O que teve como mote a publicação de um código de conduta para a gestão de topo na EDP levou a uma conversa longa e variada com António Martins da Costa, administrador da maior multinacional portuguesa e com uma presença relevante no panorama energético mundial. Do edifício “ético” que tem vindo a construir continuamente, passando pela diversidade geográfica e cultural que caracteriza a sua presença global, sem esquecer o “amor crítico” definido por este gestor como explicativo do facto de os portugueses criticarem a empresa, mas a preferirem, em detrimento das suas concorrentes, Martins da Costa fala abertamente dos desafios éticos e de liderança que se impõem no actual ambiente de aguerrida competitividade e celeridade em que vivemos
POR
HELENA OLIVEIRA

A EDP acaba de publicar um código de conduta para a Alta Direcção e Senior Financial Officers. Sabendo que a EDP já tem desde 2005 um código que abrange todos os colaboradores, quais os motivos que levaram ao desenvolvimento de um código de conduta desta natureza para este grupo “mais específico” e com responsabilidades acrescidas?

Em primeiro lugar, para nós, a ética não é apenas um código. Um código é um instrumento que serve a função mais alargada, mais abrangente, que é a ética corporativa. O código de ética será como a cartilha base daquele que é o posicionamento da companhia perante os seus stakeholders, internos e externos, o qual deverá ser declinado para as funções e os segmentos específicos onde tal se justifique. É como ter a constituição, mas depois falta a regulamentação específica para cada uma das matérias.

[pull_quote_center]Termos códigos que estão muito bem escritos e muito bem fundamentados, mas que não são consonantes com a prática dos dirigentes, serve apenas para criar o que se chama de dissonância cognitiva[/pull_quote_center]

E, neste caso em particular, o top management ou a alta direcção é um segmento extremamente sensível, pois está nas suas mãos o caminho e as decisões que moldam o futuro da empresa. Portanto, era prioritário declinar, para esse segmento, os princípios de actuação e os compromissos que, numa formulação mais genérica, estão estabelecidos no código de ética. E isso é feito através de um código de conduta. Este código de conduta foi bastante trabalhado e participado, tendo passado inclusivamente por sessões de discussão com os vários directores, num conjunto de eventos a que nós chamámos Tone at the Top, nos quais procurámos interpretar, na óptica da empresa, o alcance desses princípios e compromissos, discutir as zonas cinzentas, as situações novas que aparecem e para as quais ninguém está preparado, de modo a, mesmo podendo manter opiniões diferentes, encontrarmos sintonia em torno da matriz ética da EDP. Assim conseguimos, focando as matérias que considerámos fundamentais, estabelecer a principal declinação do código de ética que é o código de conduta da alta direcção.

Este novo Código de Conduta começa com um excerto do denominado “Juramento de Davos”, que foi promovido e adoptado, em 2010, pelo Young Global Leaders do Fórum Económico Mundial. O que levou a EDP a inspirar-se no mesmo?

Sim, tomámo-lo como um ponto de partida, porque o posicionamento expresso na introdução ao Juramento de Davos que refere foi algo que considerámos constituir um enquadramento apropriado para o que a EDP está a fazer em termos de ética corporativa, em particular quando temos presente a dimensão ética das decisões de gestão.

Nos compromissos estabelecidos no código pode ler-se “Os dirigentes, os membros da Alta Direcção e os Senior Financial Officers, reconhecendo que o exemplo da sua actuação é o melhor e o mais poderoso código de conduta que a organização pode ter e a melhor salvaguarda da reputação da Empresa, comprometem-se a (…)”. Ou seja, é o assumir que há um código mais poderoso que este – e que é o do exemplo – e que tem de partir do topo para as bases. É isso?

