Em tradução livre e para as gerações mais novas que não conhecem a música da icónica banda Pink Floyd, o facto de estarmos “confortavelmente entorpecidos” em muito contribui para a destruição do único planeta que temos para viver. Esta foi uma das mensagens que Jo Confino, do Guardian Sustainable Business, transmitiu na conferência anual do BCSD Portugal, na qual exortou para o quebrar desta apatia e para o alinhamento do que somos com o que fazemos. Empresas incluídas, obviamente
POR HELENA OLIVEIRA

Considerado como um dos jornalistas que maior impacto tem gerado no público em geral, com os artigos que escreve sobre sustentabilidade, o editor executivo do jornal britânico The Guardian e director editorial da plataforma Guardian Sustainable Business esteve em Lisboa, a convite do BCSD Portugal, para oferecer a sua visão e conhecimento sobre a forma como o mundo está (ou não) a enfrentar os mais complexos desafios globais, imprescindíveis para assegurar o seu próprio futuro e dos humanos enquanto espécie.

Jo Confino defende, em primeiro lugar, que a forma como apreendemos as diversas pressões a que o planeta está sujeito tem uma relação muito maior com questões emocionais, do que propriamente intelectuais. “É cada vez mais comum sentimo-nos perdidos no meio de tantos dados e análises”, afirma. “Na medida em que o mundo parece um comboio de alta velocidade a dirigir-se para um caminho errado, é extremamente fácil perdermos de vista o que é realmente importante”, acrescenta.

Recordando, por exemplo, que a última extinção em massa das espécies se deveu à subida de seis graus centígrados na temperatura da Terra, Confino alerta para o facto de apesar das alterações climáticas estarem já à vista de toda agente, o maior problema é que estamos ainda muito no início deste processo que poderá ser fatal para a vida no planeta tal como a conhecemos. Para tal, o editor do The Guardian citou um relatório recente sobre biodiversidade, publicado pelo World Wildlife Fund (WWF) que dá conta que, em apenas 40 anos, metade das espécies simplesmente desapareceu da face da terra. O Living Planet Report, que avalia mais de 10 mil populações representativas de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes concluiu, a partir do Índice que elabora, que desde 1970, o declínio das espécies se cifrou nos 52%. Ou, dito por outras palavras, em menos de duas gerações, a dimensão de espécies vertebradas decaiu para metade, sendo que não é possível esquecer que estas formas de vida constituem o “fabrico” dos ecossistemas que sustêm a vida na Terra, bem como o “barómetro” do que estamos a fazer ao nosso próprio planeta.

Como afirmou Confino, “não sei se conseguiremos travar o mal que estamos a fazer”, sendo que as consequências são de várias formas e feitios como, por exemplo, os milhões de refugiados climáticos que se esperam, na medida em que nenhum país estará a salvo, neste caso em particular, das alterações climáticas. Em 2009, e de acordo com um relatório da Organização Internacional para as Migrações, citado pelo The New York Times, estimava-se que, em 2050, estes ascenderiam aos 200 milhões. Todavia, e num espaço de apenas cinco anos, e se o ritmo se mantiver, as projecções aumentaram cinco vezes, o que significa que, em menos de 40 anos, mil milhões de pessoas poderão ser afectadas pelo clima e obrigadas a migrarem para locais ainda não afectados. As preocupações com a escassez de água e com a sobreexploração de metais essenciais foram igualmente elencadas pelo editor do The Guardian, o qual elege o aumento flagrante das desigualdades como a “grande problemática para o mundo”, a qual é, de forma crescente, uma questão política que provocará, caso nada seja feito, uma “disrupção social absolutamente dramática”.

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Globalmente juntos, mas desconectados
Na medida em que a conferência anual do BCSD Portugal para a qual Jo Confino foi convidado como orador tem, como objectivos óbvios, chamar a atenção do mundo empresarial para as responsabilidades e impactos que as suas actividades têm para a sociedade e, consequentemente, para o planeta, a temática teria, obviamente, que fazer parte do discurso do editor executivo do The Guardian. Afirmando que a esmagadora maioria das empresas perdeu a sua “bússola moral” – privilegiando o lucro de curto prazo, a corrupção, a destruição ambiental, entre outros “mal fazeres” – Confino alerta para a necessidade de uma “reconexão por um propósito comum”, ou um “relacionamento efectivo dos negócios com nós próprios”. Na verdade, a visão de Confino é a de um mundo globalizado, mas completamente “desligado”, não só no que às empresas diz respeito, mas também às comunidades, no geral, e às pessoas “comuns”, no particular, uma espécie de “doença mental” que a todos nos aflige.

