A produtividade no local de trabalho é tema recorrente na literatura de gestão e pesquisa académica. Mas o seu oposto – as longas horas de inactividade que trabalhadores de todo o mundo aproveitam para passear na Internet, resolver assuntos privados ou simplesmente fingirem que estão muito ocupados – é uma temática pouco explorada. Roland Paulsen, professor da Universidade de Lund, dedicou-lhe um livro que prova que nem tudo é o que parece
POR HELENA OLIVEIRA

A palavra francesa para trabalho [travail] é, etimologicamente, derivada de um instrumento de tortura. De origem latina, o tripalium (três paus), era um instrumento utilizado para subjugar os animais e forçar os escravos a aumentar a sua produção. O trabalho não será para todos uma tortura, mas as diversas formas de aumentar a produtividade continuam a merecer particular atenção não só por parte dos gestores, mas também por parte de académicos, pseudo-gurus e afins.

Por outro lado, a questão do stress laboral, das longas jornadas de trabalho e do burning out dos trabalhadores – ainda mais em voga desde que a Grande Recessão de 2008 obrigou a mais despedimentos e, consequentemente, a que menos pessoas continuassem a fazer o trabalho dos demais – tem sido tema privilegiado em milhares de artigos e livros, os quais alertam para os perigos da intensificação do horário laboral e do número adicional de tarefas que têm de ser cumpridas.

Mas por que motivo é que não existem pesquisas académicas ou literatura que se debruce relativamente ao tema oposto? Ou seja, os muitos trabalhadores que, por esse mundo fora, passam anos nos seus locais de trabalho a fingir que trabalham – especialmente em locais onde a burocracia impera – e que o conseguem fazer sem que os seus superiores hierárquicos tenham a mínima ideia de tal inactividade? Ou, pior ainda, que não dêem conta de que “falta” trabalho que deveria ter sido feito e entregue?

Apesar de ser comum afirmar que as pessoas trabalham cada vez mais horas, são várias as estatísticas internacionais que sugerem que, em média, as actividades não profissionais “roubam” pelo menos duas horas diárias de trabalho por empregado [a média situa-se entre uma hora e meia e três horas]. Como é que tal é possível e que razões estão subjacentes ao facto de os trabalhadores não cumprirem o seu horário de trabalho total? Num livro publicado recentemente, o sociólogo sueco Roland Paulsen, professor de Gestão na Lund University e laureado com vários prémios, em especial da Nordic Sociological Association e da International Labor Process Conference, devido à sua primeira obra The Society of Labor: How Labor Survived Technology, a qual em muito contribuiu para colocar em cima da mesa um aceso debate sobre o significado do trabalho na sociedade sueca.

Num artigo assinado na revista The Atlantic, Paulsen analisa estas supostamente más condutas profissionais, em especial o fenómeno denominado como “trabalho vazio”, definido como o período de tempo em que os trabalhadores se envolvem em actividades privadas dentro do seu horário laboral, o que dá o mote ao livro Empty Labor: Idleness and Workplace Resistance. Com base num conjunto largado de entrevistas e numa pesquisa empírica extensa, Paulsen utiliza dados quantitativos e qualitativos para apresentar uma análise concreta sobre os tipos de “ócio” que se desenrolam no local de trabalho moderno. Peritos em “simulação”, desmotivação com tarefas normalmente rotineiras, resistência ao trabalho, pura preguiça ou um desajustamento entre carga de trabalho e horário laboral?

Preguiçosos ou mortos-vivos?
De acordo com um estudo publicado na ScienceDirect, o qual é citado por Paulsen, e que analisou os fluxos de audiências para certo tipo de websites, na viragem do século, 70% do tráfego na Internet, por parte dos norte-americanos, para sites pornográficos registava-se durante os horários laborais normais e cerca de 60% das compras online eram efectuadas dentro do mesmo período. Todavia, e segundo o estudo de Paulsen, este fenómeno de “cibervadiagem” não está, obviamente, confinado aos Estados Unidos, extravasando todas as fronteiras, sendo vários os inquéritos que o comprovam em países tão distintos quanto a Finlândia, a Alemanha ou Singapura.

