A pensar especialmente nas pessoas com cegueira, incapacidade intelectual e baixa literacia, o Instituto Politécnico de Leiria, em conjunto com o Santuário de Fátima, elaborou o Itinerário Jubilar Inclusivo, que estará disponível durante a visita do Papa a Portugal. Trata-se de um manual em braille, imagens em relevo e pictogramas que procuram integrar estes grupos, normalmente excluídos, nas celebrações do Centenário das Aparições. Complementarmente, três das celebrações vão ter interpretação de Língua Gestual Portuguesa, e vão existir lugares de estacionamento destinados a viaturas que transportam pessoas com mobilidade reduzida. Tudo isto em nome da inclusão
POR
MÁRIA POMBO

Independentemente da fé de cada um, a visita de um Papa a um país é acompanhada de perto e ao pormenor, pela comunicação social e pelos cidadãos, em geral, desde os mais crentes aos meramente curiosos. E, na altura em que se celebra o Centenário das Aparições de Fátima, a vinda de Francisco a Portugal tem um significado ainda maior, levando milhares e milhares de peregrinos de todo o mundo a dirigirem-se àquela cidade para se sentirem mais próximos daquele que é conhecido como “o Papa do povo”, mesmo que não o vejam, que não o ouçam ou que não entendam as suas palavras.

Na verdade, para um cidadão comum, não ver, não ouvir ou não entender as palavras de alguém poderá dever-se meramente ao facto de essa pessoa estar longe, de falar uma outra língua ou de os equipamentos electrónicos não captarem bem o som ou a imagem, naquele momento. Contudo, para outros cidadãos, não tão incomuns quanto poderemos pensar, esta é uma questão muito mais profunda, estando associada a cegueira, a problemas de audição, a incapacidade intelectual ou a baixa literacia.

Foi a pensar nestes que o Instituto Politécnico de Leiria – e mais concretamente o seu Centro de Recursos para a Inclusão Digital (CRID) – se associou ao Santuário de Fátima, através da elaboração do primeiro Itinerário Jubilar Inclusivo a nível mundial. Este documento não é mais do que um guião multiformato, impresso em papel e composto por textos em braille e imagens em relevo (para ser lido por pessoas com cegueira), e por pictogramas, que são conjuntos de símbolos e imagens fáceis de ler, auxiliando a compreensão por parte de pessoas com incapacidade intelectual e baixa literacia.

[quote_center]O Itinerário Jubilar Inclusivo é uma ferramenta que estimula a criação de uma sociedade cada vez mais inclusiva e igualitária[/quote_center]

Importa ressalvar que o CRID não é estreante em matéria de inclusão. Sob o mote “mãos que lêem” este Centro de Recursos criou, em 2016 e sem qualquer ligação ao Santuário de Fátima, uma biblioteca braille, onde qualquer pessoa com cegueira pode ler diversas obras literárias. Esta biblioteca situa-se na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria e pode ser visitada por todos, independentemente de serem alunos ou não daquele estabelecimento de ensino. E este é apenas um de diversos exemplos de projectos do CRID.

Aliás, a aposta do Instituto Politécnico de Leiria em criar livros multiformato tem permitido incluir de forma lúdica e didáctica, nas turmas e na sociedade, diversas crianças com as mais variadas incapacidades, promovendo, por um lado, a leitura e a sua participação activa, e sensibilizando, por outro lado, os restantes colegas para a aceitação da diferença. De acordo com Célia Sousa, coordenadora do CRID, “o Piu Caganita, por exemplo, foi o primeiro livro multiformato impresso do País, e está apto à leitura de todas as crianças: cegas, surdas, com incapacidade intelectual e, claro, sem qualquer deficiência”.

“Ainda que se tratasse de apenas uma pessoa, já valeria a pena”

Da vontade de promover a inclusão de pessoas com variados tipos e graus de incapacidade, e “na sequência dos diferentes trabalhos que o CRID tem vindo a desenvolver no âmbito da produção de livros multiformato, ou seja, em braille, em sistema pictográfico para comunicação e em Língua Gestual Portuguesa”, como esclarece ao VER a sua coordenadora, surgiu a ideia de criar um guião inclusivo para o Santuário de Fátima.

Esta é uma ferramenta que estimula a criação de uma sociedade cada vez mais inclusiva e igualitária, dando, neste caso, a todos os peregrinos, a possibilidade de visitar o Santuário e de estar mais perto do Papa, compreendendo a sua mensagem, independentemente do seu grau de escolaridade e da sua incapacidade ou deficiência. Em tom satisfatório, Célia Sousa sublinha que a “proposta de realização e transformação do Itinerário Jubilar já disponibilizado em diferentes idiomas foi aceite, de imediato, pelo Santuário”.

Para o director do Serviço de Peregrinos do Santuário de Fátima, “o acolhimento dos peregrinos, todos eles, é a missão primeira do Santuário”, motivo pelo qual este “tem procurado uma resposta inclusiva que lhe permita chegar a todos, particularmente àqueles que têm alguma dificuldade no acesso à mensagem e ao espaço do Santuário”. Para Pedro Valinho Gomes, “dar acesso a esta experiência aos peregrinos invisuais é oferecer-lhes a possibilidade de também eles percorrerem o acontecimento, a mensagem e o lugar do Santuário de Fátima”.

