Nos últimos dez anos, ideias retrógradas de consultores engravatados, com intervenções relâmpago, que escondem conhecimento e não capacitam organizações, evoluíram para concepções de consultores como facilitadores de processo, que co-constroem os planos, estratégias, etc. em conjunto com as organizações e empreendedores. Para a Stone Soup foi uma aceitação progressiva de uma metodologia que empregámos desde o início
POR CLÁUDIA PEDRA

A Stone Soup Consulting faz dez anos. Este bonito e redondo número é um pretexto para pensar sobre uma década de trabalho no sector da economia social, em Portugal e pelo mundo. E que década foi…

A empresa foi criada em Setembro de 2008. Lançar uma empresa de consultoria nesta altura parecia um risco desmedido. Os profetas da desgraça auguraram-nos uma falência a breve trecho. O mundo tinha acabado de receber a notícia de que estava em crise financeira profunda. Falava-se de bolhas imobiliárias, bancos de investimento e outras palavras que poucos conheciam. O cenário era tudo menos inspirador.

Mas ser uma consultora com missão social iria trazer muito mais desafios do que a crise financeira. Em Portugal não havia (e ainda não há) a forma jurídica “empresa social”. Para a Stone Soup (com sede em Portugal), a missão de maximizar o impacto das organizações e iniciativas sociais era o fulcro da nossa teoria da mudança, pelo que procurámos uma forma que o mostrasse claramente. Impedidos de nos registar como empresa social, optámos por uma sociedade por quotas e decidimos gerir a empresa como se o fosse, reinvestindo lucros e focalizando a estratégia da empresa no impacto que queríamos gerar.

Foi interessante notar que o conceito de “empresa social” foi uma discussão recorrente nesta última década. Por todo o mundo discutia-se a vantagem de formalizar este tipo de empresa. Na Europa, o assunto tornou-se premente, depois de a Comissão Europeia ter aprovado o “Social Business Initiative” em 2012, trazendo um pacote de 600 milhões de euros para investir em empresas sociais. Em 2013, na revisão da Lei de Bases da Economia Social em Portugal, empreendedores sociais aguardavam expectantes se os legisladores aprovariam esta figura. Mas infelizmente para o sector não foi o caso, e Portugal e os seus negócios sociais ficaram excluídos deste financiamento. Para a Stone Soup significou continuar com a figura actual, remetendo para o futuro mudanças de forma jurídica.

[quote_center]Em Portugal ainda não há a forma jurídica “empresa social”[/quote_center]

200 projectos e 18 países mais tarde, a economia social mudou muito nestes dez anos. As mudanças iniciadas muitas vezes no norte e centro da Europa chegaram ao sul da Europa. Em Portugal essa mudança foi especialmente visível. De um passado longínquo em que a ideia de contratar um consultor horrorizava as organizações, até programas como o Capacitação para o Investimento Social (do programa Portugal Inovação Social, cujas primeiras aprovações surgiram em 2018), que financia programas de capacitação de organizações sociais com recurso a consultores. A consultoria, e a percepção sobre ela, mudou muito nesta década.

Ideias retrógradas de consultores engravatados, com intervenções relâmpago, que escondem conhecimento e não capacitam organizações, evoluíram para concepções de consultores como facilitadores de processo, que co-constroem os processos e produtos (planos, estratégias, etc.) em conjunto com as organizações e empreendedores. Para a Stone Soup foi uma aceitação progressiva de uma metodologia que empregámos desde o início, já que um consultor Oráculo de Delfos, que esconde numa caixa o seu conhecimento, jamais conseguirá ajudar as organizações a serem mais eficazes e eficientes, e logo a ter mais impacto positivo.

As tendências internacionais mostram-nos ainda que a ideia de que só as organizações da economia social trabalham para o bem-estar social está também ultrapassada. Organizações híbridas (como as empresas sociais), pessoas individuais (como os empreendedores e investidores sociais) ou até empresas privadas mais tradicionais podem estar preocupadas e dispostas a investir os seus recursos na transformação societal. Isso é patente nas mais de 2400 empresas B Corp que, tal como a Stone Soup, receberam a certificação que o comprova.

