O Acordo de Paris será recordado como aquele cuja entrada em vigor terá sido a segunda mais célere das Nações Unidas, sendo apenas ultrapassado pela própria Carta das Nações Unidas, em 1945. Este processo inesperadamente rápido testemunha a urgência que os principais líderes colocam na entrada em vigor de um sistema multilateral de combate às alterações climáticas. Porquê essa urgência, se sabemos que o desafio durará com certeza décadas a resolver?
POR PEDRO MARTINS BARATA

No dia 30 de Setembro, o Parlamento português ratificou o Acordo de Paris (AP). No mesmo dia, em Bruxelas, o Conselho Europeu, reunido em sessão extraordinária, adoptou um processo acelerado de ratificação. Poucos dias mais tarde, com a votação do Parlamento Europeu e a subsequente aprovação pelo Conselho Europeu, a ratificação europeia (e portuguesa) permitiu finalmente que as duas condições para entrada em vigor do AP fossem alcançadas: que o mesmo fosse ratificado por 55 países que representassem pelo menos 55% das emissões globais.

Assim sendo, este será um dos acordos cuja entrada em vigor terá sido a mais rápida das Nações Unidas, sendo apenas ultrapassado pela própria Carta das Nações Unidas, em 1945. Este processo inesperadamente rápido testemunha a urgência que os principais líderes colocam na entrada em vigor de um sistema multilateral de combate às alterações climáticas. Porquê essa urgência, se sabemos que o desafio durará com certeza décadas a resolver?

A premência prende-se com a própria urgência das transformações climáticas que estamos a presenciar. Recentemente, um gráfico animado colocado na Internet por um investigador da Universidade de Reading demonstrava claramente a anomalia que estamos a presenciar em relação às temperaturas estivais dos últimos anos. Em relação aos cenários elaborados ainda recentemente, o clima está a pautar-se pelas perspectivas mais pessimistas. Enquanto isso, os danos a nível global já provocados levaram já a alertas crescentes por partes das maiores empresas de seguros e resseguros. A sucessão de furacões e fenómenos climáticos extremos no último ano em particular tornou-se vertiginosa, alimentados que são pela intensificação do El Niño.

[quote_center]Estamos já em condições de fazer, de forma planeada e controlada, a transição para um novo paradigma energético, com implicações nos planos sociais, económicos e ecológicos[/quote_center]

Confrontados com as forças em presença, a atitude mais natural pode ser o desalento. Contudo, o processo de ratificação que acabámos de presenciar ao longo deste ano indica uma consciencialização dos líderes internacionais para o problema. Essa atitude não é apenas justificada pelo grau de alerta que os recentes fenómenos desencadeiam, mas também pela tomada de consciência da real oportunidade que existe nas diferentes economias numa agenda de mudança tecnológica, social e económica para confrontar a crise climática. Por isso uma das menos interessantes intervenções mundiais na cimeira de Paris veio de Bill Gates, quando postulou a necessidade de uma revolução tecnológica a nível mundial no sector energético, comparável à que transformou o sector informático nas últimas décadas. Porquê menos interessante? Porque o que os cenários de descarbonização referem é que, na sua larga maioria, as tecnologias de que necessitamos para atingir as metas de descarbonização de Paris – emissões zero na segunda metade do século – estão já presentes e esperam não o seu desenvolvimento radical, mas sim o planeamento da sua integração social.

Quer falemos em mobilidade eléctrica ou mobilidade suave, na geração de electricidade renovável e no armazenamento elétrico, estamos já em condições de fazer, de forma planeada e controlada, a transição para um novo paradigma energético, com implicações nos planos sociais, económicos e ecológicos. Essa transição em curso (“energy transition” em inglês, “Energiewende” em alemão) pode ser mais ou menos célere, mas dificilmente será parável. O ritmo da transição determinará efectivamente se é ou não possível vencer o desafio colocado pelo Acordo de Paris. E essa transição deve começar desde hoje.

Pedro Martins Barata, membro do Expert Adisory Group SBTi Net Zero Standard, co-presidente do Painel de Peritos da Task Force para o Mercado Voluntário de Carbono e Partner da Get2c