Lisboa foi palco da 9ª Conferência Internacional da Learning Teacher Network, uma rede europeia de profissionais da educação e da formação que visa sensibilizar para a integração do desenvolvimento sustentável nos currículos formais de educação, desde o pré-escolar até ao ensino universitário. Em entrevista, o coordenador Magnus Persson, explica a missão desta rede, ao mesmo tempo que acusa a falta de interesse por parte da União Europeia para esta temática crucial
POR HELENA OLIVEIRA

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Magnus Persson, coordenador da
The Learning Teacher Network
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No seguimento do evento que teve lugar em Lisboa, gostaria que começasse por contar um pouco da história da The Learning Teacher Network, em conjunto com a sua missão e objectivos.
A The Learning Teacher Network teve início com um dos poucos projectos seleccionados pela European Comenius 3 Networks [o projecto Comenius, da responsabilidade da Comissão Europeia, tem como objectivo principal a melhoria da qualidade educativa e o reforço da dimensão da escolar na Europa, em particular através do encorajamento para uma cooperação transnacional entre escolas],tendo recebido financiamento por parte da Comissão entre 2003 e 2006. Ao longo deste período em particular, a rede era composta por 26 parceiros (desde o ensino pré-escolar até às universidades) provenientes de 10 países. Na altura, a rede trabalhava a temática “o papel futuro do professor” e, em simultâneo, começou a organizar conferências internacionais, seminários via Comenius, tendo produzido uma trilogia de livros sobre o “estado de arte do novo papel dos professores”. Ao longo do período em causa, a rede foi também responsável pelo envio de recomendações à Comissão sobre esta área temática.

Em 2006, a rede foi transformada numa associação sem fins lucrativos e, desde então, tem vindo a crescer rapidamente, sendo hoje constituída por membros de todos os níveis de educação e formação originários de 26 países. Actualmente, organizamos conferências internacionais anuais, oferecemos cursos de formação na Europa, produzimos a revista ilustrada – The Learning Teacher Magazine – e um jornal académico – The Learning Teacher Journal. Funcionamos também como uma plataforma europeia de educadores e profissionais da educação e da formação.

Em 2009, a Comissão Europeia seleccionou e premiou a rede com o European Gold Award enquanto melhor projecto no interior do Programa Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida, na categoria Comenius. Mas desde 2006 que temos vindo a abordar temáticas cruciais para o movimento da rede com o objectivo de “fazermos a diferença”, a criar eventos (conferências e cursos de formação) para profissionais da educação e formação para estes conhecerem, aprenderem, partilharem experiências, demonstrarem boas práticas e discutirem questões de importância crucial para a educação. Por outro lado, também partilhamos boas práticas sob a forma escrita, oferecendo a possibilidade aos profissionais da educação e da formação de escreverem e publicarem artigos nas publicações internacionalmente distribuídas pela rede, para além de disseminarmos informação relacionada com as estratégias internacionais e com as políticas europeias de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS).

“Estamos verdadeiramente preocupados com a ausência de impacto da EDS nas salas de aula e na formação de professores”

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Esta rede é um dos pouquíssimos exemplos existentes de projectos europeus sustentáveis que não conta com a ajuda da UE nem com qualquer tipo de financiamento externo. Trabalhamos no terreno desde 2006 e, dado o nosso processo contínuo e sustentado de crescimento e desenvolvimento, somos muito respeitados em Bruxelas e reconhecidos pela Comissão e pelas suas agências como um exemplo único de uma rede europeia sustentável no que respeita ao Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida (o actual Erasmus+). E temos vindo a receber um apoio moral contínuo por parte destas organizações.

Mas como evoluiu a rede para a temática exclusiva da Educação para o Desenvolvimento Sustentável?
A missão ou o enfoque temático da rede tem vindo a ser, e de forma crescente desde 2008, o da abordagem da temática da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) a partir de diferentes perspectivas. E as razões para tal são as seguintes: a) estamos verdadeiramente preocupados com a ausência de impacto da EDS nas salas de aula e na formação de professores; b) sentimo-nos indignados com o facto de os Estados-membros da UE fazerem tão pouco para integrar as políticas e actividades de EDS na educação vigente; e, c) porque a Learning Teacher Network é a única plataforma internacional para profissionais da educação e formação, para além do facto de podermos – e devermos – ter um papel determinante na integração da EDS na agenda educativa.

