A desigualdade na distribuição de riqueza atinge este ano um número ímpar, com 1% da população mundial a possuir tanto dinheiro quanto os restantes 99%, num cenário em que os EUA irão manter a liderança enquanto país mais rico, até 2020. Mas segundo o qual os países emergentes – e, dentro deles, a classe média – serão os grandes protagonistas da nova geração de riqueza, a avaliar pelo Crédit Suisse Global Wealth Report
POR GABRIELA COSTA

“A classe média continuará a incrementar-se nos países emergentes. Em resultado, assistiremos a alterações nos padrões de consumo, bem como a mudanças na sociedade” – Tidjane Thiam, CEO do Crédit Suisse

Este ano ficará para a história como o primeiro em que 1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza (1) do planeta. A já quase indiferente (de tão habitual) desigualdade económica vem aumentando de forma exponencial desde o deflagrar da crise financeira, em 2008, e atinge um novo limiar em 2015.

O fosso entre ricos e pobres é agora ainda maior, com cerca de 1% da população, a mais rica (constituída por aqueles que detém um património avaliado em cerca de 760 mil dólares) a possuir tanto dinheiro líquido e investido quanto os restantes 99% da população mundial. Ou, por outras palavras, um em cada 100 habitantes tem, sozinho, o mesmo nível de riqueza que todos os seus pares. O número é, de todo, ímpar.

A conclusão é do Credit Suisse, que revela, na 6ª edição do seu Global Wealth Report, publicada a 12 de Outubro, que 0,7% da população mundial monopoliza 45,2% da riqueza mundial, e que os 10% mais ricos detêm 88% dos activos totais. Isto apesar de, em 2015, o valor total de activos disponíveis no mundo ter decrescido 12,4 triliões (2) de dólares americanos (USD).

A disparidade flagrante entre ‘privilegiados’ e ‘comuns mortais’ expressa na nova edição do reputado estudo do Credit Suisse Research Institute faz concluir que os ricos sairão da crise ainda mais ricos, e os pobres, claro, mais pobres: numa projecção para 2020, o banco suíço calcula que, daqui a cinco anos, o número de pessoas ricas irá quase duplicar.

O estudo anual de riqueza foi realizado a partir de dados patrimoniais de 4,8 mil milhões de adultos oriundos de mais de 200 países.

22102015_ClasseMediaNos
Riqueza global diminui mas não entre os multimilionários

Em 2015, a riqueza mundial atinge mais de 250 triliões de dólares, “ligeiramente abaixo do valor acumulado no ano anterior, devido a flutuações adversas nas taxas de câmbio”, conclui o Crédit Suisse.

Os Estados Unidos “continuam a contribuir para a riqueza global a um ritmo impressionante”, e a China evidencia também “um crescimento sólido”, a este nível. Já na maioria dos outros países, “os ganhos de riqueza em moeda local foram neutralizados pela desvalorização face ao dólar [norte-americano], o que contribuiu para o declínio da riqueza mundial total em 12,4 triliões de dólares”, destaca o Global Wealth Report.

As tendências subjacentes à geração de riqueza “mantêm-se, contudo, positivas”, principalmente no que diz respeito ao crescimento da riqueza nas famílias, “particularmente forte nos EUA e na China, entre meados de 2014 e meados de 2015”.

[pull_quote_left]Os 10% mais ricos detêm 88% dos activos totais disponíveis no mundo[/pull_quote_left]

De resto, e apesar de o número de cidadãos muito ricos (aqueles que possuem um património igual ou superior a 50 milhões de dólares, ou 43, 8 milhões de euros) ter diminuído, em consequência da força da moeda norte-americana perante o resto das grandes divisas, o número de “ultra ricos” (os que possuem 500 milhões de dólares – 43,8 mil milhões de euros – ou mais) aumentou ligeiramente. No total são quase 124 mil ultra-high net worth individuals (UHNWIs).

Entre os 33,6 milhões de pessoas que possuem riqueza avaliada entre 1 milhão e 50 milhões de USD, de acordo com os dados relativos a Junho de 2015, a grande maioria (29,8 milhões) detém um património que se posiciona no topo da base da pirâmide (entre 1 e 5 milhões de USD); 2,5 milhões de indivíduos possui activos no valor de 5 a 10 milhões de dólares; 1,3 milhões possui entre 10 a 50 milhões de dólares; e 123 800 milionários dispõem de mais de 50 milhões de euros.

Quando olhamos a distribuição geográfica da riqueza, constatamos que quase metade dos cidadãos mais ricos do mundo vive nos EUA (59 mil pessoas), seguindo-se a China, com 10 mil e o Reino Unido, com 5400 indivíduos.

O estudo do grupo financeiro suíço calcula ainda quanto dinheiro (após subtracção de todas as dívidas) tem uma pessoa de possuir, para pertencer à classe dos abastados e às elites dos (multi)milionários: 3210 dólares para integrar a metade da população adulta mundial mais rica; 68 800 dólares para estar entre os 10% mais ricos; e 759 900 dólares para ser um membro exclusivo do topo da pirâmide: o 1% da população mais rica do planeta.

