O título é “roubado” às declarações de Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Económico Mundial e a propósito da publicação de mais um Índice de Competitividade Global. O top 10 mantém os (bons) suspeitos do costume, Portugal sobe quatro posições na escada competitiva, mas existem vários sinais de alerta que estão a impedir o crescimento sustentado, o aumento da produtividade e a “esticar” o fosso da desigualdade. O VER analisa as principais tendências divulgadas neste relatório
POR HELENA OLIVEIRA

Uma década depois do deflagrar da crise que iria colocar a economia mundial de pernas para o ar, o sector financeiro permanece vulnerável, as economias não estão livres de um choque a breve trecho e os países deviam estar melhor preparadas para a próxima vaga de inovação e automação. Estas são as três principais tendências identificadas em mais um Índice de Competitividade Global 2017-2018 (GCI, na sigla em inglês), divulgado pelo Fórum Económico Mundial (FEM) a semana passada. Em Lisboa e como habitualmente, a apresentação dos principais dados para Portugal – que subiu quatro posições face a 2016 e se encontra agora em 42º lugar em 137 economias – esteve a cargo do Fórum de Administradores e Gestores de Empresas (FAE) e da PROFORUM – Associação para o Desenvolvimento da Engenharia – entidades responsáveis pelo Inquérito de Opinião dos Empresários – no decorrer de uma sessão pública que teve lugar na AESE Business School na passada quarta-feira, 27 de Setembro (v. Caixa).

No geral, a edição de este ano sublinha a abertura em declínio na economia global como um dos principais factores que estão, actualmente, a prejudicar a competitividade e a dificultar a vida aos líderes no que respeito ao estimular de um ambiente de crescimento inclusivo e sustentável. O principal alerta do FEM vai no sentido de sublinhar que as práticas de negócios “actualizadas”, em conjunto com fortes investimentos na inovação, são agora tão importantes, em termos de competitividade global como as infra-estruturas, as competências e os mercados eficientes.

Como comenta o fundador e responsável do FEM, Klaus Schwab, “a competitividade global será cada vez mais definida pela capacidade de inovação de um país. Os talentos serão crescentemente mais importantes do que o capital, o que implica que o mundo se está a mover da era do capitalismo para a era do ‘talentismo’. Os países que melhor se estão a preparar para a Quarta Revolução Industrial são aqueles que, em simultâneo, estão a fortalecer os seus sistemas sociais, económicos e políticos, e serão os mesmos que sairão vencedores na corrida da competitividade futura”. E que países são esses? Na verdade, os mesmos que, na última década, integram o top 10 da competitividade, mesmo com algumas “trocas” de posição. Vejamos.

Pelo 9º ano consecutivo, a Suíça e no Índice de Competitividade 2017-2018, assume-se como a economia mais competitiva do mundo, seguida pelos Estados Unidos (que subiu uma posição face ao ano anterior) e por Singapura (que desceu uma). A Holanda, na quarta posição, é seguida pela Alemanha – ambos os países mantiveram os seus lugares – com a Suécia a descer uma posição (7ª), seguida pelo Reino Unido, que desceu também um lugar e com Finlândia a fechar o top 10. Singapura perdeu também uma posição, sendo agora a terceira economia mais competitiva do mundo e Hong Kong sobe três, do 9º lugar alcançado no ano transacto para o 6º, este ano. A China é o país com melhor comportamento de todos os BRICs, subindo um lugar – está agora em 27º – e Israel é um dos grandes “vencedores” do ano – integrando o top 20, subindo oito lugares e estando agora na 16ª posição.

Na Europa, o FEM destaca o ambiente “praticamente inalterado” e caracterizado pela habitual divisão entre o sul e as demais regiões do Velho Continente, alertando para o posicionamento de Espanha – que desceu dois lugares e ocupa agora a 34ª posição -, a Itália, que subiu uma e está agora logo atrás do nosso país e a Grécia, que teve mais uma queda, ocupando mais um preocupante 87º lugar. A boa excepção à regra, segundo o FEM, é mesmo Portugal.

Vejamos, de seguida, as principais conclusões do FEM face à saúde, ainda debilitada, da economia global e da sua fraca capacidade para oferecer um crescimento económico sustentado, em conjunto com um bem-estar digno da população mundial.