Que motivos o levaram a organizar esta conferência em Portugal, um país com uma quase inexistente consciência sobre a importância da EDS?
Decidimos que Lisboa seria o local indicado para a nossa 9ª conferência internacional (2013), pois já era altura de a rede organizar uma conferência internacional no sul da Europa, depois de as quatro conferências anuais anteriores terem sido realizadas em outras partes da Europa: em Viena, em 2008, em Ljubljana, em 2009, em Berlim, em 2011 e em Nice, em 2012.

Quais são os procedimentos necessários, bem como as vantagens, para se vir a ser um membro da vossa rede?
É muito simples, basta submeter o formulário de candidatura existente na web e uma transferência do valor da quota anual (membros individuais, 30 euros e membros institucionais 75 euros anuais). Enquanto membro, tem-se direito a receber as nossas newsletters electrónicas, a revista impressa que publicamos quatro vezes por ano e o jornal académico, também impresso. Adicionalmente, os membros recebem os convites para todos os eventos organizados pela rede, convocatórias para grupos temáticos e, em alguns casos, descontos na inscrição para as conferências internacionais da rede.

Na sua intervenção em Lisboa, mencionou que, apesar de as Nações Unidas, e da UNESCO, terem proclamado a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) – e a um ano da sua “conclusão” – existe uma ausência preocupante de acção ao nível da UE. Enquanto coordenador da Learning Teacher Network, que principais progressos, ao longo dos últimos anos, pode partilhar no que respeita a este compromisso europeu?
Tal como afirmei em Lisboa, a UE não se comprometeu a agir no que respeita à EDS até Novembro de 2010 – dois anos depois da conferência mundial sobre a temática promovida pela UNESCO e depois da Declaração de Bona (2008), altura em que a Década ia “ a meio” da sua trajectória. Para mim, este movimento tardio por parte da UE é completamente incompreensível. E pior ainda, as conclusões do Concelho recomendavam que os Estados-membros deveriam: a) agir de forma a incluir as políticas e acções de EDS nos currículos educativos formais e, b) sensibilizar e difundir conhecimento entre professores, reitores e formadores em cada um dos países da União Europeia. Mas e até agora, não existem quaisquer iniciativas holísticas ou à escala política em nenhum país. E eu pergunto-me porquê e aproveito para apelar a uma acção nacional.

Adicionalmente, em todos os documentos oficiais ao nível internacional e europeu, é sublinhado que a educação tem um papel fundamental na criação de consciencialização e mobilização de uma nova geração, dotada de conhecimentos, competências e atitudes para abordar a sociedade futura em prol de um mundo sustentável. Como é do conhecimento geral, a educação sempre foi considerada como um dos principais contributos para o desenvolvimento sustentável. Assim, volto a sublinhar a minha enorme surpresa no que respeita à óbvia ausência de um relacionamento entre as políticas e as acções nacionais em termos de EDS e face ao facto de não existir qualquer medida significativa para integrar a EDS na educação praticada actualmente.

O facto de estarmos no meio de uma complexa crise económica e financeira não terá contribuído para que a EDS não tenha sido considerada como uma prioridade – apesar de o dever ser -, na medida em que um desenvolvimento sustentável pode ser a resposta para evitar que uma crise desta natureza se repita?
As realidades económicas podem influenciar a União Europeia e as prioridades nacionais, sim. Mas eu não acredito que a crise financeira seja a principal razão para a inexistência de iniciativas de EDS. E, pelo contrário, as conclusões do Concelho em 2010 expressam a sua consciencialização para esta matéria, como se pode ler:

“A União Europeia enfrenta um número considerável de desafios interligados no início do século XXI, incluindo as consequências sociais e económicas da crise financeira global, as alterações climáticas, o declínio de recursos como a água e a energia, a redução da biodiversidade, as ameaças à segurança alimentar e os riscos para a saúde”.