O aumento das disparidades na distribuição da riqueza continua a ser uma das causas profundas para a polarização cada vez mais extremada entre ricos e pobres, mas nesta 6ª edição do estudo do Crédit Suisse, as melhorias registadas nos mercados financeiros são também consideradas um factor para alargar este fosso: é que o património dos mais ricos é mais sensível a ganhos como subidas de preço de acções de empresas e outros activos financeiros do que aquele que pertence à grande maioria da população, conclui a entidade financeira. Neste contexto, é de sublinhar que os principais índices de referência dos mercados das bolsas europeias e norte-americanas, o Eurostoxx 50 e o S&P 500, cresceram mais de 10% no último ano.

Face a estes resultados, o Chief Investment Officer do Crédit Suisse para a Europa, Médio Oriente Médio e África apressou-se a garantir, na apresentação oficial da nova edição do relatório sobre a riqueza mundial, que “a nossa indústria está em pleno crescimento”, e que “a [produção] de riqueza prosseguirá a sua trajectória ascendente”. Michael O’Sullivan previu mesmo que o número de pessoas com um património superior a um milhão de dólares (874.421 euros) crescerá cerca de 46% nos próximos cinco anos, abrangendo mais de 49 milhões de indivíduos em 2020.

Portugal: Riqueza real diminui e famílias estão mais pobres

22102015_ClasseMediaNos2O futuro próximo adivinha-se mais abastado. De acordo com a projecção para 2020 contida no estudo do banco suíço, o total de riqueza mundial deverá crescer a uma taxa anual média de 6,5%, nos próximos anos, atingindo um total de 345 triliões de USD em 2020, num expressivo crescimento de 38%, face ao actual nível de riqueza.

Contrariando as tendências actuais de agravamento da concentração da riqueza nas mãos de cada vez menos pessoas, e de diminuição da mesma, em termos globais, devido à fragilidade do euro frente à moeda norte-americana, os países emergentes – e dentro deles, a classe média – são os grandes protagonistas da nova geração de riqueza.

Os EUA permanecerão como “líder incontestado” enquanto país mais rico do mundo, detendo perto de um terço da riqueza global. Mas serão os países asiáticos a emergir, com a China a deter já perto de 10% do total da riqueza, ao mesmo tempo que ultrapassa os norte-americanos no número de população a pertencer à classe média: pela primeira vez, esta é agora a maior de todo o mundo (com 109 milhões de adultos), bem acima dos 92 milhões de pessoas que integram a classe média nos EUA.

[pull_quote_left]A desvalorização do euro face ao dólar contribuiu para o declínio da riqueza mundial em 12,4 triliões de dólares, face a 2014[/pull_quote_left]

A riqueza na classe média vem crescendo “intensamente em todas as regiões e em quase todos os países”, no século XXI, recorda o Crédit Suisse, e Portugal não é excepção: 44,6% dos portugueses integram actualmente a classe média.

O relatório do Crédit Suisse classifica o nosso país no grupo intermédio cuja riqueza por adulto se situa entre os 25 mil e os 100 mil USD, ao lado de países como a Grécia e a Eslovénia, e acima de alguns recentes Estados-membros da UE, como a República Checa, a Estónia ou a Hungria. Este conjunto de países inclui ainda várias nações do Médio Oriente, como o Líbano e a Arábia saudita, e mercados emergentes na Ásia e América Latina (Chile, Costa Rica e Coreia, por exemplo).

Mais longe ainda que a Grécia (81,300 USD) do grupo de topo cujos países têm uma riqueza por adulto acima dos 100 mil USD (América do Norte, quase todos os países da Europa Ocidental e países ricos da Ásia-Pacífico e do Médio Oriente, num ranking liderado pela Suíça, com uma riqueza média superior a 500 mil USD), Portugal fica-se por uma média de 73,800 USD (64.500 euros).

Entre as nações consideradas ‘na fronteira’ da riqueza (5 mil a 25 mil USD por adulto) estão muitos dos países mais populosos do mundo, incluindo a China, Rússia, Brasil e Turquia, e a maior parte do território mundial – quase toda a América Latina, muitos países mediterrâneos, nações de leste fora da UE e alguns países africanos, como Angola e África do Sul. Já na base da pirâmide concentra-se, predominantemente, quase toda a África Central (excepção para Angola, Guiné Equatorial e Gabão) e Sul da Ásia (Bangladesh, Cambodja, Myanmar, Nepal, Paquistão), com destaque para a Índia, incluindo-se ainda alguns países que fazem fronteira com a UE.

