Se o sector empresarial fosse avaliado pela sua prestação em matéria de direitos humanos neste ano prestes a findar, muitas seriam as organizações brindadas com notas negativas. Sob pena de um retrocesso ainda mais profundo do que aquele que caracterizou 2016, as empresas terão de encetar esforços gigantescos para implementar um conjunto de respostas estratégicas que visam recuperar o terreno perdido na forma como os direitos humanos e a gestão empresarial se interligam. O Institute for Human Rights and Business revela as questões mais prementes a ter em conta no ano que se segue
POR
HELENA OLIVEIRA

“Todos nós falhámos, indubitavelmente. Todos nós que, nos últimos 15 anos, trabalhámos nas questões dos direitos humanos inerentes negócios, falhámos em comunicar a sua relevância para a sociedade no seu todo”.

Quem o afirma, e sem pruridos, é John Morrison, CEO do The Institute for Human Rights and Business (IHRB), um think tank britânico cuja principal missão é delinear políticas, implementar boas práticas e fortalecer a responsabilização por parte das empresas no que respeita à observância dos direitos humanos. E a sua afirmação, ainda que crua, corresponde a uma verdade à qual não se pode fugir: 2016 foi um ano de erros, de fracassos e, essencialmente, de retrocessos e de mudanças drásticas no que respeita aos motores sociais, políticos e económicos a nível global. Para o IHRB, assistimos a uma erosão do sistema internacional no que respeita ao primado da lei no interior das sociedades, das economias e, é claro, das empresas. E, acrescenta ainda, “esta nova era de políticas proteccionistas, populistas e nacionalistas crescentes alterou drasticamente a retórica subjacente aos acordos económicos, de comércio e de investimentos entre nações, sem esquecer a liderança que deveria nivelar as cadeias de valor globais, as estratégias inerentes aos refugiados, os mecanismos de responsabilidade jurídica dos negócios e muito mais”.

Ao longo dos últimos oito anos, e sempre a 10 de Dezembro, na sequência do Dia Internacional dos Direitos Humanos, o IHRB tem vindo a publicar um “top” dos desafios mais prementes que empresas, governos e a sociedade civil têm de enfrentar no ano que se segue. E, para 2017, sob pena de um retrocesso ainda mais profundo, serão necessários esforços gigantescos para se encontrar um conjunto de respostas estratégicas que visam recuperar o terreno perdido na forma como os direitos humanos e a gestão empresarial se interligam. O VER resume de seguida as prioridades identificadas pelo IHRB.

© DR
© DR

Desigualdade: tornar o crescimento mais inclusivo, as empresas mais responsáveis e a distribuição dos recursos mais equitativa

Os números não são, e infelizmente, novos. Acompanhando a tendência dos últimos anos, e tal como o VER reportou no início de 2016, a desigualdade de rendimentos tem-se vindo a acentuar com 1% da população mundial a ter tanto dinheiro como os restantes 99%. Como sublinha o Center for Economic and Social Rights, a desigualdade extrema representa, em simultâneo, uma causa e um resultado das violações dos direitos humanos: não só as mesmas geram desigualdade, corroem os direitos laborais, aumentam a discriminação e aumentam as barreiras face à participação política, como as sociedades desiguais são muito mais propensas a aumentar os desafios no que respeita a uma protecção mais alargada desses mesmos direitos. A ligação existente entre determinadas práticas de negócio e o aumento da desigualdade pode ser encontrada na evasão e fraude fiscais das empresas, em conjunto com a maximização dos interesses dos accionistas, o que resulta na assimetria dos rendimentos e na distribuição da riqueza, prejudicando os trabalhadores e beneficiando esses mesmos accionistas que integram o grupo dos indivíduos mais ricos do mundo e as maiores empresas do planeta (a denominada desigualdade vertical). Por seu turno, acrescenta ainda o IHRB, as economias do “conhecimento intensivo” podem também exacerbar os níveis de desigualdade, na medida em que os empregos no sector produtivo declinam e os mercados laborais assistem a uma divisão crescente entre os trabalhos mais qualificados e de elevados rendimentos e aqueles que são ocupados por pessoas com menos competências e, consequentemente, que auferem menores salários. Por outro lado, e como também não é novidade, apesar de existirem alguns sinais de progresso no que respeita à igualdade de género, esta está longe de ser atingida, com as mulheres a permanecerem em grande desvantagem nas esferas sociais, económicas e políticas, o que lhes confere menos e piores escolhas, tornando-as mais vulneráveis, incluindo a questões tão terríveis como o tráfico de seres humanos. Se existem alguns países que já demonstraram que as políticas certas podem estimular economias mais criativas e competitivas e, em simultâneo, aumentar a igualdade de género, é sabido que este é um desafio real: como tornar o crescimento mais inclusivo, as empresas mais responsáveis e a distribuição dos recursos mais equitativa? De acordo com o IHRB, o ano que se aproxima deverá prestar maior atenção à forma como o sector privado pode trabalhar, em conjunto com os governos e outros actores, de forma a ter um papel mais activo no combate à desigualdade, seja ela de que natureza for, em conjunto com a promoção do respeito pelos direitos fundamentais. O apoio das empresas no que respeita ao “salário digno” consiste num importante passo em frente, bem como as estratégias que visam dar emprego aos membros das comunidades locais, aumentar a educação e a formação em competências de empreendedorismo, incluindo iniciativas dedicadas ao empowerment das mulheres.

