Por muito que confiemos na razão para guiar as nossas decisões, a irracionalidade é parte integrante da forma como funcionamos e pensamos. Partindo desta premissa, o autor do aclamado best-seller Predictably Irrational  lançou recentemente um novo livro que explora o poder das decisões irracionais, a par dos seus efeitos positivos e negativos tanto na vida pessoal como na profissional. E as conclusões são surpreendentes
POR HELENA OLIVEIRA

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Imagine que o seu clube desportivo ganhou o campeonato e que, nessa mesma noite, tem um jantar marcado com a sua sogra. Como está eufórico e a boa disposição reina, decide, num acto irreflectido, comprar um ramo de flores e oferecê-lo à senhora. Um mês depois, volta a ter de jantar com a mãe da sua mulher e recorda-se do seu acto gentil e galanteador. E volta a comprar flores, repetindo o gesto e dando início ao que se irá tornar, sem ser intencional, um ritual mensal. Ou seja, o que não era mais do que uma emoção absolutamente transitória, acabou por se cristalizar num hábito que irá perdurar no futuro. Não servindo este artigo para dar dicas de como agradar a sogras, a primeira ideia que daqui podemos retirar é a de que, apesar de neste cenário em particular, o hábito ser algo positivo, quando as emoções são negativas e se transformam neste tipo de cascatas emocionais, os resultados poderão ter implicações sérias e nefastas. A probabilidade de perpetuarmos um hábito negativo, quando a tomada de decisão é feita à luz de estados de mau humor ou de moral em baixa, é enorme, porque, na verdade, apesar de sermos considerados seres racionais, a irracionalidade reina muitas vezes.

Se não é suficientemente egocêntrico para não o admitir, decerto que muitas vezes considera que o seu cérebro é…bem, digamos, burro. E a novidade é que poderá ter toda a razão. Para o psicólogo e especialista em economia comportamental Dan Ariely, os nossos cérebros são estúpidos mediante variadas formas, simplesmente porque temos uma predisposição para a irracionalidade. A boa notícia é que esta irracionalidade tem um lado positivo. E é sobre os nossos actos irracionais e o peso que estes têm na nossa tomada de decisão que o autor do famoso bestseller Predictable Irrational, brinda agora os seus muitos seguidores com uma espécie de sequela, denominada The Upside of Irrationality: The Unexpected Benefits of Defying Logic at Work and at Home.

O professor da Duke University, a par de muitos dos seus colegas que estão a desenvolver a área da economia do comportamento, estão a descobrir que, apesar de serem muitas as vezes em que somos irracionais, a irracionalidade é previsível, ou seja, segue um padrão. E alguns dos seus aspectos podem até ser úteis para a sociedade. A título de exemplo, são muitas as vezes que sacrificamos o nosso próprio bem-estar em prol do dos outros. E, adicionalmente, estarmos conscientes das formas mediante as quais somos irracionais negativamente, poderá ajudar-nos a compensar, de maneira mais eficaz, o facto de os nossos cérebros não obedecerem, sempre, a actos de racionalidade.

O objectivo principal deste livro e de acordo com o próprio autor “é o de percebermos como é possível retirar o melhor do bem e o menor dos males de nós mesmos quando tomamos decisões relativamente a questões tão díspares como as nossas finanças, os nossos relacionamentos, a forma como encaramos o trabalho e a nossa própria vida pessoal”. E, no que respeita às motivações que nos movem, a ideia é aceitar que “não somos tão hiper-racionais como o Dr.Spock, mas semelhantes ao falível, míope, vingativo, emocional e parcial Homer Simpson.
Resta saber porquê.

O dinheiro é um incentivo demasiado caro para motivar as pessoas
As experiências feitas por Ariely com diferentes níveis de salários e performances levaram-no a concluir que as recompensas financeiras podem, na verdade, constituir um “pau de dois bicos”. “Apesar de motivarem as pessoas para trabalharem melhor, quando se tornam grandes demais, acabam por ser contraproducentes e, na maioria das vezes, prejudicam a própria performance”, escreve Ariely.  As pesquisas comprovam que quando as pessoas começam a obter recompensas demasiado grandes, são motivadas pela quantidade de dinheiro que lhes está prometido, pelo stress inerente à sua obtenção e pelo medo de não o conseguirem alcançar, ao invés de se concentrarem na tarefa que têm em mãos.