Por exemplo, em 2004, a escritora, psicanalista e economista Corinne Maier, publicaria o livro Bonjour Paresse – [Bom dia Preguiça, em português, mas brincando com o famoso romance Bonjour Tristesse, de Françoise Sagan], no qual fazia uma crítica humorista e extremamente cínica à cultura corporativa francesa da altura – personificada pelos gestores intermédios – no qual defendia várias formas de “dar a volta” ao sistema e nada fazer. Devido a algumas semelhanças óbvias com o famoso Dilbert, cujas tiras de cartoons fizeram as delícias de muitos desde o início da década de noventa, Maier foi muitas vezes comparada com o seu criador, Scott Adams, mas também submetida a uma processo disciplinar interposto pelo seu empregador, a Electricité de France, devido à publicação do livro. Todavia, e para o que agora importa, o argumento central de Maier parece continuar a imperar em muitos locais de trabalho: que o ambiente laboral está, de forma crescente, a ser reduzido a um “faz-de-conta”, sendo que nos escritórios o que realmente conta “é a imagem em detrimento do produto e a sedução mais do que a produção”.

Este fosso entre imagem e substância esteve sempre presente no trabalho de Scott Adams, o qual questionava, nos seus livros de banda desenhada, não só a relação existente entre trabalho e racionalidade, mas, em particular, a relação entre trabalho e produtividade: “o trabalho pode ser definido como ‘qualquer coisa que era melhor não se estar a fazer”, mas “a produtividade é uma coisa completamente diferente”, afirmava. Adams, que trabalhou no Crocker National Bank e na Pacific Bell ao longo de 16 anos, e onde encontrou a sua grande inspiração para a criação da personagem Dilbert e do seu cão, escrevia, no prefácio de um dos seus livros da colecção que se tornaria um bestseller: “Se tivesse de descrever os 16 anos do meu trabalho corporativo numa frase, seria “fingir que se adiciona valor”.

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Paulsen recorre também ao trabalho do autor de gestão britânico, David Bolchover, o qual cunhou, num livro com o mesmo nome, a expressão “The Living Dead”, para descrever os empregados desmotivados e não comprometidos com o trabalho que, a seu ver, são muito mais do que imaginamos. Tal como a francesa Maier, ou o próprio Scott Adams, Bolchover defende igualmente “o domínio da imagem sobre a realidade, do obscurecimento sobre a clareza, das políticas sobre a performance”.

E também para Paulsen esta simulação, este fingimento, a perda de significado, os jogos de poder, as politiquices dos escritórios, as crises, o tédio e o desespero são relatos tão comuns nas narrativas sobre os empregos da actualidade, que acabam por se transformar em cultura popular, o que aumenta o perigo de se cimentarem como comportamentos considerados “normais”.

Pegando no exemplo – real – de um funcionário das finanças, na Finlândia, que morreu na sua secretária, em 2004, junto a 20 colegas auditores que trabalhavam na mesma sala e a mais 100 que partilhavam o mesmo andar, e que só dois dias perceberam que estava morto, Paulsen faz duas perguntas óbvias: como é possível ninguém ter reparado e como é que os seus superiores não perceberam que o trabalho que supostamente deveria estar a fazer não estava a fluir?

Paulsen afirma ter entrevistado mais de 40 pessoas que confessaram passar pelo menos metade do seu horário laboral em actividades pessoais. “Queria saber como o faziam e, mais importante, por que motivo o faziam”, afirma. E, para seu espanto, o porquê acabou por ser a parte da resposta mais fácil: “simplesmente porque trabalhar é uma seca”. “Detestamos as segundas-feiras e passamos a semana a esperar pela sexta”, acrescentaram ainda. Paulsen refere igualmente o facto de, e de acordo com as estatísticas, o pico de mortalidade por problemas cardíacos acontecer à segunda-feira de manhã.