© DR
© DR

A economia “gig” ou o bom e o mau da adopção alargada das tecnologias

Tal como o VER analisou também este ano, um dos grandes desafios que se coloca à força laboral da actualidade está relacionado com a disseminação alargada da internet e com a utilização cada vez mais generalizada de tecnologias de ordem variada. Se, por um lado, estes progressos nos permitem trabalhar com um vasto número de pessoas de uma forma colaborativa – o denominado crowdwork -, por outro, somos igualmente capazes de assegurar um conjunto de serviços seguros, através da utilização de apps e geridos por empresas “externas”. Estas novas ferramentas da denominada “economia gig” tornaram muito mais eficazes inúmeros processos organizacionais, ao mesmo tempo que reduziram os custos para as empresas. Mas e como não há bela sem senão, colocam alterações fundamentais à natureza do próprio trabalho. Várias são as empresas que estão a abandonar a contratação de um staff permanente, optando pelos trabalhadores temporários – eles próprios também uma característica deste tipo de economia – ou pela oferta de “contratos de zero horas”, o que aumentou, para o bem, a flexibilidade dos trabalhadores e, para o mal, a sua vulnerabilidade. Muitas profissões que se prestam a este tipo de oferta laboral não têm protecção sindical e, ao não fazerem parte “integrante” das empresas que os contratam pelos serviços que prestam, acabam por não ter direito a qualquer regalia, seja a subsídios, protecção no desemprego ou a seguros de saúde, por exemplo. Assim, não é de estranhar que esta nova “nova” economia seja caracterizada por uma certa ambiguidade, benéfica por um lado e prejudicial por outro e, dado que em muitos casos, a mesma está a ser mais amplamente procurada por mulheres – que “precisam”, em princípio, de maior flexibilidade face aos seus pares masculinos, as opiniões dos economistas dividem-se, em particular no que respeita ao seu impacto de longo prazo. Uma das consequências poderá resultar em dificuldades crescentes de permanência na força laboral e, aliado ao facto de as mulheres já ganharem menos que os homens, esta maior flexibilidade poderá converter-se num enorme “preço a pagar”.

Em 2017, e de acordo com as estimativas do IHRB (e não só), as pressões concorrenciais e as exigências dos próprios consumidores deverão estimular outras indústrias a adoptar este modelo, provocando um enorme abanão em muitos sectores que dependem de funções intermédias. As empresas que estão a adoptar novas tecnologias não se podem esquecer de apostar na (re)formação dos seus empregados e é natural que seja necessária uma intervenção estatal nos casos em que exista uma evidência clara de contratos que retiram poder aos trabalhadores, que diminuam os seus direitos laborais e que limitem o direito às negociações colectivas.

O grande desafio para os governos será o de fazer cumprir os direitos laborais já adquiridos e, ao mesmo tempo, encorajar as mudanças tecnológicas que beneficiem indústrias e serviços. O IHRB dá como exemplo uma recente disputa legal entre a Uber e os tribunais britânicos, que pretendem obrigar a empresa a considerar os seus motoristas como “empregados de pleno direito”, algo que a Uber não pretende aceitar. Ou e em suma, existe ainda muito caminho a trilhar para que os benefícios gerados pelos avanços tecnológicos e pelos novos modelos de negócio possam ocorrer em paralelo com a protecção dos direitos dos trabalhadores no interior desta “economia gig”.