[quote_center]“O acolhimento dos peregrinos, todos eles, é a missão primeira do Santuário” – Pedro Valinho Gomes, director do Serviço de Peregrinos do Santuário de Fátima[/quote_center]

Em termos de resultados, o também licenciado em Teologia explica ao VER que “o alcance desta iniciativa, como de todas as outras que se prendem com o acolhimento inclusivo dos peregrinos, não se mede tanto pela matemática dos números, mas sobretudo pela qualidade do acolhimento que é oferecido e pela atenção que se procura dar aos grupos mais vulneráveis”. Por este motivo, Pedro Valinho Gomes não deixa de reforçar que “estas medidas têm um impacto significativo na peregrinação de algumas centenas de pessoas”, mas que “de qualquer forma, ainda que se tratasse de apenas uma pessoa, já valeria a pena”.

Para além da inclusão de pessoas com cegueira e incapacidade intelectual, o Santuário vai ainda acolher a comunidade surda, através da interpretação em língua gestual portuguesa de três celebrações – a saudação a Nossa Senhora pelo Santo Padre, a oração do terço no dia 12 e a missa no dia 13 –, permitindo que também este segmento populacional possa fazer parte do evento. Adicionalmente, existirá ainda uma zona de estacionamento destinada a viaturas que transportam pessoas com mobilidade reduzida.

Por ocasião do Centenário das Aparições de Fátima, as diversas ferramentas apresentadas e o esforço de acolher, em Fátima, todas as pessoas, independentemente da sua incapacidade ou deficiência, fazem deste um Santuário realmente inclusivo. Contudo, importa referir que esta não é uma iniciativa exclusiva deste evento, dado o trabalho que o CRID tem desenvolvido ao longo dos anos e tendo em conta as perspectivas de continuidade de inclusão do próprio Santuário.



Incluir através de um smartphone? Sim, também é possível

Na era digital, incluir também significa permitir que todos possam aceder a diversos conteúdos, independentemente do local onde se encontram ou do tipo de informação que procuram. Para isso, não existe nada melhor – ou mais actual – que as mais variadas aplicações (ou apps), as quais podem ser facilmente instaladas em qualquer tablet ou smartphone.

Aqui, o conceito de inclusão surge como uma ideia mais ampla do que aquela que foi apresentada anteriormente. O objectivo é apresentar diversas apps que, estando relacionadas com Fátima, são úteis a variadas pessoas, desde os peregrinos que pretendem obter informações úteis e dicas de segurança, àqueles que já estão no Santuário e preferem partilhar conteúdos nas redes sociais, passando pelo público mais novo, para quem o Centenário surge apenas como um mote para instalar mais um jogo.

A app “100 Anos Fátima” foi criada especialmente para esta data e permite conhecer a História de Fátima, do Santuário e dos Pastorinhos, explorar diversos locais e aceder aos mapas daquela zona, mesmo em offline, os quais dão informação acerca do que se pode visitar. A mesma aplicação permite tirar fotografias e partilhá-las nas redes sociais, disponibilizando ainda variados filtros alusivos ao tema do centenário. Esta app é paga e está disponível para Android e iOS.

Também concebida para esta época, a “Apperegrinos” foi desenvolvida pela Guarda Nacional Republicana (GNR) e pela Liberty Seguros, com o principal objectivo de dar aos peregrinos informações úteis e conselhos de segurança. Através de um manual de boas práticas e de outras ferramentas (como a lotação dos parques de estacionamento, meteorologia, etc.), esta app pretende ser uma espécie de “melhor amigo” de todos os que se dirigem ao Santuário, especialmente nesta altura do ano. A mesma é gratuita e está disponível para Android e iOS.

Não tão recentes, outras apps podem ser descarregadas e ser úteis a muitos crentes, ou porque contém algumas orações ou porque permitem entreter os mais novos, de uma forma didáctica e relativamente dinâmica. O “Jogo dos Pastorinhos” é uma delas. Especialmente criada a pensar no entretenimento dos mais novos, esta aplicação gratuita é uma espécie de ‘jogo da glória dos tempos modernos’, em que os jogadores (que têm que ter pelo menos quatro anos) lançam os dados e vão percorrendo o percurso pela Cova da Iria. Também dirigida aos mais novos, a app “Fátima, história cheia de luz” pode ser descarregada para qualquer dispositivo móvel com acesso à internet. Esta aplicação contém histórias sobre o tema em questão, as quais podem ser lidas ou ouvidas, e inclui ainda um jogo de memória com as diversas personagens das histórias.

As apps apresentadas são apenas alguns exemplos dos muitos que estão disponíveis, por esta altura, e que, subordinadas ao tema de Fátima e do Centenário das Aparições, dão aos mais graúdos um conjunto de informações úteis, permitindo a interacção nas redes sociais, e entretêm os mais miúdos, de uma forma lúdica e educativa.


Jornalista