[quote_center]Já não se fala apenas de avaliação de impacto, mas de gestão de impacto[/quote_center]

Outra grande transformação foi na questão da avaliação. De organizações e empreendedores que pouco avaliavam, para a avaliação de resultados, para a avaliação de impacto. Embora já há duas décadas as questões de avaliação de impacto sejam debatidas pormenorizadamente na Europa, e tenham surgido muitos manuais e processos ligados à avaliação, os últimos cinco anos foram especialmente profícuos, havendo um empurrão grande dos financiadores que agora exigem avaliações de impacto. O processo foi algo doloroso, com metodologias “estrela”, processos pré-formatados, pouca capacitação e muita exigência. Mas de uma maneira firme, vê-se progressos nesta área.

Organizações e empreendedores percebem claramente as vantagens de construir uma cadeia de valor e de medir os impactos que estão a atingir. Percebem também que a avaliação é muito mais do que a criação de um relatório – é um processo que nos permite tomar decisões estratégicas, melhorar metodologias e abordagens e criar projectos que verdadeiramente geram impacto positivo. Projectos que não são idealizados por um gestor de projecto ou uma equipa directiva, mas que envolvem todos os stakeholders, em especial os beneficiários da acção, na construção de soluções. Por isso já não se fala apenas de avaliação de impacto, mas de gestão de impacto. Questão de tal maneira relevante para a Stone Soup, que fará uma conferência/formação sobre o tema a 27 e 28 de Setembro, em Barcelona.

[quote_center]Há cada vez mais negócios sociais portugueses financiados em consórcio internacional[/quote_center]

A década viu também o desenvolvimento do investimento social. Cada vez mais, por todo o mundo, existem investidores que procuram projectos (e negócios sociais) que estão a transformar o mundo – sejam eles jornais que promovem a liberdade de expressão ou hotéis que empregam pessoas com deficiência. Esses projectos e negócios têm em comum uma determinação para mudar preconceitos e estereótipos, demonstrar que a diversidade não é sinónimo de incapacidade e que problemas sociais complexos podem ser mitigados com inovação social.

São projectos e negócios de grande impacto social. Muitas fundações abandonam os seus programas tradicionais de filantropia, embarcando na aventura da filantropia estratégica, criando programas mistos, uns de donativos e outros de investimento social. Em Portugal assistimos a cada vez mais programas promotores do investimento social e vemos negócios sociais portugueses financiados por múltiplas entidades, em consórcio internacional.

[quote_center]Há refugiados da Síria sim, mas também há negócios sociais que empregam refugiados[/quote_center]

As mudanças da última década são tantas que é quase fácil esquecer a atmosfera carregada e catastrofista que se vivia no fim de 2008. Verificamos que muitas das previsões não se concretizaram. Sim, é verdade que o mundo mudou drasticamente em várias áreas; há mais violência e conflitos armados, aumentaram as crises migratórias, há alterações climáticas galopantes (só para citar alguns exemplos…). Mas não só a Stone Soup não desapareceu, como apareceram mais consultoras com foco social.

As organizações não ficaram paralisadas com medo da crise e das mudanças, mas inovaram e desenvolveram novas soluções. Os empreendedores sociais não aceitaram um “não” e não temeram aqueles que diziam que já tudo tinha sido inventado, e criaram negócios e projectos que estão a ser replicados em todo o mundo como boas práticas. Há refugiados da Síria sim, mas também há negócios sociais que empregam refugiados. As novas soluções marcam a década, ainda que algumas tenham surgido em resposta a desafios terríveis.

Para uma consultora, com foco social, a década seguinte traz ainda mais expectativa. Como será o mundo daqui a dez anos? Estaremos cá para ver e participar na mudança.

Managing Partner da Stone Soup Consulting e Directora da Associação de Estudos Estratégicos e Internacionais (NSIS - Network of Strategic and International Studies)