Em prol de uma maior qualidade de vida e de uma melhor performance empresarial, são várias as empresas e organismos que têm implementado a semana mais curta de trabalho. Pela nossa saúde, temos de trabalhar menos; pela saúde das empresas, temos de produzir mais. Mas a verdade é que encontrar a fórmula certa para estimular a produtividade continua a ser um verdadeiro “cabo dos trabalhos”
POR HELENA OLIVEIRA

Seja ou não workaholic, chefe ou subordinado, preguiçoso ou obstinado, decerto que dá as boas-vindas a uma semana mais curta de trabalho. Com um feriado à sexta-feira, a perspectiva de se trabalhar apenas quatro dias na semana funciona quase como uma espécie de elixir para o entusiasmo, com resultados visivelmente positivos na forma de encararmos as nossas tarefas, bem como níveis gerais de produtividade, em queda acelerada nos últimos anos.

Encontrar a fórmula mais adequada para estimular a vontade de trabalhar e, por consequência, atingir os resultados que estabelecemos para nós mesmos ou que nos são impostos, consiste e desde há muito tempo, numa busca de uma espécie de um “santo graal da produtividade”. Todos os anos somos confrontados com novos estudos, experiências e projectos-piloto que tentam identificar o número de horas por excelência que melhor se traduzam na “produtividade perfeita”. E são vários os países, com o exemplo recente da Suécia, e também empresas, sobre as quais escreveremos adiante, que estão a testar novos modelos laborais que tentam reproduzir e comprovar a ideia de que a menos horas de trabalho poderão corresponder maiores índices de produtividade.

[pull_quote_left]O conceito de trabalho “comprimido” tem vindo a ganhar peso e adeptos[/pull_quote_left]

Num altura em que todos somos médicos ou bombeiros, e que aceitamos, sem remédio, a ditadura dos smartphones, estar disponível 24 horas por dia é, na generalidade dos casos, apanágio dos “bons trabalhadores”, disponibilidade essa premiada (ou não) por muitos empregadores, mas com custos comprovados tanto para a nossa saúde, como para os bolsos das próprias empresas. Perdidas as contas de quantos estudos já se fizeram sobre os prejuízos do excesso de trabalho, e sobre a sociedade que o venera, centremo-nos apenas numa meta-análise (o que significa uma espécie de ‘estudo sobre estudos’) realizada pela Universidade de Stanford, com base em 228 pesquisas efectuadas sobre o tema, e que nos diz, entre várias outras coisas, que as exigências “anormais” no ambiente laboral aumentam as probabilidades de contrairmos certo tipo de doenças em 35% e, sem comentários possíveis, o risco de mortes “prematuras” em 20%.

Daí que as jornadas laborais mais curtas – e que variam entre um número inferior ao “normal” de horas diárias de trabalho ou de dias da semana devotadas ao mesmo – continuem a fazer parte da equação daqueles que as defendem, em prol de uma maior qualidade de vida e de uma melhor performance empresarial.

O VER tem acompanhado este tema e, numa semana em que se trabalha apenas quatro dias, foi à procura de exemplos de sucesso de empresas e organismos que têm implementado a semana mais curta de trabalho, e não só como uma tentativa de resposta aos desafios do presente mas, e em particular, como uma potencial urgência para o futuro próximo, no qual se teme o aumento o desemprego devido à automatização de muitas tarefas e à catástrofe, apontada por muitos, de que os robots irão roubar os postos de trabalho dos humanos.

Cinco dias de trabalho está “fora de moda”?

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A semana de trabalho de 5 dias, adoptada nos finais do século XIX e inícios do século XX, mais por questões religiosas e, mais tarde, porque o próprio desenvolvimento da industrialização permitiu que as fábricas e as máquinas no geral continuassem a operar sem a necessidade de terem, constante e continuamente, trabalhadores para garantir a produção está, para muitos, completamente desactualizada. E, num considerável número de empresas, o conceito de trabalho “comprimido” tem vindo a ganhar peso e adeptos, com os resultados, no geral, a mostrarem-se lucrativos, tanto para a satisfação dos trabalhadores, como das próprias empresas. De acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos pelo Families&Work Institute, em conjunto com a Society for Human Resources Management e com base num universo que incluiu 1051 organizações com mais de 50 empregados, entre empresas e ONGs – cerca de 43% dos empregadores inquiridos em 2014 que tinham optado pelos quatro dias de trabalho semanal estavam satisfeitos com a opção tomada, face a apenas 38% em 2008.