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Sector financeiro mantém debilidades 10 anos depois

Como demonstrado pelo prolongado abrandamento nas economias avançadas desde a crise de 2007 e na medida em que a estabilidade financeira é crucial para o desenvolvimento económico, ainda não é este ano que a produtividade e o crescimento sustentados farão parte do léxico da competitividade. Há uma década, o mau comportamento das instituições financeiras iria provocar um cataclismo primeiro nas economias desenvolvidas, contagiando de seguida as demais, com o crédito abruptamente limitado, o que teve efeitos, como se sabe, nos investimentos, no apetite pelo risco, na produtividade, na inovação e, obviamente, no crescimento económico. Todavia, e hoje, apesar de alguns progressos terem sido alcançados em termos da resistência do sector, mantêm-se algumas inquietações.

Em primeiro lugar, de acordo com o FEM, e apesar das acções que foram tomadas no rescaldo da crise – reestruturação e regulamentação ou políticas macro prudenciais para aumentar as necessidades de capital e limpar os balanços financeiros – , o facto do sector bancário não ter ainda recuperado plenamente. Em segundo, porque existem novas fontes de risco potencial que são provenientes das economias emergentes, com endividamentos crescentes e o aumento de mercados de capital não regulados, sem esquecer que os governos têm agora um significativo menor espaço de manobra do que tinham há 10 anos para lidar com uma outra crise. Em terceiro, segmentos crescentes do sistema financeiro que continuam a não estar sujeitos a regulação, o que gera risco acrescido de maiores vulnerabilidades. E, por último, o facto de a margem de intervenção por parte do sector público ter igualmente diminuído.

Nos Estados Unidos, ou no berço da crise, assiste-se a uma nova onda de desregulamentação, com o governo a considerar reduzir as medidas da Lei Dodd-Frank promulgada por Barack Obama (que visava garantir a segurança financeira para milhões de pessoas) e que, a ser “desfeita”, irá decerto encorajar novamente o tipo de concessões de empréstimos arriscados, o que poderá ajudar ao deflagrar de novas crises económico-financeiras. Na Europa, os bancos continuam a braços com as consequências do que aconteceu há 10 anos, com riscos elevados de incumprimento nos empréstimos em muitos países. As economias asiáticas, apesar de uma menor exposição à crise financeira global, estão também a enfrentar novos problemas, o mesmo acontecendo com o continente africano.

Ou, em suma, se a estabilidade financeira é crucial não só para a produtividade, mas também para estimular o investimento em inovação, e com as progressivas exigências da penetração e implementação de novas tecnologias na 4ª Revolução Industrial, este permanente periclitar do sector financeiro não ajuda(rá), de todo, a uma maior competitividade global.

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Maior capacidade para inovar, maior dificuldade em disseminar os benefícios tecnológicos

Ao longo da última década, a natureza da inovação sofreu uma alteração significativa: em vez de ser estimulada por indivíduos a trabalhar em fronteiras bem definidas, empresariais ou em laboratórios académicos, as suas sementes actuais florescem, cada vez mais, a partir da “inteligência distribuída da multidão global”, como afirmam Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, no seu mais recente livro “Machine, Platform, Crowd: Harnessing Our Digital Future”. Esta é uma de três grandes tendências identificadas pelos especialistas em tecnologia do MIT, a par da mudança do “produto para a plataforma” e do “cérebro para a máquina”.

Mas a verdade é que o impacto económico da actual onda de inovação continua a não ser fácil de identificar, gerando, ao invés, um grande paradoxo, que está igualmente relacionado com a estagnação da produtividade global. A pergunta que muitos economistas fazem é pertinente: com todas as novas tecnologias existentes, por que motivo a produtividade não aumenta e, consequentemente, por que não está a gerar maior competitividade?