Essa questão fala por si própria. Termos códigos que estão muito bem escritos e muito bem fundamentados, mas que não são consonantes com a prática dos dirigentes, serve apenas para criar o que se chama de dissonância cognitiva. O que se escreve não é aquilo que se faz. Portanto, diria que, no limite, até é preferível que não haja código nenhum, mas que as pessoas tenham um comportamento exemplar e que sejam elas mesmas “o” código para os outros, mesmo que informal. Mas, se juntarmos ambas as coisas, tanto melhor. Ou seja, existir um código escrito e a prática seguida pelas pessoas estar ajustada ao mesmo. No entanto, a liderança vai muito para além do que está escrito. Porque, tal como nas leis de um país, é impossível declinar num código tudo aquilo que se deve ou não fazer. Ou seja, há sempre matérias de interpretação subjectiva e de apreciação global. O mesmo acontece, e em maior escala, no tema da ética que, para muitas pessoas, é de carácter “opinativo”, o que sendo verdade para algumas matérias, não o é para muitas outras onde, na verdade, as questões são de “certo” ou “errado”. Dai o papel relevante das lideranças no exemplo.

O Código conduz-nos também a uma das máximas da responsabilização das empresas e dos seus líderes: a de que a ética, antes de ser empresarial, é pessoal. É isso?

Sem dúvida. Não são as empresas que são éticas, mas sim as pessoas que as constituem. E o exemplo [dos líderes] é o melhor código de conduta que se pode dar a uma organização.

O último, mas decerto não menos importante, compromisso que se pode ler neste recente Código de Conduta leva-nos também à utilização da expressão “coragem moral”. Neste ambiente de mudança célere e contínua, e de aguerrida competitividade, têm as empresas e os seus líderes de ser corajosos para fazer aquilo que é correcto, para seguirem os seus princípios morais?

Não tenho dúvidas. E é claro que nós incentivamos as pessoas a ter essa coragem moral. Mas também significa que tem de existir prudência e racionalidade na forma como as pessoas tomam as suas posições, já que nem tudo o que parece é e, frequentemente, acabamos confrontados com o facto de “aquilo não ser bem assim”. Em particular, para quem desempenha funções de gestão topo, a prudência e a racionalidade nas avaliações são ainda de maior importância. Adicionalmente, há que se ter em igual consideração a realidade envolvente, sendo que quanto mais pequeno é o meio, mais coragem moral é necessária. Porque a pressão externa é muito maior se comparada com um ambiente mais vasto e mais diluído: estejamos a falar da dimensão do país, da dimensão das empresas ou da dimensão dos grupos onde se trabalha. O que difere sobremaneira se, por exemplo, estivermos a falar de um pais como os Estados Unidos ou de um país como Portugal.

Sim, mas no caso da EDP, estamos também perante uma empresa que é global.

Sim, claro, e por isso mesmo temos que ter sempre em consideração as especificidades dos locais onde se está a actuar. Sem esquecer, também, que os valores não são exactamente iguais em todas as geografias onde operamos.

Isso conduz à minha questão seguinte. Na medida em que a EDP é uma organização global, a gestão da diversidade, seja ela de género, cultural ou geracional, pressupõe um enorme desafio, que este código assume falando da riqueza da diversidade, mas também da necessidade de sintonia. Suponho que não seja fácil instituir uma “linguagem ética universal” em diferentes geografias. Como se implementa uma “matriz de conduta geral” em ambientes tão diversos e se garante a sua consistência?

Eu diria que existe uma matriz comum de valores que é independente da geografia. O gestor tem de ser honesto e não pode ser levado por caminhos que possam presumir corrupção. O ser avesso à fraude, o ser diligente em relação ao seu trabalho, tudo isso são regras fundamentais em todo o mundo. São-no, igualmente, o respeito e a responsabilidade.

[pull_quote_center]O posicionamento expresso na introdução ao Juramento de Davos foi algo que considerámos constituir um enquadramento apropriado para o que a EDP está a fazer em termos de ética corporativa[/pull_quote_center]

No entanto, como referi anteriormente, existem também nuances que variam de geografia para geografia, por exemplo em termos de níveis de exigência. Será o caso do Brasil, onde em resultado de todos os escândalos de corrupção que têm vindo a aparecer, os níveis de exigência passaram para o extremo contrário. Ou seja, aquilo que poderia ser considerado aceitável em termos de costumes e tendo em conta que estou a referir-me ao universo empresarial brasileiro, passou a ser de um nível de exigência extremamente rígido, que não encontramos em outras geografias.

