Os números negros sobre a fome, privação material, exclusão social ou desemprego veiculados no Dia Internacional de Erradicação da Pobreza demonstram que a crise económica deixou marcas na maioria dos países que integram a UE, onde o universo de pessoas em risco de pobreza e exclusão social continua a aumentar. Em Portugal, o retrato do país real reforça a necessidade de encarar o flagelo “focando a atenção na estabilidade económica e social a nível global, numa lógica de desenvolvimento sustentável”, como defende a Rede Europeia Anti-Pobreza
POR GABRIELA COSTA

No Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, 17 de Outubro, multiplicaram-se as habituais iniciativas e mensagens de solidariedade, e a data serviu de pretexto para a divulgação dos mais recentes números negros sobre a fome, a privação material, a exclusão social ou o desemprego.

A informação veiculada demonstra que a crise económica deixou marcas na maioria dos países que integram a UE, onde o universo de pessoas em risco de pobreza e exclusão social tem vindo a aumentar, desde 2008. Conclui-se que a crise e as várias medidas de austeridade implementadas desde então tiveram um forte impacto sobre este flagelo e no quotidiano das famílias um pouco por toda a Europa (até na Alemanha), naturalmente com maior incidência nos países intervencionados, mas com repercussões até aos dias de hoje, em que o pensamento vigente já pende para a ideia de recuperação económica.

Um em cada quatro europeus em risco de pobreza ou exclusão

O Eurostat assinalou este dia com uma nova edição de um estudo que actualiza os dados e tendências relativas à pobreza, tendo por base dados que compilou, relativos ao período 2008-2013, e dados da UE abrangendo já 2014 e 2015.

De acordo com o relatório “Smarter, greener, more inclusive? Indicators to support the Europe 2020 strategy”, em 2013 mais de 24% da população europeia (cerca de 122 milhões de pessoas na UE28) era considerada como estando em risco de pobreza e/ou exclusão social, segundo a definição adoptada pela Estratégia 2020.

Por outras palavras, quase um em cada quatro cidadãos da União Europeia tem um perfil e nível de rendimentos que o coloca em situação de vulnerabilidade económica e social (revelando-se um agravamento no período 2011-2013, na UE27). A Comissão Europeia quer reduzir este flagelo para a meta dos 20 milhões, até 2020.

Portugal registou uma taxa de risco de pobreza/exclusão na ordem dos 27.5%, em 2013, a que equivalem 2,85 milhões de pessoas.

[pull_quote_left]A pobreza monetária é a mais disseminada forma de privação, atingindo 17% da população da UE[/pull_quote_left]

O grupo em maior risco de pobreza e exclusão social na UE é o dos jovens, com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos (mais de 30%), a que se segue o grupo das crianças, com idades até aos 18 anos, com mais de 27%. O terceiro grupo mais vulnerável é o dos idosos (65 e mais anos), com pouco mais de 18%, conclui o Eurostat.

Numa análise por género, são as mulheres que permanecem em maior risco de pobreza e de exclusão social (mais de 25%). Considerando o agregado familiar, em 2013 e para a UE28, o risco de pobreza e exclusão social manteve-se particularmente elevado para as famílias monoparentais com um ou mais filhos a cargo – quase 50%. Os imigrantes são outro grupo em grave risco de pobreza e de exclusão social, com cerca de 34% de pessoas que viviam num país da UE que não o seu, em 2013, nesta condição.

No mesmo ano, também mais de 34% dos indivíduos com nível de escolaridade inferior ao secundário viviam sob este risco, três vezes superior àquele que afecta o grupo com nível de escolaridade superior.

A pobreza monetária, que é a mais disseminada forma de privação, atinge quase 17% da população da UE (82 milhões de pessoas), a qual ganhava, em 2013, menos de 60% da média do rendimento por adulto equivalente a nível nacional (a que corresponde o limiar da pobreza). As famílias monoparentais foram as mais afectadas a este nível (32%). Um em cada cinco crianças e jovens (18-24) está sujeito a este tipo de pobreza, no mesmo ano.

Já a privação material severa sentiu-se, também em 2013, entre 9,6% da população na UE28 (47 milhões). Em Portugal a percentagem foi de quase 11%, estimando-se uma ligeira descida em 2014.

Quanto ao desemprego, a taxa cifra-se nos 9,5% (23 milhões de pessoas), em Agosto de 2015 e para a UE28. A nível nacional, o desemprego diminuiu ligeiramente, entre Agosto de 2014 e Agosto de 2015, de 13,6% para 12,4%. Como é sabido, a taxa de desemprego dispara entre os jovens: 20,4% na UE28 (ainda assim inferior aos 21,9% registados em Agosto de 2014), e 31,8% em Portugal, em Agosto de 2015, uma melhoria face aos 33,2% contabilizados pela UE igual período do ano anterior.