Mas e tendo em conta apenas este exemplo, entre muitos outros que se podem encontrar a comprovar a eficácia desta medida, por que motivo é que não nos atrevemos – nem nós, nem as entidades patronais – a experimentar esta fórmula aparentemente tão bem-sucedida?

[pull_quote_left]A semana de trabalho de 5 dias, adoptada nos finais do século XIX e inícios do século XX, está, para muitos, desactualizada[/pull_quote_left]

Para além das óbvias questões financeiras e mesmo que a tendência para a flexibilização dos horários esteja a aumentar, é ainda relativamente pequeno o número de empresas que já o dão como adquirido. Mas mesmo que esta fosse já uma prática comum, será que estaríamos preparados para a assumir? A verdade é que para muitos de nós, completamente vencidos pelo argumento que temos demasiadas coisas para fazer e responsabilidades inúmeras para cumprir, e queixando-nos de que o dia deveria ter 48 horas, trabalhar o mais arduamente possível é encarado não só como um dever, como também como algo que nos distingue dos demais, faltando apenas usar uma medalha ao pescoço que comprove o quão duramente suamos ao vestirmos a camisola.

Como escreve David Spencer, professor de Economia Política na Universidade de Leeds – e a propósito dos que defendem fins-de-semana de três (e até de quatro!) dias (como ele próprio), “para que consigamos atingir – e usufruir – de um fim-de-semana prolongado [enquanto prática normal], precisaríamos de reimaginar a sociedade mediante formas que subvertem completamente a ética do trabalho. Precisaríamos de abraçar a ideia de que trabalhar menos serviria como um meio de alcançar uma vida melhor”. O que, na verdade, e apesar de constituir um sonho para a maioria de nós, é difícil de imaginar e virtualmente impossível de materializar.

[pull_quote_left]Quanto menos tempo há para trabalhar, menos tempo existe para se perder tempo[/pull_quote_left]

Reza a história, e comprovada, que o economista John Maynard Keynes previa, nos anos de 1930 que, e o mais tardar um século depois, a humanidade teria resolvido de tal forma eficaz a maioria dos seus problemas, que bastariam 15 horas de trabalho semanais para todos. E, coincidindo com a Grande Depressão, foi exactamente nesta mesma década do século XX que, por força das circunstâncias e para diminuir a praga do desemprego, os fins-de-semana livres começaram a ser norma num conjunto significado de indústrias e serviços. Mas Keynes decerto não imaginaria que, mesmo com toda a parafernália tecnológica que, supostamente, serve para aumentar a produtividade e, idealmente, poderia ser usada para nos libertar para outro tipo de tarefas, a humanidade no século XXI se sentiria compelida – em muitos casos porque não tem outro remédio – e em outros tantos porque “é bem-visto” – a trabalhar um número absurdo de horas. E se existisse um decreto para que a profecia de Keynes se tornasse uma realidade, até 2030 teríamos que mudar muita coisa e depressa.

Há cerca de dois anos, o tema da semana de quatro dias fez correr muita tinta, em particular no Reino Unido. John Ashton, um dos mais reconhecidos médicos de terras de Sua Majestade, presidente, até 2016, do seu mais reputado organismo de saúde pública, a UK Faculty of Public Health, viria a público defender que a redução da semana de trabalho de cinco para quatro dias não só ajudaria a combater os elevados e preocupantes níveis de stress que estavam a acometer os britânicos, como contribuiria para uma melhor conciliação da vida pessoal/familiar e, ainda, reduziria o desemprego. Numa longa peça produzida sobre o tema e publicada no The Guardian, na qual o médico e professor sublinha a questão como uma “má-distribuição do trabalho”, pode ler-se: “Quando olhamos para a forma como vivemos as nossas vidas, para o stress sentido pelas pessoas, para pressão do tempo e tendo em conta o número de baixas médicas [relacionadas com o excesso de trabalho], a saúde mental é, claramente, um enorme problema”. E, acrescenta, “deveríamos estar a caminhar no sentido da semana de quatro dias de trabalho porque o problema que temos no mundo laboral consiste na proporção de pessoas que estão a trabalhar demasiado e na proporção dos que não têm trabalho algum”.

