A IBM, a Heirs Holding e a Coca-Cola são algumas das grandes empresas que já implementaram a criação de valor partilhado nas suas estratégias e operações. E, através de exemplos concretos, explicam como é possível gerar, em simultâneo, lucros e dividendos sociais, com base em parcerias sólidas estabelecidas entre três vértices do mesmo triângulo: empresas, sociedade civil e governos
POR HELENA OLIVEIRA

A denominada Shared Value Initiative, lançada por Michael Porter e Mark Kramer, através da FSG, na reunião anual da Clinton Global Initiative (CGI) em 2012, consiste numa comunidade global de empresas, organizações sem fins lucrativos e fundações, empenhadas em adoptar e implementar as estratégias de partilha de valor entre negócios e sociedade (ver artigo nesta newsletter).

A 13 e 14 de Maio último, a Iniciativa juntou, em Nova Iorque, um conjunto de líderes globais que estão já a integrar a criação de valor partilhado nas suas estratégias e operações de negócio e, mais importante que tudo o resto, a gerar dividendos sociais e, em simultâneo, lucro. Para preparar a cimeira “Shared Value Leadership Summit: Investing in Prosperity”, que vai já na sua 4ª edição, a citada Iniciativa recolheu o testemunho de vários líderes de negócios que partilham as suas histórias de criação de valor, as prioridades para as mesmas e os principais obstáculos que enfrentaram para a sua adequada integração no interior das organizações que lideram.

O VER resume, de seguida, os contributos de Stanley S. Litow, vice-presidente da área de Cidadania Corporativa e Presidente da Fundação IBM, Tony O.Elumelu, presidente do conselho de administração da Heirs Holding [uma grande firma de investimento em África] e de Brian Smith, presidente do Latin America Group da Coca-Cola.

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O que significa, para si, o sucesso do valor partilhado e que exemplo escolheria para o ilustrar?
Stanley S. Litow (IBM): O valor partilhado está incorporado na nossa estratégia de negócio e de cidadania na medida em que é essencial para a criação de um “valor real”. Ou, por outras palavras, a IBM integrou a cidadania na estratégia do seu core business, porque “produzir” uma cidadania eficaz é a forma como fazemos negócio. Não damos nenhum passo atrás nas nossas preocupações “comerciais” para analisar de que forma é possível envolvermo-nos na cidadania como se esta de um “acrescento” se tratasse ou para melhorarmos o nosso “cheque filantrópico”.

Um exemplo de valor partilhado é o nosso Corporate Service Corps (CSC), o qual foi criado para desenvolver os líderes do século XXI com as competências e talentos necessários para manter a vantagem competitiva da IBM no mercado. Ao fim de cinco anos, o CSC produziu valor real no mundo em desenvolvimento, onde mais de 850 equipas de talento de topo da empresa produziram um impacto mensurável em questões económicas cruciais. Em simultâneo, melhorámos competências chave, gerámos impacto em termos de recrutamento e retenção de grandes talentos, o que ajudou à abertura de novos mercados para a IBM.

Tony O. Elumelu (Heirs Holding): O conceito de valor partilhado na Heirs Holding é sinónimo do “Áfricapitalismo”, o qual praticamos e defendemos fortemente. O Africapitalism consiste num apelo feito ao sector privado para investir em África, a longo prazo, nos sectores-chave da economia que possuem o potencial necessário para criar prosperidade financeira, bem como bem-estar social. Esta é a filosofia subjacente à nossa actuação, a qual influencia os sectores em que nos concentramos e os investimentos que fazemos.