Adicionalmente, a estas palavras segue-se uma outra declaração importante:
“Num mundo em mudança continua, todos os cidadãos europeus devem ser equipados com os conhecimentos, competências e atitudes necessárias para compreender e lidar com os desafios e complexidades da vida moderna, ao mesmo tempo que devem ter em conta as implicações ambientais, sociais, culturais e económicas, bem como assumir as suas responsabilidades globais”.

“Uma jornada desta natureza tem de ser adaptada a cada um dos países em causa, com origem nas suas condições específicas, recursos, contexto cultural e social”

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Na minha perspectiva e seguindo um raciocínio que me parece lógico, a combinação destas duas declarações expressa que a EDS poderia e deveria ser uma das respostas para os actuais desafios económicos (e também sociais e ambientais). E, em particular, quando as Conclusões do Concelho também declaram que “a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS), numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, é essencial para se atingir uma sociedade sustentável sendo, por isso, desejável em todos os níveis formais e não formais de educação e formação”.

As políticas e as palavras no documento orientador europeu são bastante claras e demonstram um elevado nível de consciencialização. A nível nacional, penso que pode existir uma maior “conflito” entre a EDS e os desafios económicos de curto prazo. Contudo, penso que a EDS não é discutida nos termos de um conflito de interesses, mas antes mediante uma forma simples de silêncio e de regras “de conforto derivadas do que não se faz” quando a ideia é colocar a EDS nas agendas nacionais.

Com a sua vasta experiência nesta área, que sugestões daria a um país, como Portugal, por exemplo, para dar início a esta caminhada?
Uma jornada desta natureza tem de ser adaptada a cada um dos países em causa, com origem nas suas condições específicas, recursos, contexto cultural e social, experiências passadas e com a familiaridade que este tem ou não com a área da EDS. Todavia, a EDS possui quatro objectivos ou áreas de enfoque que têm de estar presentes, tal como proclamado na Declaração de Bona:

 

  • Melhorar o acesso na educação básica de qualidade: a educação básica deverá concentrar-se na necessidade dos alunos ganharem conhecimento, competências, valores e perspectivas que encorajem a subsistência sustentável e apoiem os cidadãos no que respeita a viverem também de forma sustentável.
  • Reorientar os programas educacionais existentes para a abordagem da sustentabilidade: repensar e rever a educação desde o pré-escolar até à universidade de forma a incluir conhecimentos, competências, valores e perspectivas relacionados com a sustentabilidade é essencial.
  • Aumentar a compreensão do público e a sua sensibilização para as questões da sustentabilidade: alcançar os objectivos do desenvolvimento sustentável exige cidadãos informados e atentos para a importância da sua concretização.
  • Oferecer formação: todos os sectores da sociedade podem contribuir para a sustentabilidade. Os trabalhadores, tanto do sector público, como do privado, deviam receber formação contínua, vocacional e profissional, “impregnada” com os princípios da sustentabilidade, para que todos os sectores da força laboral possam ter acesso ao conhecimento e competências necessárias para tomar decisões e terem uma performance laboral apoiada nestes princípios.

Tal como afirmou em Lisboa, a EDS não é uma matéria isolada, mas antes um conjunto de princípios e valores que lhe estão subjacentes. Considera que é mais fácil incluir estes princípios e valores de forma transversal nos currículos educativos normais ou seria mais eficaz se as escolas tivessem uma disciplina obrigatória sobre EDS, ao mesmo nível de outras disciplinas como a Matemática ou a Geografia, por exemplo?
A EDS tem de ser um ingrediente chave que deve ser integrado, enquanto valor, em toda a aprendizagem interdisciplinar, em todas as disciplinas e actividades na escola e nas demais instituições educativas. E essa é a razão devido à qual os conhecimentos, competências e atitudes de EDS, em conjunto com a sua consciencialização, são absolutamente cruciais quando se introduz e se implementa a EDS de uma forma estratégica na educação formal. Se a EDS fosse uma disciplina isolada e colocada em paralelo com outras disciplinas curriculares, nunca seria totalmente aceite, nem contribuiria para uma perspectiva holística por parte das escolas, nem para um verdadeiro impacto.

