Há 15 dias, o mundo foi sacudido por um terramoto no sector automóvel. O epicentro foi nos Estados Unidos, mas as réplicas fazem-se sentir no mundo inteiro. Uma fraude no sistema de emissão de gases poluentes que está a “pintar” em tons negros o futuro próximo da maior construtora de automóveis da Europa
POR JOÃO CARLOS MALTA

Tudo começou nos Estados Unidos da América, alastrou por todo o mundo e pode estar em sua casa se tiver um carro de uma marca do grupo Volkswagen.

São 15 dias resumidos em 15 perguntas e respostas, de um acontecimento que já marcou a história da marca alemã e que dificilmente não mudará radicalmente o sector automóvel.

O que é que motivou este escândalo Volkswagen?

A Volkswagen, pelo menos nos últimos cinco anos, introduziu na programação informática (software) de vários modelos com motorização a gasóleo um algoritmo que detectava quando o carro estava a ser submetido a testes em laboratório.

Assim, a redução de emissões poluentes era automática e a passagem nos testes estava garantida. Mas quando os carros eram utilizados em condições reais, as emissões podiam ir até 40 vezes mais do que os limites legais nos EUA (país em que os limites são inferiores aos da Europa).

Como foi descoberto o kit fraudulento?

A investigação pelas autoridades dos EUA às emissões poluentes começou há cerca de ano e meio, em Maio de 2014. A 18 de Setembro, a agênciaEnvironmental Protection Agency (EPA) chamou a atenção de todo o mundo ao acusar de estar a deturpar os resultados das emissões de gases dos seus carros a gasóleo. Agora, sabe-se que a mesma informação também teria sido facultada à Comissão Europeia, que no entanto não avançou para nenhuma investigação.

Quais os carros que foram vendidos com este dispositivo?

Na gama Volkswagen usaram-se diferentes versões do Polo, Golf, Scirocco, Beetle, Eos, Jetta, Passat, CC, Touran, Sharan, Tiguan, Amarok, Caddy e Multivan.

Também foram equipados nos Audi A1, A3, TT, A4, A5, A6, Q3 e Q5; nos Seat Ibiza, Leon, Toledo, Exeo, Altea, Altea XL e Alhambra; e nos Skoda Fabia, Spaceback, Rapid, Octavia, Scout, Superb, Roomster e Yeti.

Qual o universo de carros que está afectado em Portugal?

Em Portugal, o importador das marcas Volkswagen, Audi e Skoda admitiu que estão em causa 94.400 unidades e já mais recentemente, a Seat, também do grupo Volkswagen, acrescentou 23 mil carros, o que eleva para 117 mil as unidades afectadas pelo dispositivo manipulador.

O que deve fazer quem tem um carro que presumivelmente está dentro deste universo?

Deve contactar um concessionário da marca para solicitar mais informação. Pode também contactar uma instituição de defesa do consumidor se tem intenção de colocar em tribunal a marca, seja em acção colectiva ou particular. O normal será esperar que o fabricante o contacte para uma chamada às oficinas para reajuste do motor.

Esta chamada às oficinas será suportada pelo proprietário?

Não. A Volkswagen anunciou que a alteração será completamente gratuita para os proprietários dos automóveis. O novo administrador do grupo, Matthias Mueller, revelou que os carros equipados com o software que falseava o desempenho dos motores vão ser chamados à oficina. Os clientes vão ser contactados nos “próximos dias”.

Pode vender o meu automóvel usado mesmo sendo uma das unidades afectadas pelo escândalo?

Sim, porque a marca irá contactar o novo proprietário quando o automóvel for chamado às oficinas. Mas existe o risco de o carro se desvalorizar devido aos danos da imagem de marca.

A modificação técnica nas oficinas poderá ter consequências nas prestações ou no consumo do carro?

Ainda que a Volkswagen afirme que não, tais consequências não se podem descartar devido à natureza da programação usada nos dispositivos manipuladores. Se quiser baixar drasticamente as emissões, a quantidade de gasóleo queimada deverá ser maior, gerando mais consumo e, provavelmente, prestações diferentes das actuais.

Haverá problemas na Autoeuropa?

O Governo português recebeu no fim da semana que acabou a garantia da Volkswagen de que até 7 de Outubro o grupo vai ter um plano detalhado para a correcção das emissões fraudulentas, onde não há referências ao impacto na produção da Autoeuropa.

O ministro da Economia, Pires de Lima, revelou ter recebido uma carta do novo presidente do grupo Volkswagen com a garantia de “um plano detalhado para a correcção de todas estas ilegalidades até 7 de Outubro e que assumirá obviamente os custos de toda esta fraude”.

As emissões em causa, os óxidos nitrosos (NOx), são perigosas?

Ainda que tradicionalmente se dê mais atenção ao dióxido de carbono, o CO2, ou ao monóxido carbono, nos últimos tempos cresce a preocupação à volta dos óxidos de nitrogénio, o NOx, relacionados a curto prazo com ataques de asma e irritação das vias respiratórias, e a mais longo prazo com doenças cardiovasculares e respiratórias de tipo crónico.

Os NOx podem fazer uma reacção com outros compostos, formando nanopartículas que, dentro do aparelho respiratório, causam ou agravam bronquites ou enfisemas pulmonares.

O que está a fazer o governo português?

O ministro da Economia anunciou a criação de um grupo de trabalho para assegurar a monitorização das acções decorrentes da fraude da Volkswagen.

A Volkswagen vai ter de indemnizar o Estado?

Pires de Lima afirmou que o Estado vai zelar pelo cumprimento das obrigações fiscais da Volkswagen, caso seja detectada a existência de impostos que não foram pagos.

“Como é óbvio, todos os incumprimentos, tanto do ponto de vista ambiental, do ponto de vista fiscal como de outra natureza, que possam ter existido têm de ser corrigidos”, disse o ministro da Economia.

Que consequências e custos terá para a Volkswagen?

O escândalo de manipulação de emissões poluentes do grupo Volkswagen já está a ter um efeito negativo na produção de motores e no braço financeiro da empresa, a VW Financial Services.

Uma porta-voz da fábrica de motores da localidade de Salzgitter disse que a unidade fabril reduziu um turno extraordinário semanal para baixar a produção.

A filial de serviços financeiros, a Volkswagen Financial Services, vai interromper as novas contratações até ao final do ano, revelou um porta-voz, sendo que cerca de 30 contratos temporários que expiram este ano já não serão renovados.

A Volkswagen já fez provisões de 6,5 mil milhões de euros, mas os analistas pensam que a factura pode ser superior.

Na totalidade, serão cerca de 11 milhões de veículos a serem recolhidos pela marca para alterar.

O resto da indústria passará incólume?

O estudo, da autoria da European Federation for Transport and Environment (AISBL), entidade que trabalha com a Comissão Europeia, revela que a Volkswagen “é ponta do iceberg” e que a “Mercedes, BMW e Peugeot distorcem dados”.

A Volkswagen “foi a primeira a ser descoberta, mas está longe de ser a única gigante da indústria automóvel a manipular os testes de emissões de gases poluentes”.

Artigo publicado originalmente na Rádio Renascença. Republicado com permissão