Na era do excesso de informação, privilegiar as pessoas que conseguem fazer múltiplas coisas em simultâneo é norma. Principalmente nos locais de trabalho, onde muitos superiores hierárquicos confundem o acto das múltiplas tarefas com o aumento da produtividade. Nada mais errado, defende o neurocientista cognitivo Daniel J.Levitin, autor do bestseller recentemente lançado The Organized Mind: Thinking Straight in The Age of Information Overload, no qual afirma ser possível restaurar, biologicamente, a nossa mente

Por HELENA OLIVEIRA

Apesar de a temática já ter sido alvo de muitos escritos, os novos avanços na área das neurociências e da psicologia comportamental convergem para uma realidade difícil de aceitar para muitos: “saltar” constantemente de uma tarefa para outra exige um enorme dispêndio de energia mental e tem consequências extremamente negativas para o pensamento conceptual e crítico, ao mesmo tempo que reduz a criatividade e a tomada de decisões.O problema é que, no ambiente tecnológico em que vivemos, a pressão constante que sentimos para estarmos continuamente “ligados”, a receber e (a tentar) processar informação pode-se transformar facilmente num comportamento patológico, na medida em que não conseguimos resistir ao “instinto” das multitarefas, “desligando-o”.

De acordo com Levitin, todos nós gostamos de acreditar que conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo e que a nossa atenção é infinita, o que corresponde a um mito persistente. Aquilo que realmente fazemos é mudar o nosso estado de atenção de uma tarefa para outra, o que resulta no facto de não devotarmos uma verdadeira atenção a nada ou diminuirmos a qualidade da mesma aplicada a qualquer que seja a tarefa. Quando nos concentramos em fazer apenas uma tarefa de cada vez, ocorrem alterações benéficas no nosso cérebro.

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Domesticar o instinto para as multitarefas
De acordo com um estudo de 2011, citado no livro de Levitin, num dia “normal”, somos confrontados, em termos de informação, com o equivalente a 174 jornais [lidos na íntegra], cinco vezes mais comparativamente a 1986. Adicionalmente, o autor afirma ainda que as 21,275 estações de televisão existentes no mundo produzem, diariamente, cerca de 85 mil horas diárias de programação original por dia – sendo que estes números remontam a 2003 – e que um espectador médio passa cinco horas por dia em frente a um televisor. Para quem é fã do YouTube, por cada hora que ali se passa, são produzidas e publicadas 5,999 horas de novos vídeos.

Se juntarmos a estes números impressionantes, a informação que recebemos continuamente via Facebook, Twitter e, obviamente, na nossa caixa de correio, teríamos já matéria suficiente para nos sentirmos cansados só de imaginar o “tsunami” de dados que o nosso cérebro está habituado a receber.

E se são muitas as vezes em que nos sentimos verdadeiramente esmagados com este excesso de (des)informação, a razão não só é obvia como está relacionada com a nossa própria biologia: a capacidade de processamento da nossa mente é limitada.

Como explica o neurocientista, esta incapacidade resulta da forma como evoluiu o nosso sistema de atenção cerebral, o qual reúne uma rede de “tarefas” positiva e uma outra de “tarefas” negativa (são denominadas como redes pois contêm redes distribuídas de neurónios, que funcionam, no cérebro, como circuitos eléctricos). Assim, a rede de tarefas positiva está activa nas alturas em que estamos verdadeiramente envolvidos com determinada tarefa, realmente concentrados nela e “imunes” a distracções; por seu turno, a rede de tarefas negativa é activada quando a nossa mente “vagueia perdida em pensamentos”. O problema reside no facto de estas duas redes funcionarem como uma espécie de “baloiço” no cérebro, ou seja, quando uma está activa, a outra não está.

Todavia, e até de uma forma paradoxal, é na rede de tarefas negativa – que o autor apelida como um estado próximo do “sonhar acordado” – que reside a criatividade e a tomada mais clara de decisões: este estado do cérebro, marcado pelo fluxo de conexões entre ideias e pensamentos diferentes, é o que origina os nossos momentos “eureka”, principalmente quando fazemos um intervalo, damos um passeio ou vamos às compras. A mente não está a esgotar recursos, está mais calma e aquilo que nos parecia insolúvel quando estávamos mergulhados em várias tarefas ao mesmo tempo, surge-nos de forma muito mais clarificada.

O neurocientista alerta assim para a necessidade de “domesticarmos” o instinto para as multitarefas, concentrando-nos numa tarefa única ao longo de um período de 30 a 50 minutos e, sempre que possível, fazermos um intervalo para passear, ouvir música, ou fazer uma sesta. Este acto de fazer pausas funciona como um restaurador biológico do nosso cérebro, sendo que existem múltiplos estudos que referem que fazer uma sesta, até mesmo de 10 minutos, melhora as funções e o vigor cognitivos, e diminui a sonolência e a fadiga. O mesmo acontece com as férias – que devem ser “totais” e completamente desligadas das rotinas habituais – algo cada vez mais difícil na era dos smartphones e parafernália tecnológica similar.