© DR
© DR

Automação e a preservação dos direitos dos trabalhadores humanos

Tem sido, sem dúvida, um dos temas mais falados do ano e uma questão que o VER tem vindo a acompanhar com atenção constante: os céleres progressos na inteligência artificial e na automação, protagonizados por robots e por softwares cada vez mais inteligentes, estão a reduzir a necessidade de trabalhadores humanos e o “futuro sem trabalho” parece estar cada vez mais perto. Em inúmeros sectores, as empresas estão a automatizar os seus processos, como resposta também à pressão constante de margens de lucro mais elevadas e consequente redução de custos. Porque as máquinas não ficam doentes, não tiram férias, não se organizam em sindicatos e podem trabalhar ininterruptamente, o aumento do desemprego enquanto reflexo da automação é já uma consequência visível nas economias industrializadas, tanto nos sectores produtivos como no dos serviços e, para já e em particular, no que respeita a tarefas repetitivas que requerem níveis baixos de competências. E, mais uma vez, o IHRB sublinha que esta realidade em concreto será mais prejudicial às mulheres do que aos homens, com severos impactos na ainda longínqua igualdade de género.

Adicionalmente, alerta o IHRB, a magnitude desta situação criada pelos avanços tecnológicos não poderá nunca ser abordada de forma individual pelas empresas, sendo cruciais e urgentes soluções colectivas que assegurem que esta “magistral transformação” não esmague um conjunto alargado de pessoas. O sector privado, os governos, as instituições académicas e as organizações da sociedade civil terão de colaborar, mediante novas e eficazes formas, para assegurar que os trabalhadores cujas tarefas possam ser deslocalizadas ou realizadas por máquinas sejam requalificados e munidos de novas competências.

© DR
© DR

O big data e o princípio do consentimento informado

Recordando o direito ao “consentimento livre, prévio e informado”, o IHRB prevê que 2017 seja o ano em que este princípio seja tema de reflexão aprofundada por parte das sociedades. Defendendo que consumidores e clientes têm o direito de saber, claramente, o que significa, “concordar com os termos” impostos pelas empresas, o think tank britânico alerta também para o facto de, e no contexto do big data, serem muitos os que defendem que este consentimento deixou de ter significado. Mas renunciar a este direito no mundo dos algoritmos significa também uma rendição à discriminação implícita e explicita que reina no domínio digital, em conjunto com o abrir mão, gratuitamente, da privacidade a que temos direito quando fornecemos os nossos dados. De acordo com o próprio Instituto, em 2020 existirão cerca de 352 zettabytes de dados em todo o mundo, face a 0,5 zettabytes “contados” em 2009, relativamente a toda a informação existente na World Wide Web. Como termo de comparação, estima-se igualmente que se todos os discursos desde sempre proclamados na história da humanidade fossem digitalizados, tal corresponderia a 42 zettabytes. Assim, e nos próximos três anos, mais de 70% destes 352 zettabytes de informação estarão nas mãos de empresas privadas, geridos e trocados entre máquinas e com uma intervenção humana muito reduzida, cabendo a todas elas, e não só às que pertencem ao sector das TIC, a responsabilidade de envolver a sociedade numa discussão clara sobre os destinos e possíveis utilizações de todo este gigantesco manancial de informação. De outra forma, alerta o IHRB, assumir-se-á que as pessoas deram permissão às empresas, organizações e governos para usar os seus dados livremente, destruindo ainda mais o direito à privacidade.

© DR
© DR

Liberdade de expressão e a responsabilidade na era dos media sociais

A extensão das responsabilidades no que respeita aos direitos humanos inerentes às empresas de media tem vindo a ser interpretada de forma diferente dependendo do tipo de meio de comunicação em causa. Se, por um lado, as que estão “sedeadas” na internet se defendem com a afirmação de que estão apenas a distribuir material produzido por outros, já os jornais, as revistas e as emissoras de televisão são responsáveis pelos conteúdos que veiculam, sendo que a maioria dos países tem algum tipo de autoridade regulatória que visa assegurar a “honestidade” da informação produzida. Por seu turno, as empresas de social media vieram complicar ainda mais esta dinâmica, na medida em que, e na maioria das vezes, são as primeiras a noticiar qualquer que seja o acontecimento, tal como acontece no Facebook e no Twitter, por exemplo, criando normas próprias para as suas “comunidades”, mesmo que se escusem a arcar com a responsabilidade relativa ao que aparece nos seus sites.

Assim, alerta o IHRB, a disseminação de discursos de ódios que atingem, em particular, as mulheres e as minorias, tem de constituir uma área de preocupação particular para governos e organizações da sociedade civil e, obviamente, todo o sector empresarial.