E relativamente ao ambiente de ética corporativa nos Estados Unidos?

Nos Estados Unidos, este tema é muito “preto ou branco”, estando muito bem definido nas regras o que se pode e o que não se pode fazer. Existe uma “red line” que define, por um lado, tudo o que é permitido e, por outro, tudo o que é proibido. Claro que nem sempre é fácil definir todas as situações, existindo sempre uma zona cinzenta em ambas as “linhas” e no que está, ou não, explicitamente escrito.

Mas isso significa o que acabamos por testemunhar quando olhamos para as grandes empresas americanas. Ou não se vai para além da mera compliance ou, por outro lado, os seus códigos são extremamente rígidos. E quando fala nessa zona cinzenta, e se remontarmos à crise de 2008, considera que os activos tóxicos podem ser colocados no mesmo “saco” do que não estava explicitamente escrito? Foram muito poucos os banqueiros de Wall Street que foram responsabilizados por uma crise financeira que se tornaria global… Essa tal “red line” é mais esbatida no sector da banca? O que acha que aconteceu na altura?

O que eu penso é que as “red lines” que existiam no passado deixaram de existir, tendo sido deixadas à subjectividade das pessoas. E, a par disso, os mecanismos de desregulação foram muitos. Sem “red lines”, sem regulação e com uma compliance que passou a ser mais permissiva, todo este ambiente deu origem ao facto de que qualquer gestor, empregado, ou técnico passasse a regular-se apenas por aquilo que era o seu KPI, ou seja, o objectivo a atingir no fim do ano, ou e por outras palavras, o que lhe conferisse maior prémio, mais remuneração, considerando que não estavam a fazer nada de mal. Uma espécie de “não está escrito que é proibido, não tenho nenhuma red line, portanto é permitido e eu posso fazer. Assim, vou embalar produtos, meto os produtos tóxicos dentro de um pacote e vendo-os”. E se, por um lado, é possível pensar que muitas daquelas pessoas consideravam que não estavam a fazer nada de mal, por outro, acredito que, lá no fundo, eles também sabiam que não estavam a fazer nada de bem.

Dado que a sua experiência passou exactamente pelos Estados Unidos, como também pela Polónia e Brasil, enquanto líder multicultural que lições e experiências o marcaram mais ao longo desta já longa e diversificada carreira?

No caso da Polónia, não estava ainda na EDP, mas sim no BCP. De seguida, já pela EDP, fui para o Brasil e, mais tarde, para os Estados Unidos. Mas sim, são realidades completamente diferentes.

No caso da Polónia, no final do século XX e nos inícios do século XXI, em tempo de consolidação da sua democracia e da economia de mercado, em que as grandes empresas eram todas estatizadas e estavam a passar por um modelo de privatização, tudo era feito de uma forma rápida e com uma grande vontade de se chegar ao “sucesso”. O que implicou, muitas vezes, que se ultrapassassem etapas e que não se cumprissem regras básicas. E o mesmo aconteceu nos demais países da Europa central e de leste. Assim, foi inevitável a ocorrência de muitos desvios, muitos caminhos tortuosos, o que acabou por exigir, da nossa parte, uma preocupação ainda maior para não nos deixarmos levar por esses mesmos caminhos.

[pull_quote_center]O gestor tem de ser honesto e não pode ser levado por caminhos que possam presumir corrupção. O ser avesso à fraude, o ser diligente em relação ao seu trabalho, tudo isso são regras fundamentais em todo o mundo. São-no, igualmente, o respeito e a responsabilidade[/pull_quote_center]

