Desde que foi eleito secretário-geral, António Guterres prometeu dar prioridade à igualdade de género, considerando ser um meio para alcançar a paz e a protecção dos direitos humanos. E está a conseguir. Das 44 pessoas que compõem o Grupo de Gestão Sénior da organização, trabalhando directamente com o seu secretário-geral, 23 são agora mulheres. Este passo vem na sequência de uma estratégia, apresentada em 2017, que pretende ser um guia para a promoção da paridade entre homens e mulheres em todo o sistema das Nações Unidas
POR
MÁRIA POMBO

Pela primeira vez na História, a Organização das Nações Unidas (ONU) alcançou a igualdade de género (IG) nos seus mais altos cargos de liderança. Sabemos que esta realidade deveria ser a regra, não só nos mais conceituados organismos como também nas mais pequenas organizações, e não a excepção. Todavia, ainda não conseguimos deixar de noticiar o facto de uma instituição destas ter alcançado o tão desejado equilíbrio entre a presença de homens e de mulheres em posições de chefia.

Finalmente, das 44 pessoas que compõem o Senior Management Group da ONU, trabalhando directamente com o secretário-geral, António Guterres, 23 são mulheres, sendo claras as diferenças entre a presença feminina que existe actualmente e aquela que existia, não há muito tempo.

O alcance desta meta faz da ONU um exemplo para inúmeras empresas e associações, um pouco por toda a parte, em matéria de igualdade de género, principalmente nos cargos de chefia (onde a mesma é mais difícil de alcançar). Em 2015, este “gabinete” era composto por 26 homens e apenas 16 mulheres, estando bastante longe do equilíbrio entre uns e outros. E, embora os seus secretários-gerais tenham sido, até à data, todos homens – facto que originou alguma polémica nas últimas eleições para o cargo, onde existia uma grande expectativa de que a búlgara Kristalina Georgieva fosse eleita –, este marco histórico demonstra que António Guterres está verdadeiramente empenhado em promover a igualdade, desde que tomou posse.

É certo que a organização já pretendia alcançar a paridade entre homens e mulheres há quase duas décadas. Existiam relatórios e recomendações, e uma vontade (pelo menos no papel) de lutar pelo equilíbrio e incluir mais mulheres nos quadros. Contudo, existia também uma grande carência de medidas de acompanhamento e, acima de tudo, de vontade política para concretizar este objectivo. Só após António Guterres ter sido eleito secretário-geral, em Setembro de 2016, é que têm sido dados passos verdadeiramente importantes neste sentido, começando, desde logo, pela nomeação de diversas mulheres para cargos de relevo, como Maria Luiza Ribeiro Viotti, chefe de Gabinete, ou Amina Mohammed, secretária-geral adjunta da ONU e braço direito do seu mais alto representante.

Complementarmente, no início de 2017 o antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados apresentou a ‘sua’ estratégia para a igualdade de género, que pretende ser um guia para a implementação da IG em todo o sistema das Nações Unidas, desde as funções mais elementares até aos cargos de chefia, nos próximos anos. Neste sentido, o documento apresenta diversos objectivos para as diferentes hierarquias e fases – como o processo de recrutamento e progressão ou o gabinete de liderança –, os quais são acompanhados de variadas acções recomendadas e que permitem passar da teoria à prática e assim obter resultados.

Para além da IG, esta estratégia visa também promover a diversidade geográfica, particularmente dos grupos sub-representados, já que, de acordo com a mesma organização, alcançar a paridade e a diversidade deveria ser um único objectivo, e não duas metas distintas.

[quote_center]De acordo com a ONU, alcançar a paridade de género e a diversidade geográfica deveria ser um único objectivo, e não duas metas distintas[/quote_center]

Promover a igualdade de género em todos os níveis hierárquicos

De acordo com o documento – denominado System-wide Strategy on Gender Parity – existe uma relação inversa entre a antiguidade e/ou exigência e a representação feminina, o que significa que quanto mais exigente e elevado é o cargo, menor é a hipótese de ser uma mulher a ocupá-lo. É, portanto, nas posições de liderança que o gap entre homens e mulheres é mais acentuado, onde as mudanças são mais lentas e onde as medidas são mais difíceis de implementar.

A ONU acredita que uma maior inclusão dos trabalhadores – independentemente do género ou do local onde nasceram – irá ser benéfica para que as organizações possam demonstrar os seus valores fundamentais, tendo impacto nas comunidades onde actuam e colhendo os frutos provenientes do equilíbrio entre homens e mulheres, nomeadamente conseguidos através da produtividade e eficiência dos seus colaboradores.