Num (entre milhares) outro artigo publicado na Europe Financial Review, é igualmente discutido o argumento de que trabalhar menos horas poderá conduzir a uma economia mais saudável e a condições futuras mais sustentáveis. Com exemplos de algumas economias avançadas que estão a levar a sério a “compressão da semana de trabalho”, os autores do artigo explicam igualmente como – e com base em que condições adequadas – mais tempo livre poderia diminuir o desemprego e ajudar ao desenvolvimento de uma Europa mais sustentável. Ou seja, apesar de nos parecer uma impossibilidade, uma afronta à ética do trabalho, um assalto aos lucros das empresas e uma situação que “connosco não daria resultado porque há imenso trabalho a fazer”, a verdade é que, pelo menos em alguns países, empresas e organismos, o impossível é cada vez mais uma (boa) realidade. Ou mais ou menos.

Vejamos alguns exemplos.

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Das pequenas às grandes, os resultados são encorajadores, mas…

Em 2008, a empresa de contabilidade e auditoria Ryan, sedeada no Canadá, decidiu implementar semanas de trabalho flexíveis, com resultados visíveis na sua taxa de turnover, que desceu de 30% para 11%, na quase duplicação das suas receitas e lucros, na avaliação dos seus clientes, que atingiu recordes jamais vistos e com inúmeros prémios ganhos em rankings que avaliam os níveis de satisfação no local de trabalho. Já este ano, esta empresa de serviços partilhados ficou em 2º lugar no reconhecido ranking “Best Place to Work”, maioritariamente pelas políticas que tem para atrair e reter profissionais mulheres. Todavia, esta “capacidade” em muito está relacionada com ambiente de trabalho inovador e flexível denominado myRyan, o qual avalia a performance laboral com base nos resultados atingidos, em oposição ao número de horas “trabalhadas”.

[pull_quote_left]O problema do mundo laboral consiste no número de pessoas que trabalham demasiado face aos que não têm trabalho algum[/pull_quote_left]

A BaseCamp, uma empresa de gestão de software amplamente citada em diversos artigos que defendem as semanas mais curtas de trabalho e que oferece outro tipo de “benesses” pouco usuais aos seus trabalhadores, como por exemplo um mês de licença sabática por cada três anos de trabalho, tem como visão, nomeadamente a do seu CEO, que “o trabalho não acontece no local de trabalho”, título, aliás, de uma famosa Ted Talk, a qual oferece uma perspectiva inovadora não só dos ambientes laborais, como da própria forma como cumprimos as nossas obrigações profissionais.

E, por exemplo, entre o mês de Maio e o de Outubro, e sendo uma empresa com um serviço ao cliente 24/7, a Basecamp dá a oportunidade de serem os seus empregados a organizar as equipas de trabalho, sendo que uns tiram a segunda-feira e outros a sexta-feira, cumprindo a jornada semanal de quatro dias ou aquilo que denominam como “horário de Verão”. A empresa é igualmente adepta do teletrabalho, assegurando, na verdade e como se pode ver no seu próprio website, que o livro Remote: Office Work Not Required (e da autoria do seu CEO) foi “literalmente escrito ‘pela empresa’”.

De acordo com o CEO Jason Fried, “quando se tem menos tempo, existe a tendência, positiva, de se ‘reduzir’ aquilo que realmente não interessa”, explica à revista Fast Company e numa espécie de similaridade ao que acontece com uma noite de sono: quanto mais interrupções, mais cansados nos sentimos, sendo que a qualidade do trabalho aumenta quanto menos “descontinuações” existam. Ou, como escreveu num editorial do New York Times, “quanto menos tempo há para trabalhar, menos tempo existe para se perder tempo”.