Em 2011, investimos em agricultura no estado de Benue, na Nigéria, o qual é considerado como o “cesto dos alimentos” da nação. Esta é uma região do país que abarca uma quantidade significativa da produção da Nigéria, incluindo a de citrinos. Todavia, e apesar da enorme procura por sumos de fruta, o Benue nunca foi bem-sucedido em estabelecer a capacidade para converter os produtos em cru em produtos de consumo prontos a serem servidos no mercado. Assim, e ao longo de muito tempo, a Nigéria continuava a importar toneladas de sumos concentrados de frutas para servir a classe média nigeriana em ascensão. Assim, investimos numa fábrica local de sumo concentrados, a primeira do género na Nigéria, a qual está já a ter um impacto positivo e mensurável na comunidade. Compramos laranjas, ananases e mangas, que anteriormente não poderiam ser vendidas e que acabariam por apodrecer – anualmente, perdia-se 60% da produção. Estamos também a conferir empowerment à comunidade, desde os agricultores até aos muitos que, directa e indirectamente, empregamos nas nossas actividades e introduzimos tecnologia no país nunca antes introduzida. E, para nós, isso chama-se valor verdadeiramente partilhado.

Brian Smith (Coca-Cola): Para mim, um valor partilhado de sucesso é exemplificado pelos mais de 50 mil jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos, que completaram o Coca-Cola Coletivo. O Coletivo começou no Brasil como uma plataforma de auto-estima e de preparação para o mercado de trabalho através da formação de jovens urbanos, sendo que os seus impactos são verdadeiramente inspiradores. Aproximadamente 30% dos jovens que terminaram o [equivalente ao] ensino secundário ou recém-licenciados conseguiram o seu primeiro emprego num período de quatro meses a seguir a terem terminado este programa, sendo que destes, 20% relataram um aumento da sua auto-estima – um dos impactos mais importantes por nós considerados. Estamos igualmente a testemunhar um aumento de rendimentos em 40% nas famílias em que existe um “aluno do Coletivo”, bem como outro tipo de impactos tangíveis no nosso negócio presente nas comunidades Coletivo.

O sucesso do Coletivo Retail estimula-nos a pensar “em grande”. Desafiamo-nos a nós próprios a pensar de que forma é que a nossa cadeia de valor e a nossa capacidade de nos relacionarmos com as comunidades podem transformar, para melhor, os desafios sociais. O nosso pensamento também evoluiu ao longo dos últimos cinco anos e a plataforma Coletivo expandiu-se, no Brasil, para sete modelos diferentes dedicados a vários grupos demográficos – desde as mulheres artesãs aos colhedores de açaí na Amazónia. O Coca-Cola Coletivo é uma verdadeira abordagem de valor partilhado transformacional – contribuindo com soluções para desafios sociais tão distintos quanto o desemprego jovem ou a inexistência de acesso ao mercado de determinados produtos agrícolas – e mediante formas que fortalecem o nosso próprio core business.

Actualmente, estamos comprometidos em utilizar este modelo e o seu potencial para criar um impacto ainda mais positivo. Em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, estamos a refinar o Coletivo e a conferir escala a algumas partes do programa, tanto no Brasil como em outros países da América Latina.

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Enquanto líder, por que motivo considera o valor partilhado como uma prioridade?
Stanley S. Litow (IBM): Ao exercermos o valor partilhado e ao criarmos um valor real para a nossa empresa e para os nossos accionistas através desta via, estamos a oferecer à IBM, em simultâneo, uma vantagem competitiva no mercado. A execução desta estratégia – e o alcançar de resultados mensuráveis – mitiga os riscos de fracassar no espaço da cidadania e resulta num verdadeiro retorno do nosso investimento. Nos nossos esforços de cidadania, tentamos inovar e criar estratégias transformacionais concebidas para gerarem impacto positivo em alguns dos mais complexos desafios do mundo. Um exemplo deste nosso esforço é o de reinventarmos a escola secundária na América e abordarmos as crises de competências que grassam na nação. A nossa estratégia, ao fazermos isto, está concebida para afectar positivamente o nosso talento, para criar capital intelectual para a empresa, para nos tornarmos mais atractivos para investidores socialmente responsáveis e para aumentarmos o nosso valor de marca.

