Dizer que o sol quando nasce é para todos é, como sabemos, uma frase bonita sem correspondência na prática. Todavia, e em termos de turismo, aqueles que habitualmente são excluídos das actividades de lazer, começam a ter, progressivamente, uma maior oferta adaptada às suas especificidades, sejam pessoas com deficiência ou seniores. Adicionalmente, em Portugal surge agora uma nova proposta de turismo que alia as viagens à solidariedade e ao voluntariado. O VER explica como
POR MÁRIA POMBO

É sabido e assumido que o individualismo povoa o mundo em que vivemos e que a satisfação pessoal impera na lista das prioridades. No entanto, este facto não impede o ser humano – pelo menos um bom conjunto deles – de olhar para os outros, assumindo positivamente a existência das diferenças e demonstrando que altruísmo e solidariedade ainda têm lugar no dicionário da Humanidade.

Se, por um lado, a era de consumo de massas “obriga” a que cada pessoa seja tratada  apenas como mais um número, por outro, assistimos também à exigência crescente, por parte dos clientes, de não perderem a sua identidade e de serem tratados com exclusividade. Todavia, também há os que são diferentes sem quererem, e para quem a diferença é, de facto, uma barreira e um impedimento a uma vida digna e à realização de tantos sonhos. Neste grupo inserem-se essencialmente idosos e pessoas com mobilidade reduzida, que necessitam de programas moldados aos seus “tempos”, em conjunto com espaços adaptados, concebidos para dar resposta às suas especificidades.

Tem sido com base nestas diferenças, e naqueles que ficam geralmente esquecidos, que vários projectos têm surgido. Praticar a inclusão deixou de ser um mero acto de assistencialismo, passando a ser encarado como uma necessidade e até como uma boa oportunidade de negócio.

Ao abordarmos o tema da inclusão, e no meio de tantas definições para o conceito, há que traduzir o significado mais abrangente de incluir. E incluir significa integrar, envolver, abranger e conter em si. David Rodrigues, professor universitário e presidente da associação Pró-Inclusão definiu, numa opinião ao jornal Público, que estar incluído “é ser bem-vindo aos serviços, instituições, grupos e estruturas que podem interessar ao desenvolvimento, à participação, à cidadania e à actividade humana de cada pessoa”.

Para que a inclusão seja plena, é necessário que se reúnam duas condições essenciais – normalidade e bem-estar – marcadas não só pela adaptação dos espaços mas, também e acima de tudo, pela informação (que elimina os preconceitos) e pela satisfação das necessidades dos clientes, que muitas vezes não são tidas em consideração.

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De personagens secundárias a protagonistas
Aliar o conceito de inclusão ao turismo implica pensar e preparar programas que permitam aos clientes a realização de determinadas actividades às quais não têm acesso diariamente, potenciando o seu conforto e aumentando a sua qualidade de vida. Desta forma, estes utentes podem esquecer, mesmo que seja apenas por momentos, as barreiras que enfrentam constantemente no seu quotidiano, despindo o papel de “agentes secundários” para passarem a ser os protagonistas.

O site Portugal Acessível, criado pela Associação Salvador, que promove a inclusão social de pessoas com deficiência motora e disponibiliza informação sobre a acessibilidade de diferentes espaços de Portugal, apresenta um guia com itinerários acessíveis e com informações úteis e detalhadas sobre diversos serviços (alojamento, cultura, saúde, transportes e etc.). Este site permite ainda a troca de experiências entre pessoas, na mesma condição, que já frequentaram ou pretendem frequentar determinados espaços. Desta forma, os seus utilizadores podem ter uma percepção mais concreta das barreiras que enfrentam num certo local e prepararem-se para as minimizar e/ou transpor.

Um outro exemplo que o VER destaca é a Accessible Portugal (que, apesar da coincidência do nome, em nada se relaciona com o site referido acima), uma agência de viagens e de animação turística que aposta numa oferta turística especializada para o público sénior (e para pessoas com mobilidade reduzida, em geral), garantindo a qualidade e segurança na actividade turística e privilegiando uma vertente lúdico-pedagógica.