De acordo com o FEM – e não só – existem duas razões plausíveis para que tal esteja a acontecer. Uma prende-se com o facto de os sistemas levarem um tempo considerável a se adaptarem a uma nova ordem para retirar os maiores dividendos e vantagens dos progressos e avanços tecnológicos – com a analogia feita com as décadas que foram necessárias para se aumentar a produtividade por causa da electrificação e das inovações complementares que a acompanharam como a reorganização das linhas de produção; e a outra poderá ser porque os benefícios dos serviços digitais – incluindo a capacidade de se utilizar os motores de busca, o email, os mapas digitais e os media sociais, não terem um preço de mercado e, por isso, não contarem para o PIB ou se reflectirem em estimativas de produtividade, memo que existam avaliações alternativas que confirmam que as mesmas estão a adicionar valor real aos indivíduos.

Um dos requisitos básicos para que as inovações se traduzam em benefícios sociais e económicos abrangentes consiste, obviamente, na capacidade que os países e os seus cidadãos têm para as adoptar. Neste pilar, o GCI utiliza um conjunto de indicadores para analisar esta capacidade – tão díspares quanto o número de pessoas que utilizam a Internet, o investimento directo estrangeiro (IDE), a absorção do nível tecnológico por parte das empresas, entre vários outros – os quais demonstram que apesar da aptidão tecnológica ser uma tendência crescente a nível global, existem várias regiões – em particular nos maiores mercados emergentes – que estão a deixar segmentos populacionais significativos sem acesso a estes mesmos benefícios, o que gera mais um foco de desigualdade a juntar aos já existentes.

Como sublinha ainda o FEM, o nível de “agilidade tecnológica” dos indivíduos e empresas na China, na Índia ou na Indonésia permanece relativamente baixo, o que sugere que os benefícios destas actividades inovadoras não são partilhados de forma abrangente. Nesta matéria e por exemplo, Portugal ocupa uma honrosa 26ª posição – a segunda melhor entre todos os indicadores analisados – o que contribuiu, também, para a ascensão de quatro lugares no índice global (a saúde e a educação primárias, em conjunto com as infra-estruturas são os pilares onde o nosso país melhor posicionamento atinge – 18º).Adicionalmente, os ganhos societais originários dos progressos tecnológicos também não acontecem de forma automática, sendo necessários esforços complementares para assegurar que mais pessoas e empresas tenham acesso e saibam utilizar as novas tecnologias.

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Flexibilidade laboral, protecção dos trabalhadores e prosperidade não partilhada

É uma das principais conclusões do FEM este ano e também um dos seus mais significativos alertas para a competitividade mundial: o facto de esta ser fortalecida, e não enfraquecida, pela combinação adequada de níveis de flexibilidade no interior da força laboral com uma igualmente apropriada protecção dos direitos dos trabalhadores. Com um número significativo de postos de trabalho em risco de desaparecerem devido à automação e robotização, a criação de condições para que se consiga resistir a um choque económico e conferir o apoio necessário aos trabalhadores durante esse período de transição será absolutamente crucial.

Apesar de ser difícil estabelecer relações causais nesta matéria, a correlação positiva entre a abertura internacional e a flexibilidade do mercado laboral sugere que a integração económica aumenta a pressão competitiva no mercado de trabalho. O FEM dá o exemplo do aumento significativo da flexibilização, ao longo da última década, por parte dos membros mais antigos da União Europeia, para convergir com os novos membros que se juntaram à UE entre 2004 e 2007. Apesar de esta aposta ter contribuído para baixar os níveis de desemprego em muitos países, em particular nos do sul, também causou, por outro lado, uma reacção negativa contra a integração económica, tendo exacerbado a visão de que o projecto europeu não tinha como prioridade a protecção laboral.

Mas e como alerta o relatório, e tendo em conta dados laborais de natureza diversa, não é necessária a existência de trade-offs entre os mercados laborais flexíveis e a protecção dos trabalhadores. Ao invés, é possível ter flexibilização E protecção. O Índice de Competitividade Global demonstra, cruzando indicadores do mercado laboral global com os níveis de desigualdade nos países em causa, que dois terços dos países com elevados níveis de desigualdade têm uma protecção médio/baixa dos seus trabalhadores. Mais importante ainda é o facto de os países com elevados níveis de flexibilidade e também com níveis superiores de protecção laboral serem os mesmos que têm níveis mais altos de emprego e menores graus de desigualdade, sendo estes a Dinamarca, a Noruega, a Suécia, a Suíça, a Holanda e a Alemanha (com os dois primeiros a ocuparem as 11º e 12ª posições, respectivamente, no top da competitividade, e os restantes integrando o seu top 10).

