Como são percepcionadas as condições de vida em diferentes países do mundo face há meio século? O “progresso” tornou-nos mais satisfeitos ou mais pessimistas face ao presente em que vivemos? Em final de ano, o VER partilha as principais conclusões de um inquérito realizado pelo Pew Research Center a 43 mil pessoas de 38 países pertencentes a diferentes geografias mundiais, que demonstra que os factores económicos, religiosos e políticos contribuem, em muito, para uma resposta dissociada face ao que é considerado uma vida melhor ou pior relativamente há 50 anos
Adaptado por
HELENA OLIVEIRA

Há cinquenta anos, o mundo era um local completamente diferente do que é hoje. Os Estados Unidos e os seus aliados estavam”bloqueados” numa Guerra Fria com a União Soviética, os computadores pessoais e os telemóveis ainda faziam parte da ficção científica e uma parte substancial da população mundial debatia-se significativamente para tentar alcançar melhorias de natureza diversa, fosse em termos de esperança de vida como de bem-estar material.

Inúmeros países encontravam-se numa verdadeira encruzilhada, como é o caso do conflito militar entre Israel e os seus vizinho árabes, a luta pelo direitos civis e os protestos anti-guerra nos Estado Unidos ou os tanques soviéticos que tentavam esmagar a “Primavera de Praga” na Checoslováquia.

Apesar das mudanças substanciais que caracterizaram este último meio século e tendo em conta que alguns dos factos aqui elencados são mesmo isso, “História”, a verdade é que e em termos gerais, o mundo parece não estar assim tão diferente face há 50 anos. Afinal, há velhos conflitos que subsistem, outros novos emergiram, a luta por direitos fundamentais continua a ser uma realidade e existem ainda muitos outros “tanques” continuam a esmagar sonhos e desejos de ordem variada. Mas, e de acordo com a pesquisa do Pew, é igualmente óbvio que existem vários progressos a registar.

Por exemplo, e ao nível dos 38 países que fazem parte do universo inquirido, algumas das melhorias mais positivas face há meio século podem ser encontradas no Vietname, onde 88% dos respondentes afirmam que a vida é melhor na actualidade, na Índia (69%) e na Coreia do Sul (68%), ou seja, em sociedades que testemunharam transformações económicas substanciais desde os finais dos anos de 1960, já sem mencionar, e no caso do Vietname, o fim do seu sangrento conflito armado. Uma maioria dos inquiridos na Turquia (65%) afirma também viver uma vida melhor, sendo que nos países desenvolvidos é na Alemanha e no Japão que as percentagens de cidadãos mais felizes são mais elevadas – 65% – seguindo-se a Holanda e a Suécia, com 64%.

Todavia, nem toda a gente partilha deste optimismo face ao passado. Nos Estado Unidos, é possível encontrar uma clivagem representativa, com 41% a declararem que a vida está pior hoje e 37% a afirmar que está melhor. E, em mais de metade dos países auscultados, desde a Itália (50%) à Grécia (53%), passando pela Nigéria (54%) ou pelo Quénia (53%), até à Venezuela (72%) e ao México (68%), as respostas vão igualmente no sentido de que a vida está pior face há cindo décadas.

Obviamente que os eventos singulares que fazem parte da história dos países a nível individual não podem ser ignorados quando se consideram as respostas dos seus cidadãos na altura em que se lhes pede para comparar as suas vidas – ou a dos locais onde vivem – relativamente ao passado. A análise do Pew indica igualmente que as percepções face à situação económica do presente constituem um forte indicador para as respostas dos cidadãos inquiridos. Na verdade, e entre todos os países analisados, as pessoas com visões mais positivas face à situação económica em que vivem têm uma maior propensão – em 30% – face aos que têm uma visão negativa da mesma, para afirmar que a vida é agora melhor.

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Presente versus passado e as variações regionais

A América Latina é a região do planeta que mais se destaca por um pessimismo disseminado face aos progressos atingidos nos últimos 50 anos. Os venezuelanos e os mexicanos (72% e 68%, respectivamente, afirmam que a vida está pior) são os recordistas do negativismo, mas em nenhum país da região existe uma percentagem superior a 50% que declare que a vida está melhor actualmente.

No Médio Oriente e no Norte de África, as visões da vida no presente comparativamente há 50 anos variam substancialmente de país para país. Os turcos são os que registam uma percepção mais positiva dos progressos conquistados, com 65% dos inquiridos a sublinhar que as suas vidas são melhores agora, seguidos pelos que habitam em Israel, com 52% a afirmar o mesmo.  Já os inquiridos na Tunísia, na Jordânia e no Libano afirmam que a qualidade das suas vidas se deteriorou consideravelmente ao longo deste período, sendo os tunisinos a expressar o maior negativismo (60%).