[pull_quote_left]Mais tempo livre poderia diminuir o desemprego e ajudar ao desenvolvimento de uma Europa mais sustentável[/pull_quote_left]

Entre os “grandes”, a consultora KPMG é também reconhecida como um bom exemplo de que as semanas mais curtas de trabalho funcionam e dão bons resultados, apesar de este sistema ter de ser acordado entre a empresa e o trabalhador, não sendo ainda uma “política adquirida”. Como afirma à CNN Barbara Wankoff, directora de “soluções no local de trabalho”, “reconhecemos que é uma situação win-win tanto para a empresa como para os trabalhadores”. E isto porque “os níveis de satisfação aumentam quando estes sentem ter controlo sobre o seu próprio tempo”, para além de ter efeitos igualmente positivos na sua moral, produtividade e retenção”. A responsável acrescenta ainda que “este é um método que nos permite atingir os nossos objectivos de negócio e sermos melhor sucedidos”.

Entre outros gigantes empresariais, existem também algumas experiências-piloto a decorrer no que respeita à redução do horário semanal de trabalho. A Amazon, muitas vezes apontada como um mau exemplo no que respeita ao excesso de horas que obriga os seus trabalhadores a cumprir, e talvez devido a essa mesma má fama, decidiu lançar um programa, apenas para empregados seleccionados e começando por uma equipa do seu departamento de Recursos Humanos, à qual permite trabalhar apenas 30 horas por semana, com os mesmos benefícios gerais dos demais, mas com um corte de 25% no salário.

Se, à primeira vista, este modelo parece contrariar os que optam por menos horas de trabalho mas com salário igual, a verdade é que pode corresponder a uma das respostas defendidas pelo já citado médico britânico John Ashton, que encara esta redução horária como uma das oportunidades para reduzir o desemprego.

[pull_quote_left]Para atingir – e usufruir – de um fim-de-semana prolongado [enquanto prática normal], precisaríamos de reimaginar a sociedade mediante formas que subvertem completamente a ética do trabalho[/pull_quote_left]

De acordo com Joe Rubin, especialista em Recursos Humanos e co-fundador da empresa de recrutamento Crowded.com, “com um horário semanal de 30 horas, para as ‘mães-recentes’ e outro tipo de pessoas que são obrigadas a cumprir obrigações de natureza variada fora do contexto laboral, é possível manter um horário estável sem terem necessidade de tirar uma baixa ou de deixarem o seu posto de trabalho a horas ‘inconvenientes’”, afirmou à BusinessInsider. A ideia da Amazon é também permitir que seja o trabalhador a escolher o horário que melhor lhe convém, ou seja, para além de ter de cumprir um horário “fixo” das dez da manhã às duas da tarde, de segunda a quinta-feira, as horas em falta serão cumpridas de acordo com a sua disponibilidade.

Todavia, e como não há bela sem senão, Allard Dembe, Professor de Saúde Pública na Ohio State University, e que estuda os benefícios das jornadas laborais mais curtas há mais de 30 anos e confessando que sempre lhe pareceu uma boa ideia, afirma, num artigo de opinião publicado no The Conversation, que começa a ter dúvidas.

[pull_quote_left]A matemática é simples: trabalhar oito horas por dia numa semana de cinco dias é o equivalente a fazer jornadas diárias de 10 horas em quatro dias da semana[/pull_quote_left]

Citando uma experiência também bastante conhecida quando se fala nesta temática, o professor recorda primeiro que os especialistas laborais têm vindo a estudar e a defender estas abordagens desde os anos 70 do século passado e conta que, em 2008, investigadores da Brigham Young University publicaram um estudo, resultado de vários inquéritos realizados em algumas cidades do estado de Utah, onde a semana de trabalho apenas com quatro dias já tinha sido implementada e com 80% dos respondentes a reportarem uma experiência muito positiva. Com base nestes resultados, o então governador do Utah resolveu tornar vinculativa a semana de quatro dias para todos os funcionários públicos do estado, com o objectivo de não só de os atrair e reter, como também para diminuir os custos de energia e melhorar a qualidade do ar. Em 2011, todavia, a medida foi revogada por não se terem cumprido os objectivos, pelo menos os que estavam relacionados com a redução de custos do estado em causa.

