As estimativas apontam para que, em 2020, mil milhões de pessoas tenham ultrapassado a barreira dos 60 anos e que, graças a progressos de vária ordem, viver até aos 80, 90 ou 100 anos poderá constituir mais norma do que excepção. Para além das políticas públicas necessárias para proporcionar uma melhor qualidade de vida a este segmento, o sector privado tem ao seu dispor um conjunto totalmente inovador de oportunidades que, se estrategicamente pensadas, poderão transformar-se num poderoso motor do crescimento económico
POR
HELENA OLIVEIRA

O envelhecimento da população constitui uma das maiores tendências que irá moldar a vida social, económica e política do século XXI. E, à medida que nos aproximamos de 2020, as estimativas apontam para que existam mais de mil milhões de pessoas, em todo o mundo, com mais 60 anos, ao que acresce o facto de, na esmagadora maioria dos países da OCDE (e não só), os idosos virem a ser um segmento mais representativo do que o dos jovens (menores de 15 anos).

Como resultado desta longevidade crescente, muitos líderes de negócios, decisores políticos, organizações não-governamentais, académicos, economistas e outros estão já a reconhecer que o envelhecimento populacional pode ser, se bem enquadrado estrategicamente, um poderoso motor de crescimento para o mercado.

Se o sector privado começa a dar provas que se está a preparar para estas promissoras oportunidades, é de sublinhar igualmente que são necessárias novas e adequadas políticas públicas que permitam também enquadrar, a nível social e económico, esta realidade sem precedentes. Alguns exemplos desta necessidade passam pela criação de um ambiente “hospitaleiro” que possa incluir a flexibilidade nos mercados laborais – para acolher pessoas mais velhas que desejem continuar a trabalhar -, de incentivos fiscais que promovam o empreendedorismo sénior, de práticas de emprego “contínuo” para os que já se encontram em idade de reforma, em conjunto com reformas nas pensões e na educação que sejam construídas de forma sustentável num mundo em que muita gente poderá ultrapassar a barreira dos 100 anos e onde os idosos serão em maior número do que os jovens. Igualmente crucial será a inovação no sector farmacêutico e tecnológico, a qual possa garantir que, com uma esperança de vida crescente, o envelhecimento se transforme num processo mais activo, produtivo e com melhor qualidade de vida.

O Fórum Económico Mundial (FEM) tem estado, desde há vários anos, na vanguarda da pesquisa desta temática, nomeadamente no que respeita a um envelhecimento activo e saudável, tendo publicado, em 2012, o relatório “Envelhecimento Populacional Global: Risco ou Promessa”.

Neste relatório, os autores reconheciam que os “veículos” que conduziram ao aumento de esperança de vida da população – os enormes progressos na saúde, na urbanização maciça ou a “modernização” no seu todo – serão insustentáveis caso não ocorram modificações significativas neste paradigma. As inovações nos cuidados de saúde podem ser consideradas como as grandes responsáveis por transformarem algo que era inimaginável – vidas longas – numa norma em muitos países, mas é crucial que se encontrem formas duradouras e sustentáveis para as financiar. E se existem já várias cidades, locais de trabalho e outros espaços que promovem experiências de envelhecimento saudável para muitos seniores, muito há ainda a fazer para expandir esta realidade – em particular para os que chegam aos 80, 90 e até aos 100 anos – a todas as regiões do planeta.

No início deste mês, o Fórum Económico Mundial publicou um novo paper, intitulado “Como é que a longevidade do século XXI pode criar mercados e estimular o crescimento económico”, o qual sustenta que os negócios têm ao seu dispor uma oportunidade inovadora e imperativa para gerar crescimento económico através deste segmento etário, mas também para transformar a sociedade global. O VER resume o essencial do paper agora publicado, bem como alguns casos de empresas que estão já estrategicamente posicionadas para encarar o envelhecimento como uma excelente oportunidade de crescimento económico.

Uma base de mil milhões de consumidores

22102015_LongevidadeEmercadoQuando se fala em envelhecimento, existem algumas questões prévias que devem ser colocadas. Será possível, a nível global, assegurar que o envelhecimento é, na verdade, um motor de crescimento económico, de inovação, de melhoria de oportunidades e de riqueza? De que forma é que as políticas públicas podem ser estruturadas para conseguirem alinhar as tendências demográficas do século XXI no que respeita à segurança económica, nacional e pessoal? Como será possível mitigar as consequências adversas ao envelhecimento – incluindo o aumento de doenças, como por exemplo, a de Alzheimer, e evitar que as perspectivas de crescimento e prosperidade descarrilem? E como deverão os fundamentos do crescimento económico ser configurados num planeta que, em breve, irá vender mais fraldas para adultos do que para bebés, tal como está prestes a acontecer no Japão?

Central à resposta para estas questões está a noção de que as empresas devem – e sem dúvida que o farão – responder a esta nova base de mil milhões de consumidores. Não só porque o segmento pós-60 anos está a crescer mais do que qualquer outro – constituirá cerca de 30% da população total de todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento antes de 2050 (com uma estimativa para alcançar os dois mil milhões nesta data) – como também porque esta faixa etária controla e controlará uma vasta porção da riqueza global e do poder de compra. Nos Estados Unidos, por exemplo, e até 2017, estima-se que 70% do rendimento disponível estará nas mãos dos maiores de 60 anos. E, na medida em que a longevidade vai subindo degraus a um ritmo célere, será na preparação para uma esperança de vida cada vez mais longa que as empresas deverão concentrar os seus esforços. Alguém que antecipe viver até aos 90 ou mais anos irá planear, trabalhar, aprender, “brincar” e “atravessar” estes anos de uma forma inteiramente nova.

Adicionalmente, o FEM sublinha que aquilo que é único, e sem precedentes, no potencial inerente a este envelhecimento é, exactamente, a ausência de fronteiras no fenómeno em causa: nenhum país está imune a esta tendência e, na verdade, de acordo com este conjunto singular de circunstâncias, é possível afirmar que, à medida que o mercado for respondendo a esta realidade, um potencial ciclo vicioso poderá ter início: a população envelhece, os líderes de negócio e da inovação conceberão estratégias para capturar as oportunidades do mercado e as estratégias serão executadas. Com uma resposta adequada, os mercados poderão tornar-se, e em simultâneo, o motor e o beneficiário do envelhecimento populacional.

Empresas que não querem esperar pelo futuro

22102015_LongevidadeEmercado2Se são já várias as empresas que reconheceram o potencial desta oportunidade de mercado para produtos e serviços dedicados aos maiores de 60 anos, enquanto outras perceberam também que criar e manter um melhor ambiente de trabalho para os seus colaboradores mais velhos confere benefícios a toda a força de trabalho. Grandes empresas globais e pertencentes a diversos sectores – incluindo o Bank of America Merril Lynch, a Nestlé Skin Health, a BlackRock, a BMW, a Intel, a GE, a Novartis, a Aegon ou a Pfizer, entre muitas outras – já integraram o “envelhecimento” enquanto motor estratégico de crescimento nos seu objectivos comerciais. Mas não é só uma questão de “números” ou lucros que está em causa. Na verdade, estes negócios globais estão já a posicionar este fenómeno social como uma alavanca para atrair e reter talentos, bem como a construir estruturas de sustentabilidade e valor partilhado que o integram da melhor forma.

Visível é já o mercado em crescimento que alia as exigências deste segmento de consumidores ao valor social que lhe está inerente. O relatório cita o editor da Fortune, Allan Murray, que afirma que “pressionadas pelos consumidores socialmente conscientes e por colaboradores idealistas, em conjunto com o cepticismo público, as empresas estão a tentar descobrir novas formas que comprovem o poder do capitalismo para rectificar os males sociais”. Seja através do “capitalismo consciente” de John Mackey , ou o capitalismo de “valor partilhado” de Michael Porter , o “capitalismo inclusivo” de Lynn Forrester de Rothschild ou o “capitalismo compassivo” de Mark Benioff, estas novas abordagens constituem, em simultâneo, enquadramentos inovadores para o envolvimento social e para uma abordagem progressista que está, literalmente, a ajudar a criar um mercado sem precedentes. E a verdade é que já estamos a testemunhar o desenvolvimento de uma nova arena onde indústrias completamente inovadoras se estão a erguer como consequência e resposta aos desejos de um segmento de consumidores que pretende viver de forma ambiental e socialmente responsável.

Neste paper, o FEM identifica algumas organizações que, através de uma atitude pró-activa, estão já, no presente, a dar cartas para o futuro.

Vejamos alguns destes exemplos que poderão servir como estímulo para que outras e empresas e sectores antecipem as suas ofertas a este segmento em significativo crescimento.

Intel

Há mais de 45 anos que a Intel se dedica à criação de tecnologias que transformam a forma como as pessoas vivem, trabalham e aprendem. E, já há uma década, que a empresa colocou o envelhecimento no seu mapa estratégico. As soluções tecnológicas inovadoras deste gigante empresarial estão a ajudar as cidades, as instituições de cuidados de saúde e os consumidores a atingir um envelhecimento mais activo e mais saudável, ao mesmo tempo que a sua aposta na “tele-saúde” e “tele-medecina” – ou seja, na oferta remota de cuidados de saúde – está a revolucionar esta indústria, em particular para os que se encontram neste apetitoso segmento “maiores de 60”. Ao mesmo tempo e a nível interno, a empresa tem apostado também em parcerias, como é o caso do inovador social Marc Freedman e a sua organização sem fins lucrativos, a Encore, que desenvolve programas específicos que visam “recuperar” o talento e a experiência de pessoas que já estão na idade da reforma, mas que continuam a querer trabalhar.

Bradesco

O segundo maior grupo de serviços financeiros no Brasil elegeu, há mais de 10 anos, o envelhecimento activo como uma das suas principais apostas no que respeita às suas actividades de marketing. Depois de determinar que a associação a vidas mais longas e “com significado” constituía uma excelente aposta comercial, tem vindo a somar diversas iniciativas que o comprovam. O Bradesco atribui prémios para peças jornalísticas que foquem as temáticas do envelhecimento, financia pesquisas académicas variadas, ensaios sobre histórias de vida, estudos sobre transportes públicos “amigos” dos idosos, em conjunto com a organização de corridas anuais e passeios para seniores nas 20 cidades mais populosas do Brasil. Adicionalmente, organiza também debates anuais que juntam académicos, líderes de negócio, governamentais e da sociedade civil para discutirem as várias questões associadas ao fenómeno da longevidade.

Home Instead Senior Care

É um dos maiores fornecedores de serviços de cuidados de saúde ao domicílio do mundo e soube juntar o útil ao agradável. Experimentou atrair – com pacotes de benefícios desenhados especificamente para as suas necessidades – e contratar trabalhadores mais velhos para verificar se o relacionamento entre estes e os seus clientes trazia benefícios empresariais e a aposta deu certo. Como resultado desta iniciativa, mais de 30% dos prestadores de cuidados de saúde têm mais de 60 anos. Os benefícios deste tipo de contratação, em conjunto com os pacotes de benefícios que lhe está associado, têm sido positivos para ambos os lados: os trabalhadores mais velhos têm correspondido totalmente aos requisitos das funções que exercem na Home Instead, na medida em que também procuravam um trabalho com flexibilidade de horário e, dado que partilham “afinidades” com os clientes, a relação entre ambos é positivamente facilitada. Os pacotes de benefícios criados pela empresa são variados e incluem desde a oportunidade de serem os trabalhadores a decidir quando é que deixam de trabalhar, o acesso a planos de reforma generosos e a “cuidados ao domicílio” futuros, entre outros. A empresa aposta também na formação em cuidados e competências específicas para a Doença de Alzheimer – quase 50% dos seus clientes sofrem deste tipo de demência -, a qual foi secundada por uma iniciativa adicional que disponibiliza os vários módulos de formação, gratuitamente e online. A empresa tem como “missão” reinventar o papel dos prestadores de cuidados de saúde a nível global, de forma a permitir que sejam cada vez mais os seniores a terem a liberdade e a opção de se manterem nos seus lares usufruindo de cuidados de qualidade superior.

Aeon

O gigante retalhista japonês começou a fazer alterações nos seus centros comerciais para que os clientes seniores se sintam mais confortáveis e mais bem-vindos quando fazem compras. E acções tão simples como escadas rolantes mais “lentas” ou placas identificativas dos produtos com letras maiores estão já a contribuir para o sucesso da estratégia. No Japão, os agregados “encabeçados” por pessoas com mais de 65 anos representam cerca de metade de total do poder de compra dos nipónicos, com as projecções a sugerirem que o número irá apenas aumentar nos próximos anos. A Aeon está já a planear a expansão da sua bem-sucedida estratégia de compras “amiga dos idosos” para a China, bem como para outros países asiáticos de rendimentos médios e populações envelhecidas.

Fijitsu

A empresa líder em tecnologias da informação e comunicação no Japão já adoptou, há mais de uma década, o segmento crescente dos maiores de 60 anos com o lançamento de uma linha de telemóveis específica para estes – a Raku-Raku. Este telemóvel inteligente foi desenvolvido com funcionalidades “fáceis de usar, fáceis de ouvir e fáceis de ler”. Desde 2001, já foram vendidas mais de 20 milhões de unidades em todo o mundo. Em 2012, a empresa lançou um smartphone Raku-Raku concebido especificamente “para os utilizadores que não se ajeitam com ecrãs tácteis, mas que é operado com a mesma facilidade de um telemóvel convencional”. Com uma excelente resposta por parte do mercado, a segunda versão, lançada em 2013, foi concebida e melhorada especificamente para responder ao feedback dos milhões de seniores que adquiriram o Raku-Raku original, com o mercado europeu a reagir muito positivamente a esta oferta.

Pfizer

A gigantesca farmacêutica lançou uma campanha “divertida e carinhosa” denominada “Get Old”. O programa visa envolver os adultos em conversas acerca de escolhas de vida que lhes permitam envelhecer com boa saúde e foge das tradicionais atitudes “pesadas” e moralistas que costumam caracterizar o aconselhamento aos mais velhos. Pelo contrário, o tom utilizado, leve e bem-humorado, do GetOld tem sido um sucesso. Dos adultos que visitam o GetOld.com, 44% afirmam ter iniciado – e mantido – melhores hábitos alimentares, com 35% a afirmarem também que transformaram o exercício físico numa rotina agradável. A Pfizer está também envolvida no patrocínio e financiamento de iniciativas comunitárias “amigas dos idosos”.

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