O desafio de responder aos novos princípios emergentes na gestão de pessoas revela-se enorme mas premente para as organizações sociais. É crítico co-criar locais de trabalho no sector social mais colaborativos, menos formalizados e mais motivadores para todos
POR LILIANA DIAS

As organizações não gerem as suas pessoas de uma forma única ou constante. Não existe uma única receita para implementar melhores estratégias de gestão de pessoas que possam ser aplicadas de forma sistemática e universal. Cada organização vai definindo e incorporando a sua forma de gerir as pessoas, perante os desafios internos ou externos a que procura responder.

Em organizações sociais a importância das suas pessoas é vital e aceite consensualmente por todos, mas a colocação em acção de políticas e práticas centradas nas pessoas e orientadas para o futuro ainda aparenta ser um caminho quase secundário, em muitos casos.

O que mudou no contexto de trabalho?

Verifica-se actualmente uma profunda alteração dos contextos de trabalho, de forma transversal, face à crescente digitalização, automação e trabalho em rede. O que obrigará necessariamente a rever os modelos de gestão do trabalho e das pessoas que, e apesar de todas as transformações dos últimos vinte anos, não sofreram alterações radicais.

Existe uma preocupação global nas organizações em preparar pessoas para criarem valor de forma ágil, inovadora, envolvida e contínua. A descrição funcional espartilhada torna-se depressa obsoleta e limitadora da realização do potencial das pessoas a médio e longo prazo. O actual modelo de “gestão” parece estar desadequado à experiência diária e contínua da mudança a que estamos expostos. Até mesmo o excessivo foco na “liderança” e nos líderes transformadores, fundadores, quase super-heróis e carismáticos parece conter o progresso e a busca de novas formas de reunir os esforços conjuntos de todos os que trabalham no projecto social.

Que mudanças se esperam nas práticas de gestão de pessoas?

Segundo alguns especialistas, entre eles Gary Hamel, autor de “The Future of Management”, e Julian Birkinshaw, que escreveu “Reinventing Management: Smarter Choices for getting work done, com a digitalização prevê-se que a coordenação de esforços aconteça menos através da burocracia, isto é, regras, processos e procedimentos, e mais por processos de emergência, com equipas auto-organizadas e organizações em rede.

[quote_center]A tomada de decisão tende a afastar-se de uma decisão central hierárquica e capitalizar a sabedoria colectiva de forma mais partilhada[/quote_center]

Por outro lado, a tomada de decisão tende a afastar-se de uma decisão central hierárquica e capitalizar a sabedoria colectiva de forma mais partilhada. Claro que a mesma levanta desafios, e implicará novas formas, que talvez ainda não conseguimos visualizar no dia-a-dia das organizações.

Existe ainda uma pressão crescente de recompensar as pessoas pela motivação intrínseca, procurando desenhar o trabalho para que seja mais interessante, criando um contexto fértil para a mestria e reforçando fortemente a coesão e sentimento de pertença a um grupo.

A motivação no trabalho reúne assim diferentes drivers motivacionais e combina as diferentes vantagens que os mesmos apresentam. Por exemplo as motivações materiais, que parecem estimular comportamentos mais autocentrados e menos flexíveis no que respeita à diversidade de actividades a desenvolver, são úteis quando os resultados a obter são simples, circunscritos e concretos. Os drivers pessoais de motivação no trabalho implicam maior colaboração e criatividade, mas temos que reconhecer que muitas das funções existentes nas organizações são repetitivas e monótonas e que pessoas mais motivadas por drivers internos não gostam de ser controladas ou dirigidas. Os drivers sociais da motivação respondem a necessidades prementes que as pessoas satisfazem no seu contexto de trabalho, isto é, integração na equipa, partilha da missão, propósito e reconhecimento. No entanto, estes factores sociais de motivação não se mantêm constantes e revela-se difícil conseguir avaliar o quanto investir neles, porque demasiado enfoque nos mesmos pode traduzir-se em comportamentos negativos de “clã”.

[quote_center]Muitas organizações do terceiro sector ainda estão muito ancoradas em modelos de valorização e recompensa extrínsecos[/quote_center]

Apesar de podermos considerar que neste aspecto motivacional o terceiro sector pode estar mais alinhado que o modelo lucrativo, infelizmente muitas organizações do mesmo, que consultámos nos últimos dez anos, ainda estão muito ancoradas em modelos de valorização e recompensa extrínsecos, espelhados na diferenciação clara dos papéis, posição e influência de cada um dos seus elementos.

No que se refere ao estabelecimento dos objectivos da organização e de cada unidade, os mesmos parecem, segundo John Kay e no livro “Obliquity: Why Our Goals Are Best Achieved Indirectly”, vir a ser estabelecidos no futuro de uma forma mais oblíqua e menos linear. Assim, afastamo-nos de um modelo que estabelece metas claras para todos, que permite facilmente identificar desvios, e aproximamo-nos de um modelo integrado, linear e oblíquo. Por exemplo, conciliando estratégias de curto prazo para garantir a viabilidade financeira da organização com estratégias de longo prazo que realizem uma missão mais ampla e inspiradora.

Podemos concluir que o desafio de responder a estes novos princípios emergentes na gestão de pessoas revela-se enorme mas premente para as organizações sociais. Partilhamos com as organizações este desafio crítico: co-criar locais de trabalho no sector social mais colaborativos, menos formalizados e mais motivadores para todos.

Consultora & Formadora da Stone Soup Consulting