E um tema que parece unir todas as empresas de media – tradicionais ou sociais – é o da publicidade. Para o think tank britânico é esperado que, em 2017, os variados grupos de defensores de causas exerçam uma enorme pressão com vista a influenciar as decisões dos media no que respeita à publicidade. Existem já alguns precedentes um pouco por todo o mundo, de que é exemplo um jornal local do Uganda, que através de um conteúdo homofóbico (que expos um conjunto de pessoas a violência e perseguição) viu serem cancelados alguns dos seus contratos publicitários ou o fim de contratos promocionais de empresas como a Lego em jornais com conteúdos anti-refugiados e migrantes, como aconteceu com o Daily Mail. Todavia, este tipo de pressão pode funcionar para ambos os lados, na medida em que as campanhas de defesa de causas públicas podem representar qualquer tipo de ideologia, mesmo as que são hostis aos direitos humanos. E, à medida que a política em todo o mundo se está a tornar cada vez mais controversa, é imperativo que as empresas de media se aconselhem regularmente com especialistas em direitos humanos e defensores da livre expressão para que ajam de acordo a respeitar as normas internacionais vigentes.

© DR
© DR

Os refugiados e a necessidade de estratégias corporativas para os integrar

Ao longo de todo o ano, o VER tem vindo a escrever sobre variadas temáticas que dizem respeito aos milhões de refugiados ou migrantes que procuram, em “terras alheias”, a segurança e a possibilidade de uma vida no mínimo digna. E, no que respeita ao direito ao trabalho, não só vital para reduzir a sua vulnerabilidade, aumentar a sua resiliência e assegurar a sua dignidade, escrevemos igualmente sobre o “argumento económico” que poderá ajudar as empresas a encararem estas vítimas das circunstâncias não como um fardo, mas como uma oportunidade para o desenvolvimento económico. O IHRB sublinha, contudo, que a maioria destas pessoas apenas consegue encontrar trabalho na economia informal, muito graças a disposições jurídicas e a constrangimentos de ordem variada que acabam por impedir o seu direito ao trabalho.

Adicionalmente, e pela primeira vez, 2016 foi o ano em que mulheres e raparigas perfizeram metade da população global de refugiados, sendo que nos locais onde lhes é permitido trabalhar, são estas migrantes que mais contribuem para as cadeias de valor globais, conseguindo enviar uma parte muito maior dos seus rendimentos, comparativamente aos homens, para os seus países de origem, mesmo ganhando menos do que eles, e sendo igualmente muito mais propensas a “aplicar” os seus rendimentos em educação, saúde e cuidados com a família, Contudo, o seu trabalho é, de forma quase generalizada, desvalorizado, mal remunerado e pouco qualificado, já para não falar das barreiras culturais que muitas têm de ultrapassar, mesmo no interior das suas comunidades.

Pior ainda são as condições de exploração a que muitas se vêem submetidas, com inúmeros inquéritos a demonstrarem que as redes de tráfico humano, e não só no que respeita a mulheres, estão-se a tornar crescentemente cruéis e activas, explorando e lucrando com a vulnerabilidade de migrantes e refugiados. Na medida em que não se espera, de todo, que em 2017 o fluxo de refugiados e migrantes vá diminuir, as empresas precisam de estabelecer estratégias claras para a sua contratação. E deverão concentrar-se em beneficiar, ao máximo, do talento e da experiência que estes possuem, e aplicar lições já consideradas como eficazes no que respeita a abordagens com vista à inclusão em termos de género, etnia, situações de incapacidade, bem como em esforços mais alargados, participando activamente em políticas já pensadas para os refugiados. As empresas deverão também prever – e evitar – casos de contratação ilegal e desenvolverem abordagens para a sua mitigação, incluindo trabalhar com fornecedores que assegurem salários e condições de trabalho dignas para todos.