Os programas são pensados em função das necessidades dos clientes e, apesar de haver a preocupação de promover o nosso País, a agência disponibiliza igualmente um conjunto de ofertas que permitem aos viajantes conhecerem os quatro cantos do mundo, através de parcerias com diversos operadores turísticos.

Para além de ser uma agência de viagens, a Accessible Portugal pretende estabelecer-se como consultora, através de um conjunto de infra-estruturas, equipamentos e serviços que permitem aos seus clientes, com ou sem limitações, o “usufruto de viagens, de estadias e de actividades sem barreiras particulares”. Tem ainda um serviço de aluguer de equipamento, para uma maior comodidade e conforto dos clientes.

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Ir para fora, conhecendo o “cá dentro”
No entanto, a inclusão não é apenas a adequação dos espaços e dos serviços a um público específico. Este conceito é muito mais abrangente e pode ser visto de uma perspectiva quase oposta: a de ser aceite pelos habitantes de uma comunidade, partilhando o seu dia-a-dia e conhecendo os seus costumes e tradições.

Nesta inovadora oferta, os turistas são convidados a fazer parte da comunidade que visitam, comungando dos mesmos hábitos e contribuindo para o desenvolvimento local. Esta é uma forma de inclusão que permite que os viajantes fujam dos “roteiros de massa” e possam usufruir de experiências únicas. Se à inclusão juntarmos a solidariedade e o combate aos problemas e às desigualdades sociais, os turistas apoiam instituições locais, através de programas de voluntariado, ao mesmo tempo que viajam e conhecem novos locais.

Foi a pensar na união entre o turismo e a inclusão, e entre estes e o voluntariado com consequente combate das desigualdades sociais, que dois viajantes e entusiastas portugueses formaram a ImpacTrip, uma agência de viagens social que promove “experiências turísticas alternativas e inesquecíveis”, dando a conhecer Portugal de uma forma diferente.

Para estes empreendedores, “não faz sentido ver apenas as partes arranjadinhas das cidades, o lado turístico e comprar o íman do frigorífico para levar para casa”, sendo fundamental conhecer as pessoas, as histórias e o comércio local.

Os programas, propostos pela agência conforme o perfil e as preferências dos viajantes, permitem passar algum tempo em instituições locais, ou conhecer as ruas e descobrir os segredos, por exemplo de uma “Lisboa alternativa” ou de aldeias do interior, pela mão de guias que as conhecem melhor do que ninguém: pessoas sem-abrigo que recebem formação adequada.

Adicionalmente, os amantes da natureza podem contribuir para a limpeza do mar, ao mesmo tempo que têm a possibilidade de descobrir locais fantásticos e fazer mergulho. As lojas mais tradicionais e os restaurantes mais típicos são pontos de paragem obrigatória para os clientes desta agência, para a qual o impacto social positivo é muito mais importante que o lucro.

Estamos, assim, perante uma outra perspectiva através da qual a inclusão pode ser entendida… É possível praticar este conceito através da adaptação dos serviços a pessoas com necessidades especiais. No entanto, o mesmo também pode ser concretizado se uma comunidade for apenas receptiva a acolher viajantes, mostrando-lhes a normalidade dos seus dias.

“O turismo solidário não é apenas para jovens de mochila às costas”

Em entrevista ao VER, Rita Marques, co-fundadora da ImpacTrip, uma agência inovadora em Portugal, revela como é possível mudar a forma de viajar dos portugueses e fazer turismo de uma forma mais responsável

A ImpacTrip acredita que é possível viajar de maneira mais responsável, ajudando comunidades locais. Como surgiu esta ideia e o que vos levou a apostar neste conceito inovador?
Somos uma agência de viagens que combate as desigualdades sociais através do turismo solidário. A nossa missão é promover experiências turísticas alternativas e inesquecíveis que permitam ao viajante conhecer Portugal de forma diferente, participando em actividades de voluntariado e contribuindo para o desenvolvimento social do local que visita.

Acreditamos que não se conhece um local até conhecermos as pessoas, as histórias do bairro e as lojinhas locais. Para nós, não faz sentido ver apenas as partes arranjadinhas das cidades, o lado turístico e comprar o íman do frigorífico para levar para casa. Assim, desenvolvemos programas que permitem ao viajante conhecer realmente os sítios por onde passa e fugir ao turismo de massas, possibilitando-lhe uma experiência que não tenha apenas benefícios para si, mas também para os locais visitados.