Tendo em conta os vários benefícios comummente apontados para a redução das horas trabalhadas, seja ao nível da saúde, da produtividade ou da satisfação geral dos trabalhadores, são também vários os argumentos que os contradizem, apesar de os modelos serem variados e não se poder, e obviamente, generalizar. Por exemplo, e como refere Allard Dembe, nos tipos de funções em que o trabalho está “planeado” para ser feito em X horas, “comprimir” a semana não traz benefícios alguns, antes pelo contrário. Como escreve o professor, a matemática é simples: trabalhar oito horas por dia numa semana de cinco dias é o equivalente a fazer jornadas diárias de 10 horas em quatro dias da semana, sendo que as implicações para estes horários são naturalmente diferentes. Se, por um lado, um dos motivos apontados para a redução das jornadas diárias está relacionado com o que se escreveu inicialmente neste artigo – provada que está a relação de excesso de horas laborais com mais stress e problemas acrescidos de saúde – o perigo mantém-se – ou aumenta – se, para se ganhar um dia, se tem de trabalhar mais horas seguidas nos restantes. Para além de que existem muitos outros estudos que defendem – os quais estão, por acaso, incluídos como exemplo de que seria mais produtivo trabalhar menos horas – que o nosso cérebro só se consegue concentrar, no máximo, ao longo de quatro horas (e com intervalos a cada 90 minutos).

Ou, em suma, como em qualquer situação, o difícil continua a ser encontrar um ponto de equilíbrio e uma relação causa-efeito “eficaz” que comprove um ou outro argumento. E, na verdade, a resposta poderá depender de cada um de nós. Ou dos nossos superiores hierárquicos.

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Quando o tempo é o recurso mais escasso da empresa

Tendo como mote um dos mais populares artigos de sempre da Harvard Business Review e intitulado “Your Scarcest Resource”, Michael Mankins e Eric Garton, especialistas em design organizacional e eficácia na Bain & Company, acabaram de lançar um novo livro – Time, Talent, Energy: Overcome Organizational Drag and Unleash Your Team’s Productive Power – no qual apresentam um novo corpo de pesquisa sobre como é possível libertar o tempo, o talento e a energia dos trabalhadores de forma a aumentar com eficácia o poder produtivo da organização.

[pull_quote_left]Quando os trabalhadores não são tão produtivos quanto poderiam ser, é geralmente a organização que deve carregar o ónus da culpa[/pull_quote_left]

Apesar de o título do livro se parecer com tantos outros que prometem exactamente o mesmo – e que acabam sempre por se tornar best-sellers, mesmo que não resolvam os habituais problemas da produtividade – a “vantagem” do livro dos autores, os quais escrevem também e habitualmente para a revista de Harvard sobre esta e outras temáticas conexas, reside na identificação de causas específicas do “arrastamento” organizacional – ou seja, o conjunto de factores institucionais que, invariavelmente, acabam por “atrasar” o trabalho e contribuir para o declínio da produtividade. E nem sequer precisaram de inventar a pólvora.

Num artigo de introdução ao livro, publicado esta semana pela própria Harvard Business Review e cujo título é imediatamente apelativo, “comprovando” a ideia de que o burnout – com custos estimados para as empresas norte-americanas que variam entre os 125 mil milhões e o 190 mil milhões de dólares em despesas de saúde – não é problema dos trabalhadores, mas sim das próprias organizações, os dois analistas vão ainda mais longe e a estes custos exorbitantes, juntam ainda outro tantos não contabilizados, mas que poderão ser ainda mais catastróficos para os bolsos organizacionais. Como escrevem, “o verdadeiro custo para o negócio pode ser ainda mais elevado, graças à baixa produtividade que caracteriza as empresas, ao elevado turnover e à perda do talento mais ‘capaz’”. E, sem meias palavras, culpam directamente os executivos de topo pela criação de um ambiente de trabalho repleto de stress, e que inclui itens tão diversos como cargas de trabalho exageradas, insegurança laboral, rotinas de trabalho frustrantes – como as inúmeras reuniões que para pouco ou nada servem – o que elimina, também e de forma muito preocupante, o tempo necessário para o trabalho criativo (outro tema que tem dado origem a uma fértil literatura). E, mais uma vez, escrevem sem pudor: “no nosso livro Time, Talent and Energy, salientamos que quando os trabalhadores não são tão produtivos quanto poderiam ser, é geralmente a organização, e não os empregados, que deve carregar o ónus da culpa”. E acrescentam que se passa exactamente o mesmo com as empresas que têm elevadas taxas de burnout, tendo sido identificados, no interior destas últimas, três réus por excelência: a colaboração excessiva, a inexistência de um ambiente que “discipline”, de forma adequada, a gestão do tempo e a tendência para sobrecarregar os mais “capazes” com trabalho em demasia.