As grandes recompensas financeiras não aumentam a performance .
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Por outro lado, as pessoas com bónus elevados podem alcançar bons resultados no que respeita a tarefas mecânicas e simples, mas o oposto pode acontecer quando é necessário estimular o cérebro ou, por outras palavras, a criatividade. Ariely acrescenta que, em todas as empresas com que tem trabalhado, a época dos bónus é extremamente miserável, não existindo ninguém que seja mais produtivo ou estimulado ao longo da mesma. Mais ainda, os que parecem mais felizes são aqueles que trabalham em organizações que oferecem este tipo de compensações como simples prova de apreciação e que podem ser prémios tão simples como uma jantar num bom restaurante ou uma viagem. Ou seja e em resumo, de acordo com os resultados das experiências feitas por Ariely, a estrutura de bónus que aumenta a performance dos trabalhos que são físicos tem como efeito o congelamento da produtividade dos trabalhadores do conhecimento. Irracional? Sim, mas verdadeiro.

Assim, o facto de as empresas pensarem que os bónus em dinheiro aumentam sobremaneira a motivação estão, de acordo com o professor, completamente erradas. A motivação inclui, sim, variáveis tão díspares como o significado, o sentimento de pertença, de contributo para um bem comum ou de orgulho.

Aliás, para o professor, só uma compreensão abrangente da extrema complexidade que caracteriza a motivação humana poderá permitir o desenvolvimento de ferramentas que aumentem essa mesma motivação, a partir da identificação do que realmente estimula as pessoas porque, claramente, o dinheiro é um motivador mas não a melhor resposta em todas as ocasiões. E a questão do significado do trabalho está igualmente relacionada com temas nem sempre tão racionais quanto o que supomos.

Os frutos do trabalho e o efeito IKEA

O sentimento de autonomia é um dos maiores factores que atribuem significado ao que fazemos, a par da sobrevalorização daquilo que criamos a partir de nós mesmos. Numa experiência realizada pela equipa do Professor da Duke, foi pedido a um grupo de apaixonados por Lego (e pagos para isso) e com base em duas condições que: a) construíssem robots de lego, sendo que para o primeiro receberiam três dólares, 2,70 pelo seguinte e assim por diante; cada vez que acabavam de construir um, era-lhes perguntado se gostariam de construir outro; b) a história repete-se, mas sempre que lhes era dado um outro robot para construir, o anterior era desmontado à frente dos seus olhos, sendo que lhes era dado novamente o primeiro. O resultado mais revelador foi o de que, nos casos em que os robots eram destruídos na frente das pessoas, estas desistiam muito mais depressa. E aqueles que não o eram, levavam as pessoas a ser muito mais persistentes na construção de vários outros.

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Para o autor, esta experiência é a prova de que ao se arruinar um qualquer tipo de trabalho efectuado em frente aos olhos de quem o realizou, o significado da tarefa é eliminado. Para Ariely, esta é uma excelente analogia para muitas das coisas que fazemos no local de trabalho: “Se colocarmos pessoas que têm paixão por um determinado conjunto de coisas num trabalho com condições que encerrem significado, o gozo que deriva dessa actividade será um dos principais estimulantes para ditar o seu nível de esforço. Se, pelo contrário, essas mesmas pessoas, com os mesmos níveis de paixão e de desejo, forem atiradas para condições de trabalho sem qualquer significado, é extremamente fácil matar qualquer tipo de prazer interior que possa provir dessa mesma actividade”, escreve Ariely.

Por outro lado, criar ambientes de trabalho onde as pessoas possam gozar de um mínimo de autonomia é meio caminho andado para que o significado se instale. Com a especialização prevalecente no mundo empresarial, os empregados podem, facilmente, sentir-se desmoralizados por não conseguirem sentir o seu contributo num quadro que é demasiado grande. E, apesar de existirem inúmeras abordagens por parte das gestões sénior para aumentar a moral nas suas equipas, a verdade é que estratégias desta natureza exigem tempo. Como afirma Ariely, “se pensarmos nos colaboradores como ratos a trabalharem num labirinto, então não existe qualquer tipo de motivo para os ajudar a ter motivações ou lhes explicar por que motivo se lhes diz ‘não!”, afirma. “Contudo, se pensarmos que as pessoas são movidas por motivações internas, então é altura de os executivos despenderem algum do seu tempo a estimulá-las sendo que, como todos sabemos, é muito difícil encontrar autonomia nas camadas mais baixas da estrutura empresarial”.

Uma outra questão desenvolvida pelo Professor no seu livro, estritamente relacionada também com o significado e a motivação, tem a ver com a sobrevalorização, irracional mas compreensível, daquilo que conseguimos fazer por nós mesmos. O denominado “efeito IKEA”, exemplificado pelo facto de que as pessoas que conseguem montar um móvel da famosa cadeia sueca se sentem “donos da sua própria criatividade”, está intimamente relacionado com a psicologia do “faça você mesmo”. O livro de Ariely chama a atenção para um case study fascinante: nos anos 40, na altura em que as misturas instantâneas foram introduzidas no mercado, os marketers interrogavam-se por que motivo as misturas para biscoitos vendidas eram um sucesso, o mesmo não acontecendo para as dos bolos. Um psicólogo chamado Ernest Dichetr especulava então que o que as pessoas queriam era sentir que tinham contribuído para fazer o bolo. E, caso os consumidores pudessem adicionar ovos frescos, pensou, poderia estimular o suficiente o tal orgulho próprio da criação. E, na verdade, quando esta hipótese se tornou uma realidade, as vendas explodiram. O que Ariely defende é que, ao se escolher o caminho mais fácil, tal poderá privar-nos de um sentido mais profundo de prazer associado à ultrapassagem de obstáculos, por mais pequenos que sejam. E não é assim tão difícil fazê-lo no local de trabalho.