A ideia surgiu bastante longe de Portugal… Estava eu a viajar sozinha de mochila às costas pela Ásia quando percebi que havia mais pessoas como eu, que queriam conhecer profundamente os locais por onde passavam e deixar uma marca positiva nas pessoas que conheciam, fazendo voluntariado. Já existiam alguns programas desta género, mas nada em Portugal, e foi aí que eu pensei: “Em Portugal existem, obviamente, necessidades sociais e nós somos um país maravilhoso para se viajar” e a ideia estava formada. Alguns meses e muito trabalho depois, lançámos a impacTrip.

O projecto conta com quantos elementos e quais são as suas mais-valias?
Somos uma equipa pequena, de apenas três pessoas. Eu e o Diogo Areosa somos co-fundadores e a Marlene é a directora de tecnologia.

Eu fiz um Mestrado em Gestão Internacional na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), e acumulo diversas experiências internacionais e em gestão de projectos. Já tinha começado dois projectos de empreendedorismo social anteriormente e sou apaixonada por viagens.

O Diogo é formado em turismo e tem bastantes anos de experiência no sector. Tem competências em marketing e vendas e enquanto gestor de marcas. Já a Marlene Martins é engenheira informática e é responsável pelo desenvolvimento do nosso website.

Temo competências diferentes e complementamo-nos, o que traz muito valor ao trabalho em conjunto.

Considera que os portugueses (e os turistas em geral) têm já algum tipo de apetência para aderir a esta nova forma de viajar?
À primeira vista, este conceito pode parecer estranho a uma grande parte dos portugueses, mas acredito que terá uma grande aceitação, tendo em conta o seu carácter diferenciador.

Viajar está-nos no sangue desde os Descobrimentos e percebemos que há cada vez mais portugueses que fazem voluntariado regularmente. Aliar estes dois conceitos é quase natural para quem procura viajar de forma mais responsável.

Aliado ao voluntariado, percebemos que há um número crescente de jovens que procuram viagens diferentes das tradicionais, e queremos ser uma opção inovadora e positiva. No entanto, o turismo solidário não é apenas para jovens de mochila às costas, mas também uma óptima opção para famílias, por exemplo. Promover tempos de qualidade em família é uma mais-valia do turismo solidário e é algo em que apostamos, pois os pais podem dar o melhor exemplo às crianças.

Como se processa a interacção entre o turista e a ImpacTrip e como são escolhidas e planeadas as viagens?
O processo é simples. O viajante escolhe e reserva a experiência (1 dia) ou o programa (2, 3, 4 dias ou 1 semana) que prefere. De seguida, é nossa função avaliar qual a organização social que melhor se adequa ao seu perfil, competências e preferências e apresentamos uma proposta de programa final. Depois basta efectuar o pagamento e aproveitar esta aventura.

Nós tratamos de tudo: alojamento, refeições e voluntariado. Quando o viajante chega à instituição, o coordenador fará uma introdução e explicará a tarefa que ele deve desempenhar.

E tem sido muito bom ver a interacção dos viajantes com estas organizações.

Qual tem sido a adesão ao vosso projecto e quais são os vossos principais públicos-alvo?
A impacTrip é bastante recente. Lançámos o site no início de Julho e desde aí temos recebido centenas de visitas, dezenas de mensagens de apoio e já fizemos algumas experiências. Ainda não é possível revelar números, mas está a correr muito bem.

O nosso público varia consoante o programa, mas são maioritariamente jovens, pessoas que costumam fazer algum tipo de voluntariado, que são activas e participam em grupos de desporto ou artes.

Este Verão estamos a apostar muito nos viajantes portugueses, pois queremos realmente que conheçam este conceito, mas queremos também mostrar o nosso País aos estrangeiros e fomentar o voluntariado social e ambiental. Há alternativas às propostas aborrecidas de ir para os mesmos sítios e fazer mais do mesmo, e a nossa missão é mostrar isso mesmo.

Ou seja, fazemos viagens diferentes que fazem a diferença!

Jornalista