Cumprir as regras, da forma mais clara e transparente possível, pensando sempre que se estava a defender os accionistas que representávamos e, em simultâneo, defender o interesse da empresa na qual tínhamos uma participação importante e relevante e, em alguns casos, até uma posição de controlo. Saber que tínhamos uma responsabilidade social perante a comunidade onde estávamos inseridos. E, ainda, voltar a introduzir os modelos já consolidados da Europa ocidental, numa população muito bem formada, com quadros de alto nível e que viveu durante décadas sem conseguir atingir o sucesso que outras empresas do mundo ocidental já tinham atingido, foi muito complexo. Principalmente porque, como sabemos, a pressa é, na maioria das vezes, má conselheira. Em particular para os gestores mais jovens, que estavam a sair das universidades com bons conhecimentos e com uma ambição e vontade enormes de chegar ao sucesso, o facto de não saberem dosear as mesmas conduziu a situações verdadeiramente ambíguas.

Hoje, a situação na Polónia e passado esse período de transformação económica e social está muito mais estável e normalizada.

E no Brasil?

É um caso completamente diferente, na medida em que estamos a falar de um “país tropical”, com características muito interessantes, de enorme dimensão – quase um continente – e com um modelo administrativo muito copiado dos Estados Unidos da América, mas com muita influência europeia. Tudo isto dá origem a um país fantástico, mas que funciona a diferentes velocidades. A realidade empresarial, por exemplo, de São Paulo, tem muito pouco a ver com a realidade empresarial de outros estados mais remotos, onde as regras do jogo são outras. São Paulo é “primeiríssimo mundo”, tem tudo o que é possível encontrar nos grandes centros financeiros do mundo. Gente qualificada, excelentes universidades, uma cultura empresarial fortíssima, mas também com uma nuance, particularmente face à Polónia: com uma cultura empresarial de base muito familiar. As grandes empresas brasileiras, os grandes grupos empresariais, ainda hoje são empresas de famílias. Ou então são do Estado. O que acabou por dar origem a um desenvolvimento das práticas de gestão que estão muito afinadas. No Brasil, o senão é que entre o que está escrito nas leis e regras e depois a sua aplicação prática vai alguma distância. E em alguns casos muita distância. Apesar de existirem muitas coisas que funcionam. Por exemplo, o modelo regulatório do sector eléctrico no Brasil é dos mais completos que eu vi no mundo todo, sendo que a sua aplicação também é sólida e, curiosamente, um dos sectores onde há alguma estabilidade. Existem, no entanto, outros em que isso não acontece.

E em que áreas se torna mais visível essa distância que fala?

O Brasil tem um sistema fiscal muito complexo, ao mesmo tempo que tem um sistema judicial muito pouco eficaz. Quando as coisas chegam ao nível superior, ao nível federal, aos supremos tribunais, há alguma previsibilidade, e fiabilidade, no que respeita às decisões. Aos níveis mais baixos e nas comarcas mais remotas, há uma imprevisibilidade total daquilo que pode acontecer, o que pode bloquear a actividade empresarial. E nem sempre se percebe o que está a acontecer. E quando existem zonas cinzentas há sempre alguém que cria dificuldades para depois vir outro alguém vender facilidades. Mas e felizmente, no que se apresenta como nuclear na vida empresarial do Brasil, existe uma relativa solidez, em conjunto com uma cultura empresarial muito sólida e consciente dos tempos de mudança.

[pull_quote_center]O líder tem de garantir a todas as pessoas que está dedicado à organização, que acredita nela e que vai tentar ao máximo disponibilizar os meios para que ela tenha o que precisa para ser bem-sucedida e da forma mais eficiente possível[/pull_quote_center]

E ainda regressando aos Estados Unidos e no que respeita à sua cultura empresarial?