Monitorizar o progresso para a paridade, em todos os seus níveis hierárquicos, é um dos grandes focos da ONU, sendo esta uma acção crucial para que possa ser alcançado o objectivo final, que é o da igualdade de género até 2026. Para que isto seja possível, é necessário trabalhar a vários tempos, já que os diversos níveis têm diferentes percentagens de paridade entre homens e mulheres.

Assim, e de acordo com o documento da ONU, os trabalhadores juniores apresentavam, em 2016, 40% de IG, estimando-se que o total equilíbrio (ou seja, 50%) seja alcançado já em 2019. Por seu turno, os trabalhadores que já têm algum tempo de casa e que se encontram no segundo nível hierárquico tinham, há dois anos, 30% de paridade de género, a qual se prevê que seja alcançada em 2021. Já os trabalhadores do terceiro nível só tinham, em 2016, conseguido alcançar a igualdade entre homens e mulheres em 20%, sendo esperado que a mesma seja alcançada, neste grupo, em 2024. Por fim, em 2016, não existia igualdade de género nos quadros seniores da ONU, estando a ser feito esforços para que o equilíbrio entre homens e mulheres seja conseguido em 2026.

Importa referir que o Grupo de Gestão Sénior da ONU – encabeçado pelo seu secretário-geral – é apenas um dos seus diversos gabinetes de gestão, sendo o sistema das Nações Unidas composto por outros órgãos relevantes, como a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança.

Da teoria à prática

Independentemente de estes resultados poderem vir a ser, ou não, alcançados no tempo previsto, a verdade é que existem standards mínimos que a ONU pretende implementar, para alcançar a paridade de género.

Tem vindo a ser promovida uma boa relação entre homens e mulheres, estimulando-se a liderança tanto no masculino como no feminino. Complementarmente, as mulheres têm vindo a ser convidadas a fazer viagens oficiais, estreitar relações com parceiros institucionais e visitar locais mais difíceis (zonas mais carenciadas, por exemplo). A representação feminina em conferências também é maior agora, procurando-se o equilíbrio entre os oradores e dando-se oportunidade para a realização de networking em horário laboral. Por fim, e em jeito de resumo, a ONU pretende integrar as questões de género em todos os domínios, desenvolvendo programas de liderança e assegurando 50% de participação feminina em todos os seus gabinetes e equipas, com especial enfoque nos cargos de liderança, dado que a mesma é mais difícil de alcançar.

Adicionalmente, para além de promover a IG, a ONU também pretende ser uma organização mais justa, ética e inclusiva, mais flexível e com melhores medidas que estimulem o equilíbrio entre o trabalho e a família.

Deste modo, têm vindo a ser implementadas, em todo o sistema da ONU, políticas para a prevenção de assédio sexual e abuso de autoridade, sendo garantida a confidencialidade das queixas e a protecção contra a retaliação. Com o objectivo de estimular a maternidade, a paternidade e a adopção de crianças, e de promover a protecção familiar, a ONU tem vindo a desenvolver diversas medidas, como a criação de zonas destinadas à amamentação e a comunicação das decisões sobre a mobilidade do pessoal com pelo menos seis meses de antecedência, só após o final do ano lectivo e tendo em conta as necessidades específicas das famílias que vão ficar afectadas.

Em termos de flexibilidade laboral, todos os colaboradores têm a possibilidade de trabalhar remotamente, sendo-lhes concedidos computadores portáteis e outros equipamentos necessários ao cumprimento das tarefas e sendo agendadas reuniões periódicas entre as equipas. Neste aspecto, os líderes têm recebido formação específica acerca das ferramentas que podem utilizar para motivar as suas equipas e garantir que, mesmo remotamente, todos os trabalhadores continuam empenhados nas suas funções.

Estas são apenas algumas medidas standard que a ONU considera importantes em qualquer departamento e equipa. No documento System-wide Strategy on Gender Parity é analisado cada nível hierárquico e são apresentadas medidas mais específicas para cada um deles, num compromisso que, ao que parece, está a ser levado a sério pelo seu secretário-geral.

Um dia, estas políticas e medidas deixarão de ser necessárias e as questões de género passarão a ser um problema do passado. Mas enquanto esse dia não chega, é necessário que organizações de relevo dêem – finalmente – o exemplo. E o facto de a ONU ter conseguido alcançar a igualdade de género nos seus cargos de liderança é, definitivamente, um grande passo para a humanidade.

Jornalista