Mas com as escolas e os professores, pelo menos em Portugal, a terem de lidar com inúmeros problemas, como é que vislumbra uma forma de os envolver e equipar com a vontade, conhecimentos e competências exigidos para promover e incluir os princípios subjacentes à EDS nas suas estratégias de educação?
A EDS não pode ser encarada como “mais um problema para resolver”. O “problema” das escolas e dos seus corpos docentes na actualidade reside no facto de as suas problemáticas serem consideradas em termos quantitativos (isto+isto+isto = 3 istos) e abordadas como tarefas ou áreas separadas. Muitos professores colocam mais e mais “tarefas” no interior da sua “mochila” até que esta fica “sobrelotada”, mas nunca se dão ao trabalho de “tirarem para fora” o que é velho ou um item/tarefa que já não seja útil nem relevante.

“Se a EDS fosse uma disciplina isolada e colocada em paralelo com outras disciplinas curriculares, nunca seria totalmente aceite, nem contribuiria para uma perspectiva holística por parte das escolas, nem para um verdadeiro impacto”

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A EDS é uma questão de qualidade, abordando, por isso, a educação de qualidade. Para mim, a EDS constitui um conjunto de conhecimentos, competências e valores, que terão de ser tomados em consideração e usados de forma consciente quando se fazem as tarefas diárias “normais” e nas situações de ensino e aprendizagem quotidianas. Ou seja, o que a EDS faz é integrar todas estas perspectivas na educação como um todo e, por isso, adiciona uma nova dimensão ao que já está a ser feito pelos professores e pelas escolas. A EDS tem a ver com uma forma consciente de incluir as perspectivas de EDS no ensino e na aprendizagem. Sim, admito que construir este tipo de conhecimento e novas competências leva o seu tempo e exige uma atenção adicional, mas os conhecimentos, competências e valores da EDS não são “mais uma coisa a fazer”; são, ao invés, um comportamento profissional e uma abordagem consciente que devem ser utilizados como uma ferramenta para se alterar padrões e crenças vigentes, transformando o ensino e a aprendizagem num pensamento sobre e para a sustentabilidade, o qual, em troca, cria inevitavelmente uma acção pessoal e profissional.

Tal como Akpezi Ogbuigwe (antiga responsável de Educação e Formação Ambiental do Programa Ambiental das Nações Unidas [UNEP]) afirmou em Lisboa, “como é que se educa para uma mudança que não compreendemos totalmente”?
A Professora Akpezi Ogbuigwe é uma mulher inteligente. E eu só posso concordar com a questão por ela colocada. Pessoalmente e no geral, acredito que a forma como se pensa em termos de educação deve ser invertida: a educação para a mudança tem de ter como base a facilitação e a formação em termos de criatividade e inovação entre os que estão a aprender em vez do “ensino” tradicional. Mais ainda, moldar e experimentar condições e situações de sustentabilidade desejáveis é crucial para criar a compreensão destas matérias, bem como para as retratar.

Mesmo com os poucos progressos registados até agora, que expectativas vislumbra para o futuro próximo no que respeita à abordagem da EDS – e também o que espera que venha a acontecer depois de 2014?
A avaliação contínua da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável 2005-2014 e os seus resultados serão importantes para demonstrar o actual estado de desinteresse sobre a matéria em todo o mundo e para descrever os ainda incipientes progressos ao longo da última década. As conclusões desta avaliação irão moldar o ponto de partida para a Conferência Mundial sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável que terá lugar em Aichi-Nagoya, no Japão, em Novembro de 2014, e que tem os seguintes objectivos: 1)celebrar uma década de acção; 2) reorientar a educação para a construção de um futuro melhor para todos; 3) acelerar as acções para o desenvolvimento sustentável; 4) estabelecer a Agenda para a EDS depois de 2014. As discussões e os preparativos para a EDS depois de terminar a Década proclamada pelas Nações Unidas estão a mover-se no sentido de uma nova iniciativa, a ter início em 2015, a qual foi chamada de Programa de Acção Global.

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