Sabendo que é um país que foi criado por imigrantes com grandes capacidades de empreendedorismo – os empreendedores natos – e no qual, tal como se diz “só não tem sucesso quem não quer” – não sendo bem assim, é claro – existem, de facto, oportunidades para toda a gente. E é também um país onde uma boa ideia tem sempre excelentes oportunidades de ser financiada, existe sempre gente com vontade de investir algum capital, mesmo com o risco de perder dinheiro. Tem, por outro lado, uma outra característica interessante, que é o facto de as pessoas que trabalham sentirem que estão a vender as suas capacidades, estejamos a falar de um gestor de topo ou de um funcionário mais básico. E é por isso que, muitas vezes, não compreendemos muito bem a volatilidade do mercado de trabalho, com as pessoas a mudarem de empresa para empresa, e nos questionamos se as mesmas não se guiam pelos valores do projecto, mas somente pela parte material. Sim, os valores do projecto têm alguma importância, mas também se assiste à eficiência do mercado e daquele que paga melhor. E isto é uma questão cultural que começa logo em tenra idade, com as escolas a promoverem muito este espírito de procurar criar riqueza, não só para si mesmos, mas também para os que os rodeiam. A redistribuição da riqueza, o “devolver à sociedade” faz parte integrante da cultura americana, mas muito como atitude pessoal.

O Papa Francisco afirmou, não sendo a primeira vez, num recente encontro de gestores e empresários católicos que teve lugar no Vaticano, que as empresas – e, nomeadamente os seus líderes – existem para servir. Na medida em que estamos também numa era em que começam a aparecer novos modelos de gestão, seja o “shared value”, as B corps e nomeadamente a chamada gestão ou liderança de serviço, como comenta esta chamada de atenção que o Papa tem feito no que respeita a esta temática em particular?

Apesar de não ser ninguém para comentar o Papa, relativamente à questão que me faz, eu utilizaria a imagem da pirâmide invertida, que é o contrário daquilo que, normalmente, se passa nas organizações. As organizações têm o topo da pirâmide e depois a base de sustentação, composta pelas pessoas que trabalham nas funções mais básicas, que garantem a sustentabilidade dessa pirâmide. Mas esta pirâmide invertida vai no sentido do que acabou de dizer. Quem está no topo tem uma grande responsabilidade e é por isso que a pirâmide se inverte. O facto de estar “cá em baixo”, na base dessa pirâmide invertida, significa que se tem o peso de toda a organização nos ombros. E é preciso não esquecer que, quanto mais no topo se está, mais sozinho se fica.

Sim, o tema do isolamento do gestor de topo já muitas vezes debatido…

Exactamente e eu estive várias vezes nessa posição. Pode-se ouvir muita gente, mas no momento de se decidir, decide-se sozinho. Mas, como gestor de topo dessa pirâmide invertida, o líder tem de garantir a todas as pessoas que está dedicado à organização, que acredita nela e que vai tentar ao máximo disponibilizar os meios para que ela tenha o que precisa para ser bem-sucedida e da forma mais eficiente possível. E dar, não tudo a toda a gente, mas dentro daquilo que é a capacidade existente na empresa e daquilo que o líder, e as pessoas que o rodeiam, acham que é adequado e prioritário.

[pull_quote_center]Quem está no topo tem também de saber gerir uma série de outras facetas: as pessoas, o relacionamento com a sociedade e, ao mesmo tempo, incorporar uma série de valores, sendo que, para mim, existem três que são fundamentais: o do risco, o da sustentabilidade e o da ética[/pull_quote_center]

Quem está no topo tem de fazer uma justa repartição dos recursos, de acordo com o que são as prioridades da organização e, também, do que a sua experiência, o seu conhecimento e o seu bom senso aconselham. Porque muitas vezes não são só as questões de carácter económico que devem determinar se se colocam mais recursos num lado ou no outro. Para estar no topo da estrutura não basta ser bem-sucedido e ter atingido os objectivos todos. Claro que ajuda, mas quem está no topo tem também de saber gerir uma série de outras facetas: as pessoas, o relacionamento com a sociedade e, ao mesmo tempo, incorporar uma série de valores, sendo que, para mim, existem três que são fundamentais: o do risco, o da sustentabilidade e o da ética.

E, sim, chegando agora ao que me questionou, quem está no topo dessa pirâmide invertida, tem de sentir que está ali para servir a organização. Obviamente que, também, terá o proveito inerente à função, na justa medida do que é o modelo da sociedade e da organização onde trabalha. Mas sinto, sinceramente, que o papel do gestor de topo é servir a organização.