A União Europeia estima ainda que o impacto do envelhecimento demográfico no velho continente “seja significativo nas próximas décadas”: em 2013, na UE28, as pessoas com idades de 65 ou mais anos representavam uma parcela de 17.9% da população portuguesa, (mais 0,4% que no ano anterior, e acima dos 15,6% que ocupam as crianças e jovens até aos 14 anos). A agravar a situação, o índice de dependência dos idosos projecta um expressivo aumento – de 27,8% para 50,1% – deste factor, na UE, o que significa que se actualmente existem quatro pessoas em idade activa por cada pessoa com mais de 65 anos, em breve existirão apenas duas. Em Portugal o cenário é ainda mais grave: estima-se um aumento da dependência dos idosos de 29,8% para 63,9%.

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Portugal: um quarto dos agregados com crianças em situação vulnerável

Assinalando também o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, o INE – Instituto Nacional de Estatística apresentou a 17 de Outubro o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC), realizado anualmente junto das famílias residentes em Portugal.

Segundo os dados do inquérito realizado em 2014, sobre rendimentos de 2013, neste ano 19,5% dos portugueses estava em risco de pobreza, o que representa um aumento de 0,8 pontos percentuais, face ao ano anterior. Tendo por base “a linha de pobreza ancorada no tempo, a taxa de risco pobreza em Portugal, em 2013, seria de 25,9%, mais 6,4%”, explica o INE.

O documento sublinha ainda que 23% dos agregados familiares com crianças dependentes estavam em risco de pobreza, taxa que diminui significativamente, para 15,8% dos agregados sem crianças dependentes.

[pull_quote_left]Em Portugal a taxa de risco de pobreza junto das crianças permanece superior a 20% desde 2003[/pull_quote_left]

O crescimento da taxa de risco de pobreza abrange todos os grupos etários, afectando seriamente os idosos (mais de 15%), e sendo o mais elevado dos últimos dez anos entre as crianças e os adultos com 18 a 64 anos, em 2013. As crianças continuam a ser o grupo etário com maior vulnerabilidade à pobreza, e desde 2003 a taxa de risco de pobreza junto das crianças permanece superior a 20%.

Já no que respeita a risco de pobreza e/ou exclusão social, os últimos dados do INE conferem com os do Eurostat: em 2014, 27,5% da população residente em Portugal encontrava-se numa destas situações, tal como no ano anterior.

As desigualdades em nada contribuem para minorar a situação de pobreza em Portugal, com 20% da população com maior rendimento a receber, em 2013, aproximadamente 6,2 vezes o rendimento dos 20% da população com o rendimento mais baixo, destaca também o relatório relativo ao Rendimento e Condições de Vida.

O “sonho de uma Europa social” em sério risco

Para a EAPN Portugal, que compilou a informação essencial divulgada pelo Eurostat e pelo INE, e que na véspera do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza lançou uma mensagem reiterando que “é crucial que Portugal defina uma estratégia nacional para erradicar a pobreza”, é urgente travar o flagelo da pobreza a nível mundial.

A representante da Rede Europeia Anti-Pobreza lança um alerta, defendendo que “o sonho de uma Europa social” se encontra “seriamente em risco”. No seu entender, a actual crise humanitária, que tem “como consequência mais visível uma enorme vaga de refugiados”, faz temer um futuro de forte instabilidade e desesperança”. A “incerteza na tomada de decisão por parte dos líderes europeus face a este fenómeno” e as “consequentes manifestações xenófobas” em nada ajudam a dar resposta ao êxodo dos migrantes fugidos de guerras e conflitos.

Traçando um “retrato breve do país real”, que exige “uma resposta eficaz”, a EAPN Portugal considera que ao olharmos os números que ditam que tantas crianças em Portugal se encontram em risco de pobreza e ou exclusão social, e que os níveis da emigração e do desemprego jovem são tão preocupantes, devemos lembrar-nos que “estamos a falar das novas gerações, daquelas que irão escrever o futuro de Portugal” e que “não têm uma herança muito promissora”. No mesmo retrato, cabe “o índice elevadíssimo de envelhecimento da população”, “o desemprego de longa duração” e “a mão-de-obra mal paga e o emprego precário”, que levam “ao aumento das desigualdades”, lamenta a Rede.

Procurando “despertar a consciência colectiva, particularmente a política que não pode, de forma nenhuma, alegar desconhecimento para a falta de acção”, a EAPN Portugal defende no comunicado divulgado a 16 de Outubro que “é possível erradicar a pobreza”, evitando “a ganância e o desperdício” e partilhando “o que temos de forma equitativa e sustentável”.

“Não se trata de utopia, trata-se de encarar o problema de uma outra forma, focando a atenção na estabilidade económica e social a nível global, numa lógica de desenvolvimento sustentável”, acredita a Rede Anti-Pobreza, sublinhando que este mesmo objectivo foi reafirmado pelas Nações Unidas, na recente adopção dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Porque “a pobreza não é um problema de escassez de recursos”, mas antes de distribuição totalmente injusta de recursos.