Quanto ao crescimento da riqueza real, Portugal está francamente mal posicionado: o Global Wealth Report situa Portugal entre os dez países com pior desempenho no que toca a este indicador, entre 2000 e 2015. Contra uma média de crescimento mundial na ordem dos 2%, no mesmo período, o nosso país sofreu uma queda de 0,4% na sua riqueza real anual, nestes 15 anos, ficando apenas acima da Turquia, Grécia, Argentina e Egipto. A este respeito, o documento do Crédit Suisse sublinha que “a presença da Grécia, Holanda, Portugal e Espanha nas dez piores performances de todo o período [avaliado] sugere que a Zona Euro não se tem saído muito bem”.

Também inversamente à tendência mundial, Portugal inclui-se num conjunto de países cujo património das famílias recuou. Na variação anual de 2014 para 2015, a riqueza das famílias portuguesas diminuiu abaixo dos 20%, perto dos 17% registados na Grécia e da quebra assinalada também em países como a Áustria, Finlândia, França e Itália (mas distante da redução em Espanha, que também recebeu a ajuda financeira da Troika). As perdas ao nível da riqueza dos agregados familiares são lideradas pela Ucrânia, Rússia, Brasil, Colômbia.

22102015_ClasseMediaNos3
O nosso país sofreu ainda perdas de capitalização de mercado, área liderada pela positiva pela China, país considerado um ‘outsider’ na evolução do mercado bolsista, e que só em 2015 (até ao final do mês de Junho), cresceu praticamente 150%. Portugal regista mais de 25% no lote das perdas de valor de mercado – liderado pela Rússia -, a par de países como o Brasil e a Noruega. A Grécia, perde, sem surpresas, 55% do seu valor bolsista.

A nova classe de ‘ricos emergentes’

Este ano, a riqueza na classe média aumentou “a um ritmo inferior” ao crescimento da riqueza no topo [da pirâmide]”. Ainda assim, “a classe média continuará a incrementar-se nos países emergentes, globalmente, com a maior parte desse crescimento a ter lugar na Ásia. Em resultado, assistiremos a alterações nos padrões de consumo bem como a mudanças na sociedade”, conclui, no preâmbulo do relatório que avalia a riqueza mundial o CEO do Crédit Suisse, Tidjane Thiam.

[pull_quote_left]Portugal está entre os dez países com pior performance entre 2000 e 2015, no que toca ao crescimento da riqueza real[/pull_quote_left]

Motivo suficiente para o Crédit Suisse ter dedicado este ano um capítulo temático exclusivamente à análise do que alcançou esta grande classe no mundo, em termos de riqueza, ao longo deste ainda novo século (definindo-se que um adulto pertencente à classe media possui activos avaliados entre 50 mil e 500 mil dólares, em meados de Junho de 2015).

A China, maior expoente dos países emergentes que começam a chegar ao seu fim, integra hoje, como referido, cerca de 109 milhões de cidadãos nesta comunidade alargada, segundo o relatório agora divulgado. Apesar de permanecer “concentrada na Europa e nos Estados Unidos”, a riqueza tem vindo a crescer nos países emergentes de uma forma “impressionante” com destaque para o gigante asiático, onde “o crescimento [da riqueza] quintuplicou”, desde o ano 2000.

A expansão da classe média chinesa acompanhou a evolução da economia no país, ultrapassando pela primeira vez a classe média americana, em número de pessoas (92 milhões), a que se seguem o Japão (62 milhões de habitantes na classe média), a Itália (29 milhões), a Alemanha (28 milhões), o Reino Unido (28 milhões) e a França (24 milhões).

[pull_quote_left]Pela primeira vez, a classe média na China é a maior de todo o mundo, ultrapassando os EUA[/pull_quote_left]

Por região, a classe média continua a ser um must dos EUA, onde regista a sua maior prevalência (39% dos habitantes), seguindo-se a Europa, onde a proporção é de um terço, isto é, um em cada três adultos pertence à classe média. Em termos regionais, as taxas caem drasticamente para 15% na região da Ásia-Pacífico (excluindo China e Índia), cerca de 11% na China e América Latina e apenas 3% na África e na Índia.

Segundo os dados da entidade financeira, 664 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser consideradas de classe média, o que equivale a somente 14% da população adulta no planeta. Mas, para além de a classe média ter crescido a nível global de forma expressiva, em 2015, hoje a sua “dimensão, níveis de bem-estar e recursos, são encarados como factores chave para determinar a velocidade e sustentabilidade do desenvolvimento económico, em todo o mundo”. Como conclui o Crédit Suisse no seu relatório anual da riqueza, esta tendência enquadra-se “no objectivo de satisfazer novas exigências” partilhado por movimentos políticos, novos modelos de consumidores e pela maioria dos gestores e empreendedores da actualidade.

Notas:
1 – O termo riqueza é definido no Crédit Suisse Wealth Report como o valor dos activos financeiros e dos bens imóveis (habitação) detidos pelas famílias

2 – A designação ‘trilião’ segue a nomenclatura mais genérica dos grandes números, sendo que em muitos países europeus, incluindo Portugal, também se utiliza a  nova nomenclatura, em que 1 bilião é descrito por mil milhões e 1 trilião por 1 bilião