Tal como o VER escreveu recentemente, e de acordo com uma pesquisa realizada pela Gallup em 2013, apenas 13% dos trabalhadores entrevistados em 142 países afirmaram gostar do trabalho que fazem. Mais impressionante é o facto de 26% dos inquiridos sentirem “hostilidade relativamente à empresa [em que trabalham]” e os restantes – a grande maioria – se sentir “indiferente” face ao trabalho que desempenham. Com o mundo a debater-se com a crise de emprego, o que podem adiantar estas estatísticas?

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“Ter pouco que fazer” pode explicar a aparente preguiça

No seu livro, Roland Paulsen recorda o trabalho de Frederick W.Taylor, o fundador da “gestão científica”. Em 1911, Taylor chamava à “evasão laboral” – as diferentes formas mediante as quais é possível evitar fazer o trabalho que nos compete – como o “maior diabo que estava a atingir muitos trabalhadores tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos”. Como é sabido, Taylor foi pioneiro em estabelecer um controlo das actividades desenvolvidas pelos trabalhadores nas fábricas, as quais deveriam ser executadas de acordo com uma sequência e um tempo pré-programados, de forma a não existir desperdício operacional e, consequentemente, quebra na produtividade. Para o engenheiro norte-americano, a “ideia de aumentar a transparência em todos os processos laborais consistia num passo importante para a eficiência – não só porque tornava possível a optimização de cada operação, mas também porque redireccionava o poder do colectivo de trabalhadores, com a sua ‘natural’ inclinação para a ‘vadiagem’, para a gestão ou, como Taylor diria, para a ciência”, explica ainda Paulsen.

Todavia e como acabou por concluir ao longo da pesquisa que foi realizando, o que poderia surpreender Taylor – e não só – é o facto de esta baixa de produtividade comum a trabalhadores do mundo inteiro não se dever a factores de descontentamento, mas sim a uma correspondência desigual entre o tempo necessário para fazer determinadas tarefas e as jornadas habituais de trabalho. De acordo com o site Salary.com, os estudos demonstram que “não ter suficiente o que fazer” consiste na razão mais comum para os empregados dedicarem-se a questões pessoais ao longo do horário de trabalho, o que leva as empresas a gastarem milhares de milhões de dólares em salários sem terem qualquer benefício ou recompensa pelos mesmos. Paulsen dá como exemplo o sector dos serviços que oferece determinados tipos de trabalho os quais têm longos períodos de inactividade, seja o de uma florista que passa um dia numa loja sem clientes, o de um gestor de logística que consegue fazer todo o seu trabalho entre as duas e as três da tarde ou o de um bancário responsável por programas de seguros pouco procurados, todos eles entrevistados para o livro.

Afirmando que existe uma crença generalizada que quem quer trabalhar, arranjará sempre o que fazer, Paulsen questiona esta verdade aparentemente universal. Sabemos que a tecnologia está a substituir o trabalho humano em vários cenários, e que, segundo dados da OCDE, a produtividade mais do que duplicou desde os anos de 1970. Mas e mesmo assim, não existe qualquer movimento visível para reduzir as horas de trabalho relativamente a este aumento de produtividade, antes pelo contrário. Com o problema do desemprego global longe de ter um fim à vista, talvez esta pudesse ser uma forma de o reinventar.

Adicionalmente, e como conclui Paulsen, o modelo económico vigente não só produz desigualdades em termos de rendimentos e de “empregos seguros”, como também o faz no que respeita a estímulos e a substância e/ou ao significado do trabalho. Afinal, estar várias horas por dia a passear na Internet pode até ser o sonho de muitos, mas com o tempo, este ócio poderá transformar-se num violento pesadelo, com toda a frustração e sentimento de “vazio” que comporta.

Editora Executiva