Considerando que Portugal é, actualmente, um ecossistema favorável e “fervilhante” no que ao empreendedorismo diz respeito, é quase paradoxal – numa primeira leitura – o facto de 80% dos jovens inquiridos no mais recente Relatório Global de Empreendedorismo da Amway afirmarem, ainda, que o ambiente nacional é hostil à capacidade de empreender. E é para contrariar esta ideia que o Governo apresentou recentemente a estratégia nacional Startup Portugal. Para apoiar os “audazes” desde o primeiro passo e inverter o pessimismo que ainda persiste neste caminho conturbado
POR
MÁRIA POMBO

Apresentado recentemente, o último Relatório Global de Empreendedorismo da Amway (AGER 2015) revela que apenas 16% dos portugueses consideram que o País é propício ao empreendedorismo. Seguindo a tendência pessimista apurada em edições anteriores, Portugal posiciona-se em penúltimo lugar (entre 44 países), só acima da Bulgária, onde apenas 8% dos inquiridos consideram que a sociedade onde se inserem é favorável à criação do seu próprio negócio. Os dados para este relatório foram recolhidos entre Maio e Agosto de 2015, tendo sido inquiridas quase 50 mil pessoas de ambos os sexos e de diversos continentes, maiores de 14 anos.

Complementando a ideia anterior, o medo de fracassar (motivado essencialmente pela crise económica e tendo em conta os encargos financeiros necessários para criar um negócio) continua a ser o maior obstáculo assumido por 70% dos portugueses. No entanto, 57% dos inquiridos apresentam uma atitude positiva perante o empreendedorismo e quase 40% pretendem vir a criar o seu próprio negócio. Ser o próprio patrão é a principal motivação dos inquiridos (45%); no entanto, ter um negócio é também uma forma de regressar ao mercado de trabalho (para os que dele estão afastados) e de auto-realização (sendo ambas as opções apontadas por 30% dos inquiridos).

Apesar da “febre empreendedora” que parece estar a contagiar um número substancial de jovens portugueses, 80% dos inquiridos nesta faixa etária consideram hostil o “ambiente nacional” no que respeita à criação do próprio negócio; no entanto, são também os mais novos que apresentam uma atitude mais positiva para empreender (61%), existindo inclusivamente uma parcela (45%) que pretende mesmo iniciar uma actividade em nome individual. Apesar da elevada percentagem relativa à “hostilidade”, os últimos anos foram marcados, em Portugal, por um número crescente de startups, scaleups e incubadoras de empresas.

De acordo com um relatório de Novembro de 2015, emitido pela Startup Europe Partnership (SEP), o nosso país tem vindo a ser crescentemente considerado como “apetecível” para muitos investidores. O mesmo relatório sublinha a identificação de 40 scaleups (startups que já conseguiram angariar um milhão de dólares de investimento e criaram postos de trabalho) na área das tecnologias de informação e comunicação e 24 startups com potencialidades comprovadas para seguirem o mesmo caminho. De modo a apoiar o empreendedorismo jovem e a permitir que os passos – apesar de ainda pequenos quando comparados com outros países europeus – continuem a ser dados em Portugal, o Governo anunciou recentemente a estratégia Startup Portugal, criada para apoiar o empreendedorismo nacional e responder às necessidades dos empreendedores logo a partir do primeiro dia (v. Caixa).

Mas e voltando ao AGER 2015, do ponto de vista regional, e sem contar com os arquipélagos (que não foram considerados), todas as regiões do País apresentam percentagens positivas (entre 57% e 60%) no que respeita à atitude para empreender, exceptuando-se o Algarve, onde apenas 16% dos respondentes revelaram o optimismo necessário para criar um negócio. Assim e sem surpresa, são também os habitantes algarvios que revelam um menor potencial para empreender (12%), seguindo-se Lisboa com 33% e, por fim, as restantes regiões (com percentagens mais animadoras e que variam entre os 41% e os 46%).

Estes dados permitem concluir que Portugal é um país com potencial empreendedor – que sempre o caracterizou – mas ainda com medo de arriscar. Neste sentido, a directora geral da Amway Iberia, Monica Milone, declara que “é preciso dar ainda mais apoio e formação às pessoas”, de modo a “quebrar tabus”. Complementarmente, e a respeito da elevada percentagem de inquiridos que considera a nossa sociedade pouco propícia ao empreendedorismo, Rui Baptista, professor catedrático e presidente do Departamento de Engenharia e Gestão do Instituto Superior Técnico em Lisboa, e assessor académico do AGER 2015, explica que “é extremamente importante pensar em alternativas para alterar a situação e fazer com que a sociedade portuguesa apoie ainda mais, e de forma mais clara, os seus empreendedores”.

