Num mundo global, volátil e extremado há sinais de “retornos”, como aquele que a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal apresentou no seu recente XIX Fórum da Indústria Têxtil, onde os objectivos 2017-2020 foram brilhantemente antecipados pela indústria e onde se discutiu a preparação do Plano Estratégico na Indústria Têxtil ITV 2030. De uma forma generalizada, as marcas tornar-se-ão mais independentes, seguras e transparentes na hora de explicar ao consumidor o seu compromisso com os aspectos ético-sociais. E, marketing à parte, o mundo precisa deste compromisso
POR DAVID ZAMITH

Num mundo global, volátil e extremado há sinais de “retornos”, como aquele que a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) apresentou no seu recente XIX Fórum da Indústria Têxtil, onde os objectivos 2017-2020 foram brilhantemente antecipados pela indústria e onde se discutiu a preparação do Plano Estratégico na ITV 2030.

A ATP prevê que, até 2025, as exportações da Indústria Têxtil e do Vestuário possam atingir os sete mil milhões de euros (cenário platina) ou os seis mil milhões de euros (cenário ouro). Estas previsões constam do Roadmap para a competitividade do sector, cujas principais linhas foram divulgadas pelo director-geral desta associação, Paulo Vaz, em Novembro do ano passado, no XIX Fórum da Indústria Têxtil, que decorreu no Citeve, em Famalicão.

Os caminhos da ética como parceiro económico de futuro no mundo da indústria têxtil tiveram igualmente destaque ao nível do Plano Estratégico e numa revisão das microtendências de futuro. Até ao século XIX predominou a inspiração ética na evolução económica. Será que assistimos ao “retorno” da Ética como uma orientação para uma nova economia?

Sustentabilidade e ética como valor

David Zamith, Núcleo do Porto da ACEGE

A sustentabilidade ambiental e ética social formavam parte dos códigos de valores adoptados por algumas marcas de nicho. A era digital caracterizar-se-á pela adopção desses códigos por todos os grandes grupos e clusters fabris. Grupos sociais com uma alta preocupação por temas sociais e ambientais acabam por dar vida a nichos de consumidores que consomem marcas posicionadas à margem do circuito tradicional. O argumento é que só estas procuram respostas à sustentabilidade, mas esta realidade está em vias de se transformar num capítulo do passado.

A era digital mudou a comunicação e, deste modo, a percepção da sociedade relativamente a todos aqueles aspectos relacionados com o consumo. No futuro, continuaremos a ter pessoas mais e menos sensíveis às questões ético-ambientais. A diferença é que tampouco os menos sensíveis não irão querer arcar com o ónus moral de consumir produtos de marcas e grupos de distribuição que se mostrem indiferentes perante estas problemáticas.

Nos últimos anos, nos media e com o eco de milhões de pessoas nas redes sociais, começaram a aparecer os nomes das marcas e grupos de distribuição cuja reputação foi posta em xeque. Em termos de ética social são inúmeros os exemplos e, entre os mais marcantes pelo simbolismo, temos o colapso da estrutura do Rana Plaza no Bangladesh, no qual operavam várias fábricas do sector têxtil e onde morreram centenas de pessoas.

Hoje, qualquer denúncia ou descoberta de trabalho em condições precárias e de semi-escravidão, quando relacionada com marcas internacionais, assume proporções virais pela difusão na rede. No Bangladesh, o dedo acusatório foi apontado às cadeias fast fashion e a outros grandes players da distribuição internacional, que têm a produção fragmentada em inúmeras produções fabris em todo o mundo, e cuja raiz do eco de acontecimentos deste tipo passaram a controlar melhor.

A complexidade da gestão da reputação foi crescendo, pois já não basta operar dentro da legalidade: demanda-se que a grande empresa mantenha uma relação ética com o entorno social e que não exerça a sua força e influência mesmo quando a lei está do seu lado. Existem também delicadas questões ideológicas que as marcas são obrigadas a saber gerir.

Podemos observar isto no conflito entre a Benetton e os Mapuche na Argentina: milhares de pessoas nas redes sociais trituraram a reputação da marca, e o facto de esta ter a Justiça Argentina do seu lado e o direito legal da propriedade de imensas terras na Patagónia destinadas à pecuária ovina não impede que a empatia com o lado mais débil – os Mapuche – acabe por se impor.

Há também um mercado com acento ideológico na oposição crítica ao grupo Inditex que prolifera nas redes sociais, o qual se traduz, neste caso, no aproveitamento de uma posição para usufruir legalmente das melhores condições fiscais. Poderíamos somar muitas outras causas, como questões de género, tolerância perante minorias… Um erro de comunicação pode revelar-se fatal.

De facto, existem variados motivos de preocupação real. O fast fashion – segmento dominante do mercado – tem o desafio de tornar sustentável um negócio de cem mil milhões de peças anuais, cujos volumes duplicaram desde 2000 e continuarão a aumentar nos próximos anos. A McKinsey estima que, antes de 2030, 80% da população de países com economias emergentes alcançarão níveis de desenvolvimento semelhantes aos dos países desenvolvidos, pelo que o impacto ambiental poderá ser notável. Um calcanhar de Aquiles para o negócio dos grandes grupos.

Mas, voltando ao início, se no passado marcas de nicho estiveram na vanguarda da consciência ética-ambiental, no futuro a liderança deverá ser assumida pelas principais cadeias fast fashion e marcas internacionais, as quais assumem ser os players que dominam o mercado e são mais sensíveis à necessidade de proteger a própria reputação.

O impacto na estrutura do negócio é grande: nos materiais (com o crescimento exponencial das eco-fibras que já se começa a verificar); nos processos industriais dos clusters; nas decisões de offshoring e reshoring e nos convénios com as unidades fabris subcontratadas; e, por fim, na ligação com o consumidor para explicar o compromisso com todo processo e o seu envolvimento nos programas de reciclagem.

Hoje, os grandes grupos procuram a interacção e os acordos com interlocutores que possam avalizar as boas prácticas nas partes mais sensíveis da cadeia de aprovisionamento, sobretudo nos países do terceiro mundo, como os sindicatos globais do sector, as organizações de defesa do ambiente e as ONGs – de que são exemplo a Greenpeace, a Oxfam e o National Resource Defense Council -, activando programas e parcerias que têm efeitos práticos, mas também de comunicação com a opinião pública.

No futuro, os países – os clusters – farão campanhas incisivas, destacando as próprias boas práticas, revelando ser uma oportunidade para um cluster compacto e credível como o português. As marcas tornar-se-ão também mais independentes, seguras e transparentes na hora de explicar ao consumidor o seu compromisso com os aspectos ético-sociais.

Marketing à parte, o mundo precisa deste compromisso.

ACEGE - Núcleo do Porto