A propósito do proveito, uma das questões que também é muito debatida é exactamente a da dimensão desse mesmo proveito, dos pacotes de remuneração dos gestores de topo. Recordando um dos últimos estudos que li sobre essa matéria, o mesmo afirmava que, em média, os gestores norte-americanos ganham cerca de 300 vezes mais do que os trabalhadores comuns. O que acha desta desproporção?

Eu acho que tal como todos os mercados, também o mercado laboral dos gestores obedece às leis da oferta e da procura. Mas também é verdade que têm de existir algumas regras, na medida em que todos os mercados têm os seus limitadores. E a questão é: que regras é que devem existir para que o mercado deixe de ter essa distorções brutais? Por exemplo, já se começou a trabalhar muito no sistema de incentivos, em particular no sistema financeiro – mas que nós, na EDP, também temos – que é, em primeiro lugar, a remuneração não ser toda fixa e existir uma boa parte que seja variável. Em segundo lugar, e muito importante, que essa remuneração variável seja paga diferidamente. E eu penso que estamos a caminhar no sentido de se introduzir alguma disciplina – e uma maior ética – neste tema das remunerações. Sendo também claro que há que caminhar no sentido de uma maior justiça, para não existirem essas situações que relatou. E que não temos em Portugal, na medida em que e mesmo à nossa escala, à “dimensão portuguesa”, está longe dos valores que mencionou. Essa desproporção existe nos Estado Unidos, na Inglaterra, e também na China. Mas o que se tem de fazer é pôr os mercados a funcionar melhor.

[pull_quote_center]Penso que estamos a caminhar no sentido de se introduzir alguma disciplina – e uma maior ética – no tema das remunerações [dos gestores de topo][/pull_quote_center]

Por outro lado, acho que também existe aqui uma questão de percepção da sociedade que acaba por ser enviesada. A sociedade em geral é muito crítica, neste momento, no que respeita às remunerações dos gestores, tal como o é em relação às dos políticos, por outras razões. Mas se formos ver os desportistas, que também funcionam num mercado, a sociedade já não é tão crítica. O que cria uma distorção: por que é que dar pontapés numa bola é o máximo e o outro, que muito provavelmente queimou as pestanas, fez mestrados e doutoramentos e que chegou ao topo da carreira e é muito bem remunerado é tão criticado? E este enviesamento social é um tema que, do ponto de vista da ética das percepções, é muito interessante. Por outro lado, também considero que o grande gap está nas funções mais indiferenciadas: o que ganha um trabalhador nestas condições na Suécia ou na Alemanha nada tem a ver com o que aufere um empregado indiferenciado no nosso país. E, infelizmente, é aí que reside o nosso maior problema. E o que eu vou dizer pode parecer provocativo, mas a verdade é que fazem falta mais “ricos” em Portugal, que investissem no país, que criassem mais riqueza e que gerassem mais emprego. O nível médio da sociedade também aumentaria. Nós, mesmo na riqueza, somos dos mais pobres.

A EDP aderiu ao movimento “Compromisso Pagamento Pontual”, uma iniciativa promovida pela ACEGE e que conta já com mais de 850 empresas aderentes. O que levou à EDP a assinar também este compromisso de pagamento atempado a fornecedores e – sabendo-se que em Portugal mais 80% das empresas não o faz – na sua óptica, qual a sua importância (para além das óbvias) para o ecossistema económico?

Como maior empresa portuguesa, entendemos que devemos dar o exemplo também nessa matéria. E estamos a fazer um enorme esforço – pois existem questões operacionais, administrativas, de sistemas, que ainda não estão completamente afinadas – para cumprir o pagamento a tempo e horas. E entre as preocupações várias que temos em matéria de ética dentro da EDP, esta é mais uma peça no edifício que construímos. Em conjunto com todos os instrumentos que já referi: o código de ética, o código de conduta para a alta direcção, bem como outros para funções específicas. Temos a figura do Provedor de Ética, um comité de ética ao nível da área executiva da empresa e um outro ao nível do Conselho Geral e de Supervisão, em que ambos se acompanham mutuamente; temos um índice interno de monitorização do desempenho ético (o Ethicis) e que publicamos já pela quarta vez; sujeitamo-nos à avaliação externa de entidades internacionais como o Ethisphere Institute e o Dow Jones Sustainability Index (DJSI).