Tony O. Elumelu (Heirs Holding): O valor partilhado é uma prioridade para mim, enquanto presidente do conselho de administração da Heirs Holding, porque acredito que a prosperidade económica e a riqueza social têm de andar de mãos dadas para gerar um impacto máximo. O sucesso não pode ser exclusivamente avaliado em termos económicos e as nossas actividades de investimento não são estritamente conduzidas pelo lucro – apesar de a nossa responsabilidade principal para com os accionistas continuar a ser a criação de valor económico. Acreditamos que uma abordagem de valor partilhado cumpre este mandato na medida em que prepara o caminho para uma criação de riqueza continuada a longo prazo.

A Heirs Holdind é uma empresa de investimento proprietário africana que não só pratica o africapitalism, como também está comprometida com a gestão activa das empresas que constam do nosso portefólio, de forma a assegurar o crescimento e preservação dos nossos investimentos. Este facto sublinha a importância da sustentabilidade, a qual acreditamos ser de importância vital para um desenvolvimento e crescimento duradouros do continente.

Brian Smith (Coca-Cola): Temos a noção de que a escala global e os pontos fortes do nosso modelo de negócio central são significativamente relevantes para colaborações que ajudem a solucionar problemas sociais. Ao alavancarmos esta capacidade para a escala através da nossa cadeia de valor, é-nos possível continuar a aprofundar o nosso impacto.

As razões para darmos prioridade ao valor partilhado são claras: o nosso negócio é apenas tão sustentável quanto as comunidades nas quais operamos. O modelo do valor partilhado é, no seu âmago, uma ferramenta poderosa para gerar impacto económico e social tanto ao nível das comunidades como de todo o nosso negócio. E isso é parte integrante da nossa missão.

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Qual o maior desafio enfrentado na adopção do valor partilhado no interior do ecossistema da sua empresa?
Stanley S. Litow (IBM): Talvez o mais complicado seja evitar ser “embalado” por uma auto-satisfação com base em sucessos que se vão repetindo ano após ano e desafiar, constantemente, a nossa equipa e os nossos colegas de toda a empresa a inovar no sentido de atingirmos a próxima solução disruptiva. A indústria da tecnologia evolui muito rapidamente e o sucesso exige um compromisso constante com a mudança. O compromisso no valor dos seis mil milhões de dólares que a IBM tem com a pesquisa consiste no caminho mais eficaz para se evitar a complacência, sendo que o nosso desafio é o de assegurar que utilizamos as nossas tecnologias inovadoras tanto ao nível comercial como no nosso portefólio de cidadania.

Tony O. Elumelu (Heirs Holding): Eu diria que o nosso maior desafio foi o de inspirar os outros a adoptarem o valor partilhado como parte das operações principais. A Heirs Holding foi fundada com base em princípios de valor partilhado; temos esta filosofia firmemente arreigada nas nossas políticas, nos nossos objectivos estratégicos e na nossa cultura. Permanecemos comprometidos em fazer investimentos sólidos que terão um impacto positivo na sociedade, bem como em aumentar a prosperidade económica para a empresa e para os indivíduos que são directa ou indirectamente afectados pelas nossas actividades.

Todavia, temos também consciência que somos uma espécie de “anomalia” num continente onde, há séculos, o enfoque económico tem sido na indústria extractiva e nos resultados de curto prazo, com um valor limitado no que respeita ao crescimento local. Mas a verdade é que estamos felizes por ver que essa tendência está a mudar. E também é verdade que temos tido algum sucesso em comunicar, para o mundo, aquilo que defendemos e o impacto que desejamos ter no continente enquanto um todo. E continuaremos a fazer mais para partilhar esta mensagem a uma escala pan-africana e a inspirar mais africapitalistas a fazerem o mesmo.