Já na África subsaariana, as avaliações comparativas do presente e do passado são mais uniformemente divididas. Uma média de 46% dos respondentes declara que a vida nos dias que correm é pior do que há 50 anos, comparativamente a 42% que dizem o contrário. As avaliações positivas variam entre 47% na África do Sul – para melhor – e os 36% no Gana. A Nigéria e o Quénia são os únicos países desta região onde mais de metade dos inquiridos sublinha que a vida está pior (54% e 53% respectivamente).

Quanto aos europeus e na generalidade, cerca de metade tende a encarar o último meio século como um período de progresso. A região alcança uma média de 53% para os que afirmam que a vida melhorou, comparativamente a 30% que, pelo contrário, sentem que piorou. As avaliações mais positivas vão para a Alemanha – com 65% dos cidadãos inquiridos a declarar que a vida melhorou -, para a Holanda e a Suécia (64%) e para a Espanha (60%). Já os gregos (53%) e os italianos (50%) são os menos convencidos de que a vida está melhor do que há 50 anos.

Por seu turno, a região da Ásia-Pacífico pode assumir-se como aquela que melhor avaliação em termos de progresso teve por parte dos seus inquiridos. O Vietname, e como já mencionado anteriormente, é o país que mais se destaca em termos de percepção de melhorias de vida, o mesmo acontecendo com a Índia, com a Coreia do Sul e com o Japão. Os filipinos são, e ao invés, os que menos satisfeitos se declaram com as melhorias nas suas vidas, com apenas 43% a enunciá-las.

Já na América do Norte, 55% dos canadianos inquiridos estão certos dos progressos alcançados face há 50 anos versus apenas 37% dos americanos a dizer o menos seno, entre estes, os republicanos os mais optimistas.

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Ganhos e perdas, política e religião

Em alguns dos países auscultados, as visões sobre quem mais ganhou ou perdeu ao longo do último meio século apresentam maiores divisões no que respeita ao tipo de religião ou etnia os inquiridos.

Na Turquia, 79% dos muçulmanos que cumprem as cinco orações diárias (salah) que são impostas sob a lei islâmica afirmam que a vida é melhor para pessoas como eles próprios comparativamente há 50 anos. Pelo contrário, apenas 49% dos muçulmanos turcos que rezam raramente ou nunca concordam com esta declaração, o que também pode ser explicado não apenas por questões de fé, mas também pelas visões divergentes que reinam entre a população face ao presidente do país, Recep Erdgan e o seu partido religioso, o AKP.

Na Nigéria – onde coabitam muçulmanos e cristãos, mas cujo governo é liderado por um muçulmano – são os primeiros que mais satisfeitos se mostram no que respeita ao progresso do país. Quase três vezes mais de nigerianos muçulmanos, face aos cristãos – 65% vs. 22% – afirmam que a vida é melhor no presente do que no passado.

Em Israel, e 50 anos depois do Estado Judaico ter saído vitorioso da Guerra dos Seis Dias contra a coligação das nações árabes, são os judeus israelitas que mais convencidos se manifestam face à melhoria das condições de vida ao longo destas cinco décadas. Quase seis em cada 10 judeus em Israel sublinham a “vida melhor” comparativamente a apenas um terço dos israelitas árabes que reconhecem esse mesmo progresso.

De destacar ainda a África do Sul, onde é evidente uma substancial divisão racial face ao progresso social atingido: os negros que habitam no país – e que há meio século viviam oprimidos no regime de apartheid que então vigorava – são, e sem surpresa, os que mais facilmente admitem que a vida se vive melhor no presente (52%), comparativamente aos sul-africanos de raça mista ou brancos (37% e 27%, respectivamente).

Quanto ao peso político, o inquérito do Pew Research Center concluiu, e como já é igualmente sabido, que o populismo é, na maioria das vezes, associado à nostalgia de um passado idealizado. Assim e no caso da Europa, a pesquisa realizada confirma que os populistas tendem a mostrar-se mais enamorados do que “já foi” comparativamente aos que sentem asco pelos partidos de extrema-direita que estão a reemergir no Velho Continente. Por exemplo, os alemães que apoiam o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) são 28% mais propensos a considerar que vida está pior no presente do que aqueles que têm uma visão desfavorável do partido anti-imigração. O mesmo padrão é visível entre os apoiantes dos Democratas Suecos, dos que têm uma visão favorável da Frente Nacional, em França, dos eleitores do PVV na Holanda e, no Reino Unido, dos que defendem o UKIP.

Ou, em suma, e cinquenta anos passados, parece que muito mudou e pouco mudou, simultaneamente. Resta saber o que nos traz o próximo meio século.

Fonte: “Worldwide, People Divided on Whether Life Today Is Better Than in the Past”, Pew Research Center

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