Conhecer a intenção permite prever a acção

14042016_EntreO“Compreender o espírito empreendedor” é o mote desta edição, a mais abrangente até à data. Neste âmbito e em parceria com a Universidade Técnica de Munique, foi desenvolvido o denominado “Amway Entrepreneurial Spirit Index” (AESI). Com base na Teoria do Comportamento Planeado do professor Icek Ajzen – a qual demonstra que uma atitude, uma norma subjectiva e um controlo comportamental determinam uma intenção e que esta, por sua vez, origina um comportamento/acção, esta ferramenta tem como objectivo ajudar a percepcionar qual é a acção do sujeito a partir do momento em que se consegue prever a sua intenção.

Este índice traduz uma métrica inovadora que permite avaliar os factores motivacionais para iniciar um negócio, possibilitando a análise do comportamento e do espírito dos empreendedores. O desejo (de iniciar uma actividade em nome próprio), a estabilidade (contra a pressão social e opiniões de familiares e amigos próximos) e a viabilidade (relacionada com as competências necessárias para empreender) constituem os pilares deste índice, sendo que a análise é efectuada com base na média de respostas dadas a cada um dos mesmos. A lógica é simples: quanto maiores forem as percentagens destes três pilares, mais persistentes quanto à ideia de alcançar o sucesso através de um negócio próprio revelam ser os inquiridos que participaram neste estudo.

Analisando todos os inquiridos de um universo de 44 países de vários continentes, a “vontade de iniciar um negócio” apresenta uma percentagem positiva, mas não muito elevada (51%), combinando 55% de desejo, 49% de estabilidade e 47% de viabilidade. Em termos globais, a Índia é o país que revela o maior desejo de desenvolver um negócio (94%), uma maior estabilidade relativamente à pressão social (76%) e uma maior viabilidade no que respeita às competências necessárias para assegurar uma actividade em nome individual (68%). No pólo oposto e possivelmente por questões culturais, o Japão é o país onde o espírito empreendedor apresenta os níveis mais incipientes: apenas 8% dos inquiridos assumem-se capazes de dar início a um negócio próprio. A média portuguesa dos três pilares situa-se nos 44%, colocando o País a meio da tabela, ligeiramente abaixo da média global.

Ainda neste indicador, os homens revelam ter uma maior motivação, quando comparados com as mulheres, para serem patrões de si próprios. Também em termos geracionais, e não sendo de admirar, são registadas diferenças: enquanto 65% dos jovens até aos 35 anos revelam capacidade e vontade para correr este risco e perseguir potenciais oportunidades, apenas 58% dos respondentes entre os 35 e os 49 anos demonstram essa motivação, valor que decai ainda mais (não ultrapassando os 44%) quando se trata de inquiridos com 50 ou mais anos.

Ainda a nível global, a independência relativamente a empregadores e a possibilidade de concretizar as próprias ideias são as principais motivações apontadas pelos inquiridos. No entanto, ter uma segunda fonte de rendimento, poder conciliar a vida profissional com a familiar e voltar ao mercado de trabalho (para os que dele estão “fora”) são igualmente aspectos favoráveis ao empreendedorismo. De sublinhar, todavia, que em Portugal, e contrariamente à generalidade dos demais países, a criação de um negócio próprio é mais motivada pela necessidade de se voltar a exercer uma actividade profissional, ou seja, como uma alternativa ao desemprego, do que pelo sonho de materializar as próprias ideias.

Também globalmente, e desta vez à semelhança do que acontece no nosso país, o medo de falhar constitui o principal obstáculo à maioria dos inquiridos (70%). Os encargos financeiros exigidos a um negócio e a crise económica ainda não resolvida são igualmente apontados por uma elevada percentagem de respondentes (41% e 29%, respectivamente). Por fim, e não ultrapassando os 16%, o medo do que possa correr mal, a questões jurídicas, o receio de assumir as responsabilidades das decisões tomadas, a desilusão e a reputação são os indicadores que menos impedem os potenciais empreendedores de iniciar a sua própria actividade.

Correspondem os empreendedores a um “perfil” específico?