Brian Smith (Coca-Cola): Uma das nossas maiores oportunidades consiste em desenharmos, de forma consistente, novas iniciativas com estruturas similares em mente e convidarmos os mais bem equipados parceiros a juntarem-se a nós. Quando cada parceiro faz parte do que gostamos de chamar o “triângulo dourado” do negócio, da sociedade civil e do governo, ampliamos o nosso impacto de forma exponencial. E para nos ajudar a acelerar a nossa própria abordagem da implementação do valor partilhado, lançámos uma promissora iniciativa de pesquisa com a firma de consultoria FSG no Brasil. Em conjunto, estamos a co-criar uma abordagem holística e estratégica com aplicações e aprendizagens que podem ser utilizadas em todo o Brasil, América Latina e no nosso sistema global.

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Como vislumbra o futuro do valor partilhado na sua organização?
Stanley S. Litow (IBM): Em primeiro lugar, transformar a abordagem à educação através da nossa solução inovadora P-TECH para abordar a crise de competências que está a afectar os Estados Unidos. O nosso objectivo é criar uma rede robusta de escolas 9-14 [este sistema junta alunos com mentores da comunidade empresarial e mistura o ensino com a experiência no local de trabalho através de estágio e com enfoque para as disciplinas STEM – Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática] que possa vir a aumentar a escala e a sustentabilidade. De seguida, pretendemos transformar a dimensão, escala e eficácia da diplomacia cidadã influenciando as empresas do Fortune 500 e a comunidade de desenvolvimento internacional para adoptarem e se envolverem na iniciativa Corporate Service Corps da IBM. Por último, continuamos a trabalhar na criação de modelos inovadores que visam abordar questões urbanas cruciais como o crescimento económico, a melhoria das infra-estruturas, a oferta de cuidados de saúde e o envolvimento dos cidadãos para tornar as cidades mais inteligentes, eficazes e habitáveis.

Estamos particularmente satisfeitos com a expansão que o modelo P-TECH está a ter. Aquilo que começou por ser uma parceria público-privada entre as escolas e a universidade pública da cidade de Nova Iorque e a IBM, que visava a alteração da abordagem de preparação dos jovens do secundário e do ensino superior para carreiras nas indústrias em crescimento, acabou por se “propagar” a outras cidades e estados. Em Chicago, no estado de Nova Iorque e no Connecticut, estas escolas inovadoras demonstram o quão vital é criar um caminho seguro de transição da escola para a carreira para que seja possível eliminar o gap de competências existente e melhorar a competitividade económica nos Estados Unidos. Depois de elogiar, no seu discurso sobre o estado da nação, e depois de visitar a escola inaugural em Brooklyn, o presidente Obama já alocou 100 milhões de dólares em financiamento federal para apoiar escolas similares. E este é um exemplo clássico de valor partilhado.

Tony O. Elumelu (Heirs Holding): O futuro que visionamos tem mais africapitalistas em todo o continente, a serem orientados pela filosofia do valor partilhado de forma a gerar um desenvolvimento sustentável em África. Em última análise, temos todos de reconhecer que a prosperidade económica sustentável conduz a um envolvimento simultâneo de todos os stakeholders. É também é nossa intenção replicar um ciclo de inovação, produtividade e oportunidade em vários sectores chave da economia, de forma a absorvermos os africanos numa força de trabalho eficiente e a criarmos uma partilha de prosperidade, crescimento económico e estabilidade societal.

Brian Smith (Coca-Cola): O futuro afigura-se-nos “refrescante”. À medida que vamos integrando mais valor partilhado em todo o nosso sistema, vejo também mais impacto positivo tanto para o nosso negócio, como para as comunidades onde operamos.

No nosso âmago, quem somos e aquilo que fazemos inspiram momentos de felicidade e optimismo. Consumidores de todo o mundo convidam-nos a fazer parte das suas vidas e temos, por isso, a incrível oportunidade e responsabilidade de ajudarmos as comunidades onde estamos inseridos a se tornarem mais sustentáveis. E se todos os sectores se envolverem em trazer para cima da mesa os seus pontos mais fortes, não existem dúvidas que os nossos esforços colectivos e coordenados terão a capacidade de gerar novo valor capaz de minorar alguns dos mais urgentes desafios globais.

Todos os direitos reservados. Publicado em 19 de Junho de 2014

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