O que têm em comum centenas de investidores da Europa, mas também dos EUA, Ásia e América Latina? São investidores sociais, essa “espécie rara” que acredita que o seu investimento deve traduzir-se no maior impacto social possível, nem que por isso não haja retorno financeiro ou que haja só passados 15 ou 20 anos
POR CLÁUDIA PEDRA, em Turim e Bruxelas

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Cláudia Pedra
Managing Partner
Stone Soup Consulting
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Na expressão inglesa são conhecidos como os “impact first investors”, ou seja, os que privilegiam o impacto social sobre os resultados financeiros. Mas não se pense que estes investidores investem em qualquer projecto/negócio ou organização apenas pelo mérito da sua acção. Como qualquer investidor que se preze também estes têm de analisar os riscos do seu investimento. Estes investidores pretendem saber exactamente que impacto social o projecto/ negócio vai ter e como vai ser rentabilizado o seu investimento para produzir maior impacto. Interessa-lhes também assegurar que esse projecto/ negócio tem sustentabilidade de longo prazo e que a retirada do investidor não vai deixar o projecto/ negócio incapaz de progredir. Quanto maior o potencial impacto social, maior o interesse do investidor.

No mundo do impacto social há muitas correntes – aqueles que estão convencidos que a filantropia muda o mundo uma pessoa de cada vez, aqueles que acham que qualquer projecto/ negócio precisa de um apoio financeiro inicial sem contrapartidas, e aqueles que acham que só o investimento social promove a responsabilização, a capitação e o reforço do impacto social do projecto/ negócio. Mas seja qual for a sua opção, todos estes investidores sabem que a sustentabilidade de um projecto/ negócio, assegura-se com a capacitação da organização ou da pessoa que o dirige. Muitos desses investidores descobriram-no da pior maneira…

Numa conferência recente da European Venture Philanthropy Association (EVPA) em que estive presente (Turim, Novembro de 2011), foi quase mais interessante ouvir os casos de insucesso do que as histórias inspiradoras. E isto não é um feito fácil. Mas os insucessos mostram que não basta uma boa ideia, uma pessoa empenhada e um espírito empreendedor. É preciso mais do que isso para que um negócio social possa vingar. Embora inegavelmente tenhamos de afirmar que todas essas características têm de estar presentes para que um projecto/ negócio seja um sucesso, sem uma boa capacidade de gestão, um plano e um modelo de negócios sólido, os projectos/ negócios acabam por falhar, afundando consigo os milhões investidos e a linda ideia que lhes deu origem.

A tendência parece por isso ser a de investir cada vez mais em negócios sociais. Muitos desses negócios são liderados por empreendedores sociais, mas outros nem por isso. Os empreendedores estão, contudo, por perto, não fossem eles os “irrazoáveis”, aqueles que batalham pela implementação de uma ideia transformadora, por mais impossível que pareça de realizar. Resta saber se um empreendedor social dará um bom gestor e aí a resposta parece ser – nem sempre! Por isso mesmo, cabe a esse empreendedor saber quando deve passar ao outro a sua espantosa ideia ou ter a coragem de definir percursos alternativos, uma vez que os negócios sociais não são para todos.  Mas que os “irrazoáveis” sempre nos rodeiem, porque ninguém fica indiferente a um empreendedor social.

No dia seguinte à conferência do EVPA, rumei a Bruxelas para conhecer o “Social Business Initiative”. Numa sala cheia de personalidades de alto gabarito, em que se incluía Mohammad Yunus, o palco foi de Caroline Casey, uma empreendedora social fellow da Ashoka. Legalmente cega, com menos de 10% de visão, contou-nos o choque quando descobriu que tinha uma deficiência, algo que desconheceu até aos 17 anos. Associava a deficiência à incapacidade e não queria ser vista como uma pessoa digna de pena. Descobriu que 78% dos deficientes do mundo, em idade activa, estão desempregados e hoje luta para vencer essas barreiras. Com um sentido de humor exemplar, brindou-nos a todos com uma história cativante, mas com uma recomendação final “não se apaixonem pelos empreendedores sociais e depois tentem mudá-los”.  Ela pedia para que os deixassem continuar a ser inovadores.

Na conferência de Bruxelas, organizada pela Comissão Europeia, não só se urgia o investimento nos negócios sociais pelos benefícios que trazem em termos sociais, mas também pelo motor que podem ser para a revitalização da economia. Afinal os negócios sociais geram uma win-win situation em que simultaneamente se estimula a economia com a criação de novos empregos, como se dá respostas a problema sociais que as crises exacerbam, e ainda se estimula a inovação social. Por isso se considera a criação de um fundo com quase 100 milhões de euros para investimento nos ditos negócios sociais.

Claramente, o futuro dos empreendedores sociais e das Organizações do Terceiro Sector parece passar por um maior trabalho em projectos/ negócios que não só assegurem a sua sustentabilidade, mas também sejam atractivos para os que desejam investir socialmente. Para isso, há que promover a sua capacitação em gestão, trabalhando com eles modelos de negócios sociais que não desvirtuem a sua ideia ou castrem a sua inovação.

Talvez as Carolines Caseys deste mundo comecem a falar também a linguagem das centenas de investidores sociais que ainda têm muitos milhões para investir em projectos com impacto, mesmo durante uma crise tão gravosa. Estou certa de que qualquer empreendedor social teria muitas e boas ideias onde aplicá-los.

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