O responsável da plataforma Guardian Sustainable Business chamou a atenção para a uma nova iniciativa, intitulada Blueprint for Better Business (BBB), a qual nasce da crença de que de o sector empresarial tem de “regressar à importância primordial da nossa humanidade comum”. Este projecto, inspirado pelo Cardeal Vincent Nichols, arcebispo de Westminster e apoiado por Paul Polman, CEO da Unilever, exorta a que “cada pessoa seja reconhecida como um ser social, dignificada pelas relações que mantém com os outros e que procure a mais elevada realização ao serviço dos outros”. A iniciativa em causa sublinha os impactos desastrosos, por parte das empresas, do imediatismo e do pensamento de curto prazo, da maximização do lucro e da visão do mundo centrada no retorno para o accionista, apelando a uma abordagem baseada na fé e na filosofia moral como forma de as empresas serem realmente bem-sucedidas nas suas práticas de sustentabilidade.

Afirmando que “o sistema político tem vindo a ser crescentemente capturado pelos interesses empresariais”, a única hipótese para alterar o status quo será através de “vozes progressistas provenientes do sector empresarial”, pois “ a não ser que as próprias empresas se façam ouvir, nada mudará”. Apontando o dedo também aos media, que não consideram estas questões “sexy” o suficiente para fazerem delas temas jornalísticos prioritários, Confino acredita que “quando as coisas se tornam feias, somos obrigados a mostrar quem realmente somos”.

Recordando a sua própria incursão no mundo da responsabilidade corporativa, Confino lembra que, no início, as empresas se limitavam a assinar cheques, como forma de ajudar as comunidades locais, o que não era manifestamente suficiente para a ligação necessária entre empresa e stakeholders, ao que se seguiu o período em que estas passaram a apostar em actividades como a reciclagem ou o voluntariado até se chegar ao que hoje é descrito como sustentabilidade. “Sempre que há uma nova iteração nos negócios, uma nova janela começa a abrir-se,”garante o editor do jornal britânico. “Há que mudar, por completo, a mentalidade vigente, esquecer os sistemas hierárquicos e passar a pensar de uma forma completamente diferente”, o que, garante, está já a ser feito centenas de empresas. Citando a Unilever – que repensou criteriosamente o propósito da sua marca, compreendeu-o e implementou-o com sucesso; ou a Nike, a qual depois do grande escândalo que a marcou [de exploração laboral na sua cadeia de fornecimento], inovou radicalmente, repensou, na totalidade, a forma como utilizava os seus materiais, não só apostando em materiais não tóxicos, mas tendo também em conta o impacto na sua cadeia de fornecimento, pois conseguiu arranjar forma de reciclar as fibras que utiliza; ou ainda a Wal Mart, que está a implementar, de forma crescente a utilização de painéis solares para reduzir os desperdícios energéticos. Confino assegura assim que os bons exemplos são cada vez mais.

06112014_ComfortablyNumb2“Só nós nos poderemos salvar a nós próprios”
Confino não é ingénuo o suficiente para considerar que as empresas devem colocar em primeiro lugar o acto de fazer bem aos que as rodeiam, relegando o lucro para um lugar mais abaixo na hierarquia dos objectivos. Nem tal faria sentido. Todavia, o que se esforça por transmitir, nos artigos que escreve no The Guardian e no blog que tem para o efeito, é a ideia de que o sector empresarial pode ter um comportamento “moralmente” digno e, em simultâneo, constituir verdadeiros “business cases”. E, ao conseguirem esta proeza, tornam-se mais resilientes e capacitadas para apostar em novos mercados. Imprescindível é a ideia de que as pessoas se devem unir, reunir e pensar em conjunto, sejam elas engenheiros, profissionais de marketing, designers, etc. . Transformar as empresas em “grupos de e com fé”, não necessariamente no sentido religioso, mas antes espiritual é, para o orador, essencial para a tal “reconexão” necessária das empresas com os demais stakeholders, numa tentativa de substituir os produtos que funcionam como “heróis”, por pessoas que vistam essa pele. “Não será a tecnologia, por exemplo, que nos irá salvar”, assegura. “Só nós nos poderemos salvar a nós próprios”, acrescenta.

Uma outra ideia defendida foi a de que nem sempre a temática da sustentabilidade deve ser encarada simplesmente como a “preparação do futuro”, mas também e em simultâneo, como uma espécie de “regresso ao passado”. Ou seja, a nova estrutura mental de que as empresas precisam, para reconhecer que não podem, ad eternum, explorar os recursos naturais, poderá obrigar a um esforço de “back to basics”, de reinvenção, portanto.

A boa notícia é que os jovens parecem estar a olhar para o mundo – e, consequentemente, para as empresas – de uma forma completamente diferente daquela a que nos habituámos. A ideia de propriedade e de status começa a ser suplantada, por parte das gerações mais novas, pelo princípio das redes e das parcerias. E, na medida em que “podemos estar a viver o melhor e o pior deste tempo”, as empresas deverão ouvir os mais jovens e ter a capacidade de, em conjunto com eles, criarem uma nova e fantástica estrutura mental no que diz respeito a questões de colaboração e liderança.

Citando a famosa canção “Comfortably Numb” da mítica banda Pink Floyd – a qual dá o mote a este artigo – Jo Confino exorta a que este estado de “entorpecimento” seja quebrado: afinal, se “alinharmos aquilo que somos com aquilo que fazemos”, coisas extraordinárias poderão acontecer.

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