A estranha adaptabilidade humana e a complexa tomada de decisão
Por que motivo nos acostumamos tão rapidamente com as coisas? Tomando como ponto de partida uma experiência pessoal – um terrível acidente que quase o matou e deixou parcialmente queimado e com limitações físicas quando era jovem – o autor chama a atenção para a nossa gradual adaptação, ao bom e ao mau. No seu caso em particular e como escreve, “aprendi e encontrei um certo nível de satisfação na capacidade de provar a mim mesmo e aos outros que, pelo menos uma parte de mim não tinha mudado, ou seja, a minha mente, as minhas ideias e o meu pensamento”. Esta experiência comprova as demais pesquisas realizadas por Ariely no que respeita aos mistérios da adaptabilidade humana. As pessoas adaptam-se, muitas vezes de forma surpreendente, às diferentes circunstâncias da vida, algo que pode ter efeitos negativos mas também positivos. E, tal como os nossos olhos se adaptam facilmente à luz, o mesmo acontece com as nossas misérias e “estados elevados”. Ariely alerta para o facto de não termos muito jeito para antecipar nem a extensão nem a velocidade com que nos ajustamos a novos estímulos, sejam eles prazenteiros ou dolorosos.

Quanto mais importante for a decisão, mais irracional é a nossa decisão .
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Assim e no que respeita a nos adaptarmos aos prazeres da vida e dado que estes não duram muito tempo, o Professor sugere que devemos desacelerar e, até, interromper o prazer, de forma a podermos sustentá-lo por mais tempo. Já no que respeita a experiências dolorosas, a atitude deverá ser a oposta: vivê-las intensamente ao longo do período de tempo necessário, mas de forma ininterrupta.

No que respeita à vida empresarial, o capítulo do livro dedicado a esta questão elucida-nos sobre os motivos devido aos quais a gestão da mudança tradicional não funciona na actualidade. Ao nos adaptarmos com muita facilidade a determinadas rotinas e a modos de acção repetitivos, perdemos a capacidade para inovar e arriscar.

Um outro capítulo fascinante diz respeito à forma como tomamos decisões. Principalmente quando estas são más. Como se pode ler no livro “as pessoas são geralmente muito irracionais, agindo da forma mais indesejável, quanto mais importante for a decisão”. Um dos exemplos mais flagrantes é a decisão de ter filhos. É comum, quando questionamos alguém sobre esta possibilidade que a resposta seja: “se fosse a pensar muito nisso, nunca o faria, portanto o melhor é não pensar”. Por outro lado, e noutro tipo de decisões completamente diferentes, analisa-se cuidadosamente todos os prós e contras. Um bom exemplo é a compra de um carro, o que mostra, mais uma vez, como podemos ser irracionais. Apesar de nos convencermos de que passámos imenso tempo a decidir sobre ter ou não filhos, o mais provável é que o tempo despendido nesta decisão seja muito menor comparativamente à da aquisição de um carro. Independentemente das conversas sobre custos e benefícios, a nossa capacidade para pesar os prós e os contras não aumenta de acordo com a dificuldade da decisão. Por outro lado, quando as notícias são más e a decisão muito difícil tomar, geralmente tomamo-la sem pensar, o mais rapidamente possível, apenas para a fazer “desaparecer”.

Um dos objectivos principais de Ariely e da sua equipa é aplicar as ciências sociais ao mundo real – sendo este igualmente um dos propósitos da economia comportamental – divisando uma área de políticas empíricas e defendendo que sempre que uma política governamental esteja para ser implementada, no sentido que terá impacto para milhões de pessoas, deveriam ser feitas, de forma antecipada, pesquisas decorrentes de várias áreas do conhecimento para se conhecer que tipo de política funcionaria melhor. Contudo e para sua frustração, as pessoas não têm vontade de testar nada, seja por parte dos governos, das empresas e mesmo a nível individual. Daí que, muitas vezes, a irracionalidade impere e seja responsável por resultados negativos.

A leitura de The Upside of Irrationality ajudará o leitor a identificar as decisões menos correctas, os efeitos positivos e negativos que a irracionalidade gera nas nossas vidas, tanto a nível profissional como pessoal. Uma boa leitura para a rentrée que agora se inicia.

Editora Executiva