Cada vez que lemos um novo post no Facebook, ou enviamos um tweet, uma sms ou recebemos um email, por exemplo, os recursos existentes no nosso cérebro entram em competição com outras tarefas mais importantes como pagarmos as contas do mês, lembramo-nos de ir procurar o nosso passaporte ou termos de ligar àquele amigo com quem tivemos uma discussão. Ou, na maioria das vezes e na verdade, estes convites à distracção têm uma enorme influência – negativa – não só no nosso trabalho, como na forma como lidamos com a nossa própria vida pessoal, incluindo a atenção que (não) damos aos filhos, à família e a todas as demais esferas que compõem a nossa vida quotidiana.

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Os locais de trabalho estão erradamente orientados para o multitasking
De acordo com o professor de Stanford, Clifford Nass, citado também no livro de Levitin, o qual se tem dedicado às forças sociais que encorajam as multitarefas – e aos resultados negativos que destas advêm – muitos gestores impõem aos seus subordinados regras como “tem de responder a este email nos próximos 15 minutos” ou “tem de manter uma janela de conversação constantemente ligada” para fazer face às inúmeras exigências do quotidiano laboral. Ora, este tipo de pressão significa que é necessário parar de fazer uma tarefa para responder a uma outra solicitação, o que fragmenta a concentração.

Para os neurocientistas cognitivos, pelo menos até existir um outro salto evolutivo no nosso córtex pré-frontal – onde se opera a denominada função executiva relacionada com o estado de atenção positiva – as multitarefas não conduzirão nem a mais trabalho nem a melhor trabalho. “As forças culturais e as expectativas de que as pessoas têm de responder de forma instantânea a todas as solicitações, ao mesmo tempo que falam num chat, respondem a um email, enviam um sms ou atendem um telefonema, significa somente que a pressão nunca para de aumentar”, afirma Nass.

E as empresas que estão a ganhar a batalha da produtividade são aquelas que oferecem aos seus trabalhadores a possibilidade de serem realmente produtivos nas “horas devidas”, ao mesmo tempo que encorajam as já faladas pequenas sestas, oportunidades para estes fazerem exercício físico e um ambiente calmo, tranquilo e organizado para realizarem as suas tarefas laborais. Assim, não é por acaso que a Google colocou mesas de ping-pong nas suas instalações ou que a Safeway Stores, uma das maiores cadeias grossistas que opera nos Estados Unidos e no Canadá, duplicou as suas vendas sob a batuta de Steven Burd (entretanto reformado em 2013), o qual, entre outras coisas, encorajou os seus empregados a fazer exercício, através de incentivos nos salários, instalando um ginásio na sua sede de operações.

Adicionalmente, são cada vez mais os estudos que comprovam que a produtividade aumenta em proporção directa com a diminuição de horas de trabalho semanais, o que sugere fortemente que intervalos adequados para o lazer e para o reset mental beneficia não só os trabalhadores, como os empregadores.

O trabalho em excesso – em conjunto com a privação do sono – são cada vez mais responsabilizados por erros e más decisões que afectam as organizações e, por consequência a economia. Talvez este seja o melhor argumento para convencer os patrões que o excesso de trabalho não compensa.


A melhor forma de organizar a mente é compartimentar as tarefas
28102014_EstaNaHoraDeFazerUmResetAoSeuCerebro3Em The Organized Mind, Levitin começa por discutir o excesso de informação de que todos sofremos actualmente e de que forma é que os humanos, a um nível individual, estão a tentar organizar e usar o máximo possível desta panóplia interminável de dados que vamos recebendo diariamente.

Na segunda parte do livro, o autor abandona a abordagem individual e discute as implicações do excesso de informação ao nível da vida pessoal e profissional, oferecendo dicas – bem organizadas – que poderão ajudar realmente a uma melhor gestão da informação, aumentando a nossa eficácia e o nosso poder de decisão.

A terceira e última parte do livro é dedicada ao futuro, tanto no que diz respeito á forma como educamos os nossos filhos na era da informação excessiva, oferecendo também a sua perspectiva de como a informação poderá ser melhor organizada à medida que o nosso cérebro sofrerá, também, uma evolução. Levitin apresenta igualmente exemplos reais – de executivos, profissionais altamente credenciados, artistas, atletas, entre outros – de como é possível aprender a maximizar a criatividade e eficácia através de uma correcta organização das nossas vidas, “ensinando” os leitores a despenderem menos tempo em actividades mundanas e “distractivas”, e a dedicarem mais tempo a fazerem aquilo que realmente interessa.


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