e principalmente das crianças.

Quais foram as histórias de vida que mais a marcaram, dos testemunhos que já presenciou?

Os beneficiários dos projectos estão reconhecidos e gratos pelo apoio que é concedido pela União Europeia. Nas visitas ao terreno pude verificar uma evolução das comunidades com apoio dos projectos financiados pela UE. Verifica-se uma maior participação das mulheres nas actividades e um maior envolvimento das comunidades, associações e cooperativas.

É gratificante poder verificar que o dinheiro que vem da Europa chega a quem mais necessita e que é aproveitado da melhor maneira e em benefício das comunidades locais. Morando em países desenvolvidos por vezes não damos valor àquilo que temos: ver o entusiasmo e satisfação de um cidadão a mostrar com orgulho o seu primeiro bilhete de identidade após 50 anos de vida, graças à acção de um projecto, é muito compensador.

Na sua perspectiva, no âmbito do Ano Europeu do Desenvolvimento que atenção tem sido dada à cooperação e desenvolvimento nos PALOP?

A União Europeia apoia os PALOP a nível individual, mas também existem projectos e programas regionais que são desenvolvidos nos PALOP e Timor Leste. Estes projectos de cooperação a nível regional têm por objectivo estreitar a relação entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor-Leste com os Estados-membros da UE. A cooperação a este nível baseia-se em afinidades históricas e culturais entre esses Países, tendo os respectivos chefes de Estado reiterado a vontade de cooperar entre si com o fundamento da língua oficial e traços comuns que caracterizam o sistema de governação herdado, em particular na administração pública, sistemas de justiça e gestão das finanças públicas, bem como os percursos histórico e político pós-independências.