Sabendo que era mais fácil não o fazermos, a verdade é que nos expomos muito.

Adicionalmente, a vantagem de termos todos estes mecanismos é a de que nos obrigamos a ser mais cuidadosos com a política ética. E é nosso dever criarmos estes mecanismos formais para que sejam, também, elementos dissuasores de práticas menos correctas que todos os dias “rondam” as empresas.

Deixe-me colocar uma última pergunta e regressando à questão de há pouco relativa ao enviesamento de percepção. Vê-se que trabalha com paixão nesta área da Ética, mas também sabe que é muito fácil falar-se mal da EDP. Na medida em que a empresa é tão transparente – e mesmo tendo em consideração que muitas pessoas não fazem ideia dos mecanismos que elencou ou do que significa o Ethisphere ou o DJSI – como explica que haja tanta gente a falar mal da EDP? Estamos perante outra questão de percepção, de enviesamento?

Sem dúvida. Mas primeiro vou-lhe mostrar uma contradição, pois apesar de ser um caso de percepção, existem também factos que desmentem essas “queixas”. É verdade que existe essa percepção: todos nós temos amigos e familiares que dizem que a EDP é “isto e aquilo”. Mas a verdade é que muitas pessoas têm ainda na memória alguns mitos que já não existem. Que a empresa é monopolista, que não há concorrência no mercado, que é a EDP que define os preços da energia. Nada disto hoje é verdade. A EDP já não é monopolista há uns largos anos – quando houve a directiva comunitária a obrigar à liberalização do mercado – nem sequer o é na produção, na qual possuímos cerca de 50% das centrais produtoras do país, pertencendo o restante a outras entidades. Por outro lado, na comercialização, existem actualmente mais de 30 entidades comercializadores. E, por último, só 45% da actividade da EDP é feita em Portugal, com 55% da restante fora. Portanto, existem ainda muitas pessoas que vêem a EDP como a empresa totalmente integrada, pública, que definia os preços – que hoje são definidos pelo mercado.

[pull_quote_center]A vantagem de termos todos estes mecanismos é a de que nos obrigamos a ser mais cuidadosos com a política ética[/pull_quote_center]

Mas e por que motivo afirmo que os factos contradizem esta percepção, a qual realmente existe? Neste momento de liberalização do mercado em Portugal, onde existem seis milhões de consumidores, quatro milhões e meio já passaram para o mercado livre (um milhão e meio está ainda no mercado regulado e penso que o governo aprovou agora uma medida que dita que, até 2020, esse milhão e meio tenha de passar também para o mercado liberalizado). Mas dos quatro milhões que passaram para o mercado liberalizado, 85% escolheram a EDP comercial.

Sendo assim, como explica esta maledicência?

Penso que estamos a falar de uma espécie de relação de “amor crítico”, porque as pessoas gostam da EDP, mas também fica bem dizer mal da EDP.

Gostaria também de sublinhar – e reconhecendo que existem falhas, mas também que todas as reclamações são analisadas por nós, e sempre com um esforço contínuo para serem corrigidas – que ficaria muito mais preocupado se tivéssemos falhas de abastecimento ou as avarias na rede que existem nalguns noutros países. Neste momento, mesmo quando há temporais – que são imprevisíveis – que deitam abaixo os postes e levam efectivamente a situações em que uma localidade pode ficar umas horas, um dia ou, em zonas mais remotas, até dois dias sem luz, a verdade é que o nosso nível de interrupções na rede não tem comparação com o de muitos outros países. E posso citar, por exemplo, os Estados Unidos e numa altura em que lá estive, durante a qual, na cidade de Houston, foram bairros inteiros que ficaram três semanas sem luz. E é por isso que prefiro pensar que estamos perante uma situação de “amor crítico”.

Editora Executiva