Com a eleição de Donald Trump, entrámos num período de incerteza no que às alterações climáticas diz respeito. Contudo, em Fevereiro, os países terão de enviar para a ONU as suas posições negociais sobre um conjunto de assuntos importantes para a implementação do Acordo de Paris. Nessa altura ficaremos a saber que rumo tomará o regime das alterações climáticas. Até lá, não nos devemos deixar distrair nem desmotivar por qualquer que seja a posição da administração Trump
POR GONÇALO CAVALHEIRO

A 22ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (a 14ª em que participei) foi, como não podia deixar de ser, absolutamente dominada pelas eleições norte-americanas. Não pude deixar de me sentir altamente frustrado, por ver o mundo empenhado em atrair a atenção daquele que prometeu destrui-lo, em vez de se focar naqueles que estão já a sofrer. Enfim, é a velha história.

Donald Trump foi eleito, prometendo, entre outras coisas (que não vou qualificar), deitar para o lixo o Acordo de Paris… Mais grave ainda, considerando inclusivamente abandonar a Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Prometeu, ainda, que os EUA deixariam de apoiar os países em desenvolvimento nos seus esforços de luta contra as alterações climáticas, canalizando esse valor (que rondará os mil milhões de dólares por ano em apoio a fundo perdido). A cumprir estas promessas/ameaças, não tenho grandes dúvidas de que o regime das alterações climáticas sofreria um golpe do qual dificilmente conseguiria recuperar. E mesmo que um dia tal acontecesse, seria, no mínimo, demasiado tarde. Absolutamente tarde demais.

A situação em que nos encontrámos, em Marraquexe, não foi nova e o que aconteceu anteriormente não augura nada de bom. Em 2000, a COP-6, em Haia, que deveria adoptar as regras de implementação do Protocolo de Quioto, falhou. Foi o primeiro fracasso do regime das Alterações Climáticas. Dias antes de a COP começar, decorreram as conturbadas e contestadas eleições que resultaram na eleição de GW Bush. Um ano depois, a COP reuniu-se em Marraquexe. Nessa altura, já os EUA tinham anunciado que não ratificariam o Protocolo de Quioto. O resultado é conhecido de todos. O Protocolo de Quioto está moribundo e a emenda que permite a sua extensão até 2020 não está ainda em vigor. Não foi sequer ratificada pela União Europeia. É inútil.

[quote_center]Neste momento, o mundo das climáticas é bipolar: EUA e China dão as cartas[/quote_center]

O mundo, em 2017, não será o mesmo que foi em 2001. A UE já pouco conta no tabuleiro geo-político das alterações climáticas (na medida em que as emissões do bloco contam já menos de 10% das emissões globais). Neste momento, o mundo das climáticas é bipolar: EUA e China dão as cartas. E se Trump chegou a dizer que as alterações climáticas eram uma invenção chinesa para prejudicar a indústria americana, a verdade é que os EUA não quererão certamente hostilizar o seu principal parceiro comercial. E os chineses, que precisam urgentemente de tornar a sua indústria mais eficiente (para reduzir os gravíssimos níveis de poluição atmosférica), têm as alterações climáticas no topo da agenda política.

Desta vez, são os chineses que não vão querer avançar sem que os EUA o façam, pelo que pressionarão a administração Trump nesse sentido. Serão bem-sucedidos? Não sei. Ninguém sabe. Acho que nem Trump (que afirmou recentemente ao New York Times que manterá a mente aberta quanto ao Acordo de Paris, ao mesmo tempo que citou os mantras dos cépticos e que disse que não vai limitar a indústria do carvão do país).

Entramos, portanto, num período de incerteza. Fevereiro será, no entanto, um mês decisivo para perceber que rumo tomará o regime das alterações climáticas. A partir dessa altura, já depois da tomada de posse de Trump, os países terão que enviar para as Nações Unidas as suas posições negociais sobre um conjunto de assuntos importantes para a implementação do Acordo de Paris.

Não acreditando que os EUA se mantenham em silêncio (e mesmo que fiquem), ficarão claras as suas intenções nessa altura. Entretanto, o importante é não nos deixarmos distrair nem desmotivar por qualquer que seja a posição da administração Trump, por muito que nos atrapalhe. Trump não nos atará as mãos! Assim sendo, hoje é ainda mais importante que ontem deitar mãos à obra.

Sócio da CAOS Borboletas e Sustentabilidade