Sem nos quereremos substituir ao livro, ou ao próprio artigo que recomendamos vivamente a leitura integral, umas pequenas notas apenas sobre estes três grandes “culpados” com os quais é, suspeitamos, muito fácil nos identificarmos.

[pull_quote_left]Em média, são necessários 15 minutos para se “regressar” a um projecto importante depois de uma interrupção por email[/pull_quote_left]

As empresas que incentivam a cultura da “colaboração excessiva”. São aquelas em que todos são chamados a tomar decisões e a dar palpites, e que se caracterizam por reuniões intermináveis, conference calls, hordas de emails – que vão para lá e para cá, com diversos destinatários e múltiplos replies e re-re-replies – e com a pesquisa dos autores a apontar para a recepção diária de pelo menos 200 emails por cada executivo sénior e para o facto de os supervisores/gestores devotarem, em média, oito horas por semana – ou um dia “normal” de trabalho – para enviar, ler e responder a toda essa comunicação electrónica, a qual e antes de mais, em muitos casos, nem sequer lhes devia ter sido dirigida. Soa-lhe familiar?

O fenómeno do tão falado e bem apregoado “multitasking” que, graças à parafernália de ferramentas digitais, deveria tornar a nossa vida mais fácil, mas que acaba por se transformar num pesadelo em diferentes “elm streets”: não só a pesquisa dos analistas da Bain, como um corpo cada vez mais extenso de investigação já comprovou que o multitasking é completamente extenuante e contraprodutivo na medida em que somos obrigados constantemente a mudar de tarefa para tarefa, perdendo tempo, concentração e contexto nesta contínua “troca de chips”. Os autores afirmam que estes custos estão bem documentados e que mudar para uma nova tarefa enquanto se está no meio de uma outra aumenta, em 25%, o tempo necessário para terminar cada uma delas, citando igualmente um estudo da Microsoft que conclui que, em média, são necessários 15 minutos para se “regressar” a um projecto importante depois de uma interrupção por email. A sério que nunca tínhamos pensado em tal?

[pull_quote_left]Em organizações em que a contratação não acompanha o crescimento, acabam por ser os mais “cumpridores” e talentosos as maiores vítimas do excesso de trabalho[/pull_quote_left]

Sobrecarregar os mais capazes. Habituados que ficámos desde os tempos da crise (seja lá de qual se esteja a falar) à multiplicação de projectos e tarefas e à diminuição do número de pessoas para os realizar – ou, como afirmam os autores, organizações em que a contratação não acompanha o crescimento – acabam por ser os mais “cumpridores” e talentosos, ou os que mais responsabilidades têm, a sentirem-se na obrigação de fazerem o trabalho que, supostamente, deveria ser feito por seres “invisíveis”. Mankins e Garton chamam a atenção para o facto de muitas empresas sobrestimarem o que pode ser alcançado através das denominadas ferramentas de produtividade digital esquecendo-se – ou fingindo esquecerem-se – de verificar se os seus pressupostos estão correctos. Os dois analistas da Bain afirmam que o problema de cargas de trabalho excessivas é agravado nas empresas porque as suas melhores pessoas são aquelas cujo conhecimento é o mais procurado e que, na maioria das vezes, acabam por ser as principais vítimas de volumes de trabalho muito além do que seria desejável. Já o sentiu na pele?

Em suma, e porque a escrita já vai longa, e numa semana em que fomos “obrigados” a comprimir a nossa carga de trabalho para ser feita em apenas quatro dias, as questões mantêm-se. Pela nossa saúde, temos de trabalhar menos; pela saúde das empresas, temos de produzir mais. A fórmula? Pois, parece não existir, mas vale a pena continuar a pensar nela. Pela saúde de todos.

Editora Executiva