© DR
© DR

Cadeias de fornecimento, transparência e evitar a escravidão moderna

A complexidade das cadeias de fornecimento constitui uma característica fundamental da economia global, interligando as economias em desenvolvimento com as desenvolvidas, as matérias-primas e os produtos finais, bem como os trabalhadores e os consumidores. A liberalização e as inovações tecnológicas permitiram que os processos de produção se dividissem em componentes cada vez mais pequenos, recorrendo-se ao outsourcing baixar, ao máximo, os custos de trabalho mais baixos ou beneficiar de regulamentações mais vantajosas. Assim, e nesta corrida para a redução de custos, muitas normas laborais e de segurança são “espremidas” até ao máximo. Nos países industrializados, e como já referido anteriormente, a tendência do trabalho” casual” está em franco crescimento, com os denominados contratos de curto prazo ou “zero horas”a tornarem-se cada vez mais uma prática “normal” em inúmeros sectores. Nos casos mais extremos, são vários os “empregadores” que cobram “taxas de corretagem” para os trabalhadores assegurarem o seu próprio trabalho, o que propicia a denominada “escravidão por dívidas” e vários tipos de trabalho forçado. De acordo com estimativas da OIT, cerca de 21 milhões de pessoas, metade das quais mulheres, são apanhadas nas malhas do trabalho forçado (tema que o VER abordou igualmente este ano), sendo que 90% deste é exercido exactamente ao longo das cadeias de fornecimento. Em 2015, os líderes do G7 comprometeram-se a “promover melhores condições de trabalho através do aumento da transparência, da identificação e prevenção de riscos e fortalecendo os mecanismos de queixas”. Assim, é crucial que estes compromissos sejam reforçados, e cumpridos na prática, o que deve ser levado a cabo na Cimeira do G20 em 2017 , este ano sob a presidência alemã.

Acordos comerciais e a defesa dos direitos humanos numa nova era

© DR
© DR

Para o IHRB, 2017 e os anos que se seguem deverão testemunhar uma transformação da forma como os acordos comerciais, económicos e de investimento serão negociados entre as nações. Estes acordos estabelecem, entre as empresas, as regras de concorrência, as normas fiscais e tributárias, as condições de contratação laboral, as normas ambientais, entre outras, não só no que respeita à actividade económica, mas também à forma como as pessoas serão por elas afectadas. E os mesmos serão firmados numa altura em que as políticas proteccionistas, o populismo e o nacionalismo se encontram em crescimento, o que propicia que as negociações em causa sejam motivadas mais por percepções de curto prazo que obedeçam aos auto-interesses nacionais e não orientadas de acordo com potenciais benefícios partilhados e de longo prazo. O que significa que a protecção para os trabalhadores e para as comunidades que sofrerão impactos vários devido aos efeitos deste tipo de acordos poderá estar em risco, os quais sofrerão ainda mais se estas mesmas protecções forem percepcionadas como barreiras à criação de novos postos de trabalho ou para revigorar as economias. Obviamente que os impactos terão efeitos diferentes nos diversos segmentos, para homens e mulheres, mas significando também que as desigualdades de género podem afectar os resultados das políticas comerciais e o crescimento económico.

Para aquele que se sentem “deixados para trás” devido às mudanças tecnológicas e ao livre comércio, a “ausência de voz” é cada vez mais uma realidade. A agenda dos direitos humanos não tem vindo a responder adequadamente à erosão dos direitos sociais e económicos para milhões de pessoas, as quais sentem-se “desiguais” e deixadas ao abandono pelas economias em mutação acelerada.

Para o IHRB, 2017 apresenta-se como um ano difícil para o movimento dos direitos humanos. E todos os seus defensores deverão repensar o seu envolvimento e cumprimento, reorientando-os de acordo com as realidades da actualidade, incluindo o que se está a passar na área das transacções comerciais. E a primeira premissa a ser repensada deverá ser a forma como os próprios direitos humanos são comunicados – ou seja, não se assumindo que basta citar as convenções internacionais para que os problemas desapareçam, mas ates assegurando que esta agenda seja persuasiva, compreensível e relacionada adequadamente com a vida de todos os dias.

Os líderes empresariais têm um papel crucial em assegurar que a globalização desenfreada não deite por terra os direitos já adquiridos, o mesmo acontecendo com os compromissos já firmados relacionados com as alterações climáticas. O trabalho que está a ser desenvolvido pela OIT sobre políticas fiscais de forma a assegurar uma protecção social garantida demonstra o que significa abordar, na prática, a questão da desigualdade, e os direitos económicos e sociais. E estão já a ser pensadas ferramentas que analisam os impactos em termos de género antes de os acordos comerciais entrarem em vigor. É, assim, imperativo que estes esforços sejam contínuos e abraçados por toda a comunidade de defesa dos direitos humanos.

Aproveitar este momento de disrupção através destas e de outras medidas, incluindo a partilha de informação e investimentos em larga escala na educação e na requalificação dos trabalhadores, poderá fazer a diferença tanto para os direitos humanos como para o próprio ambiente, em termos de comércio, nos próximos anos.

Se 2016 teve más notas em muitos dos imperativos anteriormente identificados, cabe às empresas esforçarem-se por apagar o mau comportamento que caracterizou o ano prestes a findar. Para o bem de todos e, essencialmente, para o seu próprio bem.

Editora Executiva