Este padrão apoia assim a ideia de que os direitos dos trabalhadores podem ser adequadamente protegidos em mercados laborais flexíveis, e que os governos que seguirem a mesma receita poderão atingir maior emprego e menor desigualdade. Ou, por outras palavras, os governos não se deverão afastar das reformas laborais ou da integração económica quando confrontados com condições sociais deficitárias. Ao invés, deverão introduzir políticas complementares de trabalho activo nos seus mercados para ajudarem os trabalhadores que estão “entre empregos” a adquirir novas competências.

A ideia é que é crucial proteger os trabalhadores, o que não significa necessariamente proteger os seus trabalhos. Mas para o fazer, é necessário encontrar formas alternativas para os que perdem o emprego para a automação e/ou robotização. O que significa também uma aposta em politicas de (re)formação em detrimento de políticas que protegem os postos de trabalho “antigos”. O Ocidente, alerta o FEM, precisa mesmo de repensar esta combinação entre flexibilização e segurança, para que mais postos de trabalho possam ser criados ao mesmo tempo que se assegure a protecção dos trabalhadores.

Se tal não for feito, o ressurgimento dos nacionalismos, do fascismo e do populismo será uma realidade muito mais assustadora do que aquela que tem vindo a assombrar os países ocidentais nos últimos tempos.


Portugal mais competitivo

O ano de 2014 ficará registado como aquele em que Portugal um salto maior deu em termos de competitividade, passando de um preocupante 51ª lugar para uma mais folgada 36ª posição. Todavia, em 2015 voltaria a cair duas posições (38º), com mais um significativo tombo de oito lugares em 2016 (46º). Este ano e dada a conjuntura mais propícia em que o país está a viver, a subida de quatro posições colocam-no como a 42ª economia mais competitiva em 137, tendo também registado alterações positivas no score utilizado pelo FEM para avaliar os 12 pilares que compõem o Índice de Competitividade Global: de 4,48 para 4,57 e atingindo a pontuação que gozava em 2006

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Como comenta Jorge Ribeirinho Machado, Professor e Responsável da Área de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School, o clima de confiança que se vive em Portugal ajudou muito a que os resultados melhorassem, e que subíssemos no ranking. Não houve mudanças estruturais significativas no que diz respeito aos pilares de análise da competitividade a não ser uma melhoria no sistema bancário, fruto do trabalho que os bancos, o banco central e o governo têm vindo a fazer”.

Todavia, existem áreas, e como seria de esperar, que merecem esforços contínuos com vista a melhorar o clima económico e competitivo, sobretudo no que respeita aos negócios e às PME. Como foi destacado, na sessão de apresentação pública dos resultados do Índice deste ano – a qual teve lugar na AESE, as entidades responsáveis pelo Inquérito de Opinião dos Empresários realizado para o FEM – o Fórum de Administradores e Gestores de Empresas (FAE) ea PROFORUM – Associação para o Desenvolvimento da Engenharia –– sublinharam a ineficiente burocracia do Governo (19,1%) e as taxas de impostos (18,7%) como os factores mais problemáticos para os negócios em Portugal, correspondendo, igualmente, à principal preocupação registada este ano pelos empresários inquiridos. Já a regulamentação laboral, que aumentou para 13,8%, ocupa a terceira posição na lista de factores mais problemáticos para os empresários nacionais. Ainda de acordo com os respondentes, as condições de acesso ao financiamento (10,2%) continua a ser uma preocupação, apesar de uma ligeira “melhoria” face a 2015 (14%). Com níveis de inquietação menos elevados, destaca-se a instabilidade política (13,1%) que desceu uma posição (de 3º para 4º lugar) e a os regulamentos fiscais que descem também uma posição na lista dos factores mais problemáticos, situando-se agora nos 6,5%.

Como complementa o Professor da AESE, “este crescimento, para continuar, tem de se basear na melhoria da sofisticação dos negócios e na melhoria dos mercados financeiros, além do que estamos a fazer na capacitação tecnológica de pessoas e empresas”. Factores esses que parecem estar no bom caminho.


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