14042016_EntreO2Ainda no AGER 2015, foi traçado um “perfil do empreendedor”, mas com base nas principais características “ideais” apontadas pelos 50 mil respondentes. De acordo com as características mais “votadas”, as pessoas mais “propensas a empreender” são abertas à mudança e à novidade, gostam de aproveitar a vida, de ter controlo sobre as coisas que (os próprios e os outros) fazem; são ainda aventureiros que procuram o risco, mas que se preocupam com o futuro do seu próprio país e que não perdem uma oportunidade para ajudar os outros; adicionalmente são figuras que gostam de impressionar os outros, de seguir regras e de promover a justiça, mesmo perante desconhecidos.

No entanto, no dia-a-dia e com base numa observação “comum”, é possível afirmar que os empreendedores não são assim uma “espécie tão rara” e com qualidades substancialmente distintas quando comparados com o comum dos mortais. Sim, é certo que são atraídos pela novidade, têm propensão para o risco e uma capacidade de resiliência considerável. Sim, são pessoas que abdicam de fins-de-semana em família, que trabalham horas extra, que não podem ter férias porque não lhes são pagos subsídios para tal, e para quem a conjugação entre a vida profissional e a familiar é difícil de concretizar, pelo menos numa fase inicial, quando a empresa começa a dar os seus primeiros passos e até conseguir alcançar uma estabilidade mínima. Mas muitas destas características são comuns a muitos “trabalhadores normais”. A verdade é que desde que o empreendedorismo alcançou um estatuto de “moda” – e sem subvalorizar, de todo, o impacto positivo que os seus actores têm imprimido na sociedade – a obsessão para os colocar no interior de um “perfil” ou de uma “redoma motivacional” acaba por ter o efeito contrário. O empreendedorismo é, antes de mais, um movimento heterogéneo, com pessoas com características muito diferentes e que não têm de obedecer a nenhuma cartilha comportamental.

Todavia, e de acordo com o índice desenvolvido neste relatório, os seus promotores afirmam que é agora mais fácil compreender porque é que alguns grupos (conforme, por exemplo, a idade, a região e até o género) imaginam criar o seu próprio negócio, enquanto outros nem sequer se dão ao trabalho de considerar essa possibilidade. O documento ressalva ainda que os programas de apoio ao empreendedorismo devem, por um lado, financiar os projectos na sua fase inicial e, por outro, dar competências aos corajosos que decidem ter o seu negócio, preparando-os para enfrentar os desafios que terão de enfrentar “na vida real”.


Objectivo: colocar Portugal na rota do empreendedorismo mundial

Consciente de que Portugal é um país “rico em talento e diversidade”, tendo vindo a assumir-se como um ecossistema favorável ao rápido crescimento de empresas recém-criadas, o Governo apresentou recentemente a iniciativa Startup Portugal. Esta é uma estratégia nacional para apoiar o empreendedorismo no nosso país e pretende responder às necessidades dos empreendedores, desde o momento em que desenham o projecto até ao dia em que o mesmo se torna autónomo.

Criar e apoiar o ecossistema à escala nacional, atrair investidores nacionais e estrangeiros e co-financiar startups na fase de ideia são alguns dos objectivos desta iniciativa. A mesma pretende ainda promover e acelerar startups portuguesas nos mercados externos e implementar medidas públicas de apoio ao empreendedorismo. Para concretizar estes objectivos, o Governo criou 15 medidas de apoio ao empreendedorismo, que variam entre “meras” medidas fiscais até ao lançamento de linhas de co-financiamento com business angels e capitais de risco.

Alavancar a participação portuguesa no Web Summit, o mais importante evento de empreendedorismo e tecnologia a nível mundial e que terá Lisboa, em Novembro, como cidade anfitriã do mesmo, é uma das grandes apostas do país nesta sua nova estratégia de estímulo às startups portuguesas, tendo em conta que permite que os maiores investidores do planeta partilhem não só as suas experiências, como conheçam também projectos “made in Portugal” e tenham interesse em financiá-los.

Em apenas cinco anos, o Web Summit passou de 400 participantes para mais de 42 mil provenientes de 134 países. Considerada como a “a melhor conferência de tecnologia do planeta” ou simplesmente como um evento que realmente “pensa diferente”, essa diversidade e originalidade é visível, desde logo, nos que nele participam: é que reunir, no mesmo local, elementos pertencentes a muitas empresas que integram o ranking da Fortune 500 e as mais originais e bem-sucedidas startups do mundo é, sem dúvida, meio caminho andado para celebrar todos aqueles que, realmente, fazem “a” diferença.


Jornalista