Não me levem a mal, mas às vezes olho para a sociedade que criámos em conjunto e apetece-me mesmo, mesmo, mesmo largar tudo, deixar os amantes do status quo bem congelados, agarradinhos às suas ilusões e fugir a cantar para as montanhas (ou para a praia, escolham a analogia mais ‘termoconfortável’) onde não teríamos mais que fingir que adoramos demagogia ao almoço, notícias encomendadas ao jantar e um copinho de pseudo-economia do crescimento infinito ao deitar
POR NUNO GASPAR OLIVEIRA

Bom dia, este será mais um longo artigo baseado numa extensa e profunda análise sobre o drama macroeconómico derivado da complexa situação contextual grega.

…ok, já se foram embora aquelas pessoas muito sérias e com grandes opiniões formadas sobre a desgraça alheia, vista com a bravura de quem está longe da zona de impacto? Óptimo vamos lá então arrumar a tralha e fazer as malas para nos pormos ao fresco!

A esta altura do campeonato, a paciência é mais fina do que pele de pudim sintético servido na sopa dos pobres e, vamos ser honestos, a última coisa que nos apetece é cogitar sobre a viagem tormentosa da legislatura que agora findou, enquanto projectamos possíveis futuros paralelos com cores mais ou menos predefinidas. É um pouco como quando, após uma viagem longa com parentes que estão constantemente a mudar a estação de rádio e a falar de mediocridades, finalmente saímos do carro e estamos tão enjoados que amaldiçoamos os céus por não termos furado um pneu ou estoirado com o radiador há 3 horas atrás para que pudéssemos fugir epicamente matagal adentro, pois viver com ursos e lobos seria muito mais civilizado e pacífico do que estar entregue a (estes) bichos.

E no entanto aqui estamos, sobrevivemos a mais esta aventura, meus bravos. É agora altura de viver um pouco na ilusão de que, se fugirmos meia dúzia (literalmente, nada de abusos) de dias para uma praia ‘quasi-paradisíaca’ (qualquer uma serve, desde que não tenha programas de televerão a catar mirones para responderem a perguntas como quem foi o último rei de Portugal ou qual o autor do épico ‘como o macaco gosta de banana’) tudo se irá auto-resolver.

É a ilusão da fuga, da criança de 4 anos que tapa os olhos e murmura baixinho ‘o-que-eu-não-vejo-não-existe’, da mulher que vive presa à violência doméstica do seu ‘companheiro’ mas que fala alto e com tom autoritário quando as miúdas que dobram roupa numa das Zaras da vida não lhe trazem o tamanho de blusa dela, do analista político que domina a arte camiliana da narrativa e da escolha da série temporal adequada para provar por a-mais-b que aqueles que tanto admira (ou serve) estão, estavam e estarão sempre certos.

Muitos de nós preferimos esta arte da fuga, parafraseando Daniel Sampaio, sempre é melhor do que perceber que aquilo que conhecemos sobre um determinado assunto é muito mais profundo e complexo e, sim, assustador, do que seria aceitável e confortável para um mero pai de família que só quer poder mandar umas bocas ocasionais no Facebook sobre assuntos profundos e complexos como, sei lá, a Grécia, as alterações climáticas ou o cabelo do Donald Trump.

Então fujamos daqui, se não para longe, pelo menos para menos perto desta cacofonia em loop que nos atormenta. Por uns dias vou estar mais interessado em pôr o ‘Better Call Saul’, o ‘Orange is the New Black’ e mais meia dúzia de filmes-que-estão-na-lista-dos-a-ver-já-faz-uns-quantos-meses do que no newsfeed dos social media e prometo dar mais atenção à minha fantástica mulher e maravilhosos filhos do que ao resto de vós.

Não me levem a mal, mas às vezes olho para a sociedade que criámos em conjunto e apetece-me mesmo, mesmo, mesmo largar tudo, deixar os amantes do status quo bem congelados, agarradinhos às suas ilusões e fugir a cantar para as montanhas (ou para a praia, escolham a analogia mais ‘termoconfortável’) onde não teríamos mais que fingir que adoramos demagogia ao almoço, notícias encomendadas ao jantar e um copinho de pseudo-economia do crescimento infinito ao deitar.

Just let it go!

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence

1 COMENTÁRIO

  1. Adorei. É isso mesmo que apetece. E prometo: um destes dias, quando todos menos esperarem…cá vou eu